Questão 17: Dos actos
ordenados pela vontade.
Art. 7 ― Se um acto do apetite sensitivo pode ser ordenado.
(I.
q. 81. a. 3, infra, q. 56, a. 4 ad 3, q.58, a . 2, De Verit., q.25, a. 4 De
Virtut., q. 1, a. 4).
O
sétimo discute-se assim. ― Parece que um acto do apetite sensitivo não pode ser
ordenado.
1. ― Pois, diz o Apóstolo (Rm 7, 19): Porque eu não faço o bem, que quero, e a Glossa explica, que o homem não quer ceder à concupiscência e contudo cede. Ora, ceder à concupiscência é acto do apetite sensitivo. Logo, tal acto não está sujeito ao nosso império.
2.
Demais. ― A transmutação formal da matéria corpórea só depende de Deus, como já
se estabeleceu na primeira parte 1. Ora, o acto do apetite sensitivo
causa o calor e o frio, que são transmutações corpóreas. Logo, o acto do
apetite sensitivo não está sujeito ao império humano.
3.
Demais. ― O motor próprio do apetite sensitivo é o apreendido pelo sentido ou
pela imaginação. Ora, não está sempre em nosso poder apreender desse modo um
objecto. Logo, o acto do apetite sensitivo não está sujeito à nossa ordem.
Mas,
em contrário, diz Gregório Nisseno (Nemésio): o concupiscível e o irascível 2,
que pertencem ao apetite sensitivo, obedecem à razão. Logo, o acto desse
apetite cai sob as ordens da razão.
Um acto cai sob nossas ordens na medida em que cai sob nosso poder, como já
se disse 3. Donde, para se compreender como o acto do apetite
sensitivo cai sob o império da razão é necessário considerar como está em nosso
poder. Ora, é de saber, que o apetite sensitivo difere do intelectivo, chamado
vontade, por ser virtude de um órgão corpóreo, o que não se dá com a vontade.
Ora, todo acto de uma potência, que se serve de órgão corpóreo, depende não só
da potência da alma correspondente, mas também da disposição do órgão corpóreo,
assim, a visão depende da potência visual e da qualidade dos olhos, que a
facilita ou impede. Donde, o acto do apetite sensitivo não só depende da
potência apetitiva, mas também, da disposição do corpo. Porém a atividade de
uma potência da alma resulta de uma apreensão ou imaginação. Ora, a apreensão
imaginativa, sendo particular, é regulada pela racional, que é universal, assim
como uma virtude activa particular é regulada pela virtude activa universal. E
portanto, por este lado, o acto do apetite sensitivo está sujeito à razão, ao
passo que não o está a qualidade e a disposição do corpo, e isto impede que o
movimento do apetite sensitivo esteja totalmente sujeito ao império da razão. E
pode mesmo acontecer que esse movimento se precipite, subitamente, provocado
pela apreensão da imaginação ou do sentido, e então escapa ao império da razão
embora esta pudesse preveni-lo se o previsse. E por isso o Filósofo diz que a
razão governa o irascível e o concupiscível, não com poder despótico, como o
senhor governa o escravo, mas com poder político ou real 4, como se
dá com homens livres, que não estão sujeitos ao governo de modo absoluto.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Uma disposição do corpo, que impede o apetite
sensitivo de submeter-se totalmente ao império da razão é que leva o homem a
ceder à concupiscência, contra a sua vontade. E por isso o Apóstolo acrescenta,
no mesmo lugar: Mas sinto nos meus membros outra lei que repugna à lei do meu
espírito. Também o mesmo acontece por causa do movimento súbito da
concupiscência, como já se disse.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― A disposição do corpo mantém dupla relação com o acto do apetite
sensitivo. Ou ela é precedente, como quando alguém está disposto de certo modo,
corporalmente, para tal ou tal paixão, ou é consequente, como quando alguém se
exalta, estando encolerizado. Ora, a disposição precedente escapa ao império da
razão porque procede da natureza ou de alguma moção precedente, que não pode
ser acalmada imediatamente. A disposição consequente porém está sujeita a esse
império porque depende do movimento local do coração, que se move diversamente
segundo os diversos actos do apetite sensitivo.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― Para a apreensão do sentido sendo necessário o sensível externo,
não está em nosso poder apreender nada, pelos sentidos, sem que o sensível
esteja presente e essa presença dele, o homem pode usar do sentido como quiser,
a menos que haja impedimento por parte do órgão. A apreensão imaginativa,
porém, está a subordinada à razão, na medida em que a força ou fraqueza da
imaginação o permite. Assim, se um homem não pode imaginar a concepção
racional, isso provém ou de não serem imagináveis os seres concebidos, como os
incorpóreos, ou da fraqueza da virtude imaginativa, proveniente de alguma
indisposição orgânica.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
___________________________
Notas:
1.
Q. 105 a. 1.
2.
De Nat. Hom., cap. XVI.
3. Q. 17, a. 5.
4. I Polit., lect. III.
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