Em seguida devemos tratar da diferença das paixões entre si.
E
sobre esta questão quatro artigos se discutem:
Art.
1 ― Se as paixões do apetite irascível são as mesmas do concupiscível.
Art.
2 ― Se a contrariedade entre as paixões do irascível é correlativa à existente
entre o bem e o mal.
Art.
3 ― Se toda paixão da alma tem contrária.
Art.
4 ― Se uma mesma potência pode ter paixões especificamente diferentes e não
contrárias entre si.
Art. 1 ― Se as paixões do
apetite irascível são as mesmas do concupiscível.
(De
Verit., q. 26, a. 4).
O
primeiro discute-se assim. ― Parece que as paixões do apetite irascível são as
mesmas do concupiscível.
1. ― Pois, como diz o Filósofo, as paixões da alma são as de que resultam a alegria e a tristeza 1. Ora, esta e aquela pertencem ao concupiscível. Logo, as paixões do irascível não são diferentes das do concupiscível.
2.
Demais. ― Comentando o passo da Escritura (Mt 12, 33) ― O reino dos
céus é semelhante ao fermento, etc. ― diz a Glosa de Jerónimo: Na razão tenhamos
a prudência, no irascível, o ódio aos vícios, no concupiscível, o desejo das
virtudes. Ora, o ódio pertence ao concupiscível, assim como o amor, que lhe é
contrário, conforme diz Aristóteles 2. Logo, são as mesmas as
paixões do concupiscível e do irascível.
3.
Demais. ― As paixões e os actos diferem especificamente, pelos seus objectos.
Ora, as do irascível e do concupiscível tem os mesmos objectos, a saber, o bem
e o mal. Logo, as de um e de outro são idênticas.
Mas,
em contrário. ― Actos de potências diversas, como ver e ouvir, são
especificamente diversos. Ora, o irascível e o concupiscível são as duas
potências que dividem o apetite sensitivo, como já dissemos na primeira parte 3.
Logo, sendo as paixões movimentos do apetite sensitivo, conforme se disse antes
4 as do irascível serão especificamente diferentes das do
concupiscível.
Portanto,
para sabermos quais as paixões do irascível e quais as do concupiscível, é
necessário saber qual é o objecto de uma e outra dessas potências. Ora, já
dissemos na primeira parte 6, que o objecto da potência
concupiscível é o bem e o mal sensíveis, em si mesmos considerados, sendo
aquele deleitável e este, doloroso. Mas como por vezes a alma tem que padecer
dificuldade ou luta para alcançar um bem ou fugir de um mal de tal natureza,
por estar um e outro acima do fácil alcance do animal, por isso o bem e o mal
que forem por natureza árduos e difíceis constituem o objecto do irascível.
Logo, todas as paixões que visam o bem ou o mal, absolutamente considerados,
como a alegria, a tristeza, o amor, o ódio e semelhantes, pertencem ao
concupiscível, todas, porém, como a audácia, o temor, a esperança e
semelhantes, que visam o bem ou o mal enquanto árduos, enquanto difíceis, de
algum modo, de serem alcançados ou evitados, pertencem ao irascível.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― Como dissemos na primeira parte 7,
a potência irascível foi dada aos animais para vencerem os obstáculos que impedem
o concupiscível de tender para o seu objecto, quer por tornarem o bem difícil
de ser alcançado ou o mal difícil de ser superado. Por isso todas as paixões do
irascível vêm a resolver-se nas do concupiscível, e desde logo também das
paixões do irascível resultam a alegria e a tristeza, que pertencem ao concupiscível.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― Jerónimo atribui ao irascível o ódio dos vícios, não em si mesmo,
pois então pertenceria propriamente ao concupiscível, mas, por causa da luta
que implica, e que pertence ao irascível.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― O bem enquanto deleitável move o concupiscível, mas desde que
implica dificuldade para ser alcançado encerra algo de repugnante ao
concupiscível, donde a necessidade de se admitir a existência de uma outra
potência que tenda para ele. E o mesmo se dá com o mal. Ora, tal potência é o
irascível. Logo e consequentemente, as paixões do concupiscível e do irascível
diferem entre si especificamente.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. II Ethic., lect. V.
2. II Topic., cap. VII.
3. Q. 81, a. 2.
4.
Q. 22, a. 3.
5.
Q. 77, a. 3.
6.
Q. 81, a. 2.
7.
Q. 81, a. 2.
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