23/04/2013

Tratado das paixões da alma 5


Art. 2 ― Se a contrariedade entre as paixões do irascível é correlativa à existente entre o bem e o mal.







(III Sent., dist. XXVI, q. 1, a . 3, De Verit., q. 26, a . 4).

O segundo discute-se assim. ― Parece que a contrariedade entre as paixões do irascível é correlativa à existente entre o bem e o mal.


1. ― Pois as paixões do irascível ordenam-se às do concupiscível, como já dissemos 1. Ora, a contrariedade existente entre estas últimas ― p. ex., entre o amor e o ódio, a alegria e a tristeza baseiam-se na que existe entre o bem e o mal. Logo, o mesmo se dá com as paixões do irascível.

2. Demais. ― As paixões diferem pelos seus objectos, como os movimentos, pelos seus termos. Ora, a contrariedade entre aqueles supõe a existente entre estes, como se vê em Aristóteles 2. Logo, a contrariedade entre as paixões também se baseia na que existe entre os seus objectos. Ora, o objecto do apetite é o bem ou o mal. Logo, em nenhuma potência apetitiva pode haver contrariedade entre as paixões senão fundada na que existe entre o bem e o mal.

3. Demais. ― Toda paixão da alma supõe uma aproximação e um afastamento, como diz Avicena 3. Ora, aquela é causada pela ideia de bem, este, pela de mal, pois assim como o bem é o que todos os seres desejam, conforme Aristóteles 4, o mal é o que todos evitam. Logo, a contrariedade entre as paixões da alma só se pode fundar na que existe entre o bem e o mal.

Mas, em contrário. ― O temor e a audácia são contrários, como se vê em Aristóteles 5. Ora, entre si não diferem só pelo bem e pelo mal, pois ambos dizem respeito a algum mal. Logo, nem toda contrariedade entre as paixões do irascível é correlativa à que existe entre o bem e o mal.

A paixão é um movimento, como diz Aristóteles 6, logo, a contrariedade entre as paixões deve deduzir-se da existente entre os movimentos ou mutações. Ora, nestas e naquelas há dupla espécie de contrariedade, segundo Aristóteles 7. Uma, relativa à aproximação ou ao afastamento de um mesmo termo e que é própria das mutações, assim, a contrariedade entre a geração, que é mudança para o ser, e a corrupção, mudança que parte do ser. A outra é a contrariedade dos termos, própria dos movimentos, assim o dealbar é um movimento do preto para o branco e opõe-se ao enegrecer, que é um movimento do branco para o preto.

Assim pois há nas paixões da alma dupla contrariedade: baseada uma na contrariedade dos objectos, a saber, a que existe entre o bem e o mal, a outra, relativa à aproximação ou afastamento de um mesmo termo. Ora, nas paixões do concupiscível há só a primeira espécie de contrariedade, relativa aos objectos, ambas as espécies existem porém nas paixões do irascível. E a razão é que o objecto do concupiscível, como já se disse 8, é o bem e o mal sensíveis absolutamente considerados. Ora, o bem como tal não pode ser termo de afastamento mas só de aproximação, pois nenhum ser foge do bem com tal, antes, todos o desejam. Semelhantemente, nenhum ser deseja o mal como tal, mas todos o evitam, e por isso o mal não constitui um termo de aproximação, mas só de afastamento. Donde, todas as paixões do concupiscível, como o amor, o desejo e alegria, referindo-se ao bem, tendem para este: e todas as paixões desse apetite referentes ao mal como o ódio, a aversão ou abominação e a tristeza, afastam-se dele. Logo, entre as paixões do concupiscível não pode haver contrariedade por aproximação e afastamento do mesmo objecto.

O objecto do irascível porém é o bem ou o mal sensíveis, não absolutamente, mas enquanto difíceis ou árduos, consoante já dissemos 9. Ora, o bem árduo ou difícil, enquanto bem, provoca de um lado, a tendência para si, tendência própria à paixão da esperança, mas por outro lado, enquanto árduo e difícil, provoca o afastamento, próprio da paixão do desespero. Semelhantemente, o mal árduo, enquanto mal, por natureza deve ser evitado, e isto pertence à paixão do temor, provoca porém uma tendência para si, enquanto árduo. ― pelo qual escapamos da sujeição ao mal ― e essa tendência para ele constitui a audácia. Logo, entre as paixões do irascível há contrariedade fundada na que existe entre o bem e o mal. ― p. ex., a contrariedade entre a esperança e o temor, e há a relativa à aproximação e ao afastamento de um mesmo termo, como entre a audácia e o temor.

Donde se deduzem claras as RESPOSTA ÀS OBJECÇÕES.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.

Notas:
1. Q. 23, a. 1 ad 1.
2. V Physic., lect. VIII.
3. VI De nacturalibus.
4. I Ethic., lect. I.
5. III Ethic., lect. XV.
6. III Physic., lect. V.
7. V Physic., lect. VIII.
8. Q. 23, a. 1.
9. Q. 23, a. 1.

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