16/03/2013

Tratado dos actos humanos 62


Questão 17: Dos actos ordenados pela vontade.

Art. 7 ― Se um acto do apetite sensitivo pode ser ordenado.



(I. q. 81. a. 3, infra, q. 56, a. 4 ad 3, q.58, a . 2, De Verit., q.25, a. 4 De Virtut., q. 1, a. 4).

O sétimo discute-se assim. ― Parece que um acto do apetite sensitivo não pode ser ordenado.



1. ― Pois, diz o Apóstolo (Rm 7, 19): Porque eu não faço o bem, que quero, e a Glossa explica, que o homem não quer ceder à concupiscência e contudo cede. Ora, ceder à concupiscência é acto do apetite sensitivo. Logo, tal acto não está sujeito ao nosso império.

2. Demais. ― A transmutação formal da matéria corpórea só depende de Deus, como já se estabeleceu na primeira parte 1. Ora, o acto do apetite sensitivo causa o calor e o frio, que são transmutações corpóreas. Logo, o acto do apetite sensitivo não está sujeito ao império humano.

3. Demais. ― O motor próprio do apetite sensitivo é o apreendido pelo sentido ou pela imaginação. Ora, não está sempre em nosso poder apreender desse modo um objecto. Logo, o acto do apetite sensitivo não está sujeito à nossa ordem.

Mas, em contrário, diz Gregório Nisseno (Nemésio): o concupiscível e o irascível 2, que pertencem ao apetite sensitivo, obedecem à razão. Logo, o acto desse apetite cai sob as ordens da razão.

Um acto cai sob nossas ordens na medida em que cai sob nosso poder, como já se disse 3. Donde, para se compreender como o acto do apetite sensitivo cai sob o império da razão é necessário considerar como está em nosso poder. Ora, é de saber, que o apetite sensitivo difere do intelectivo, chamado vontade, por ser virtude de um órgão corpóreo, o que não se dá com a vontade. Ora, todo acto de uma potência, que se serve de órgão corpóreo, depende não só da potência da alma correspondente, mas também da disposição do órgão corpóreo, assim, a visão depende da potência visual e da qualidade dos olhos, que a facilita ou impede. Donde, o acto do apetite sensitivo não só depende da potência apetitiva, mas também, da disposição do corpo. Porém a atividade de uma potência da alma resulta de uma apreensão ou imaginação. Ora, a apreensão imaginativa, sendo particular, é regulada pela racional, que é universal, assim como uma virtude activa particular é regulada pela virtude activa universal. E portanto, por este lado, o acto do apetite sensitivo está sujeito à razão, ao passo que não o está a qualidade e a disposição do corpo, e isto impede que o movimento do apetite sensitivo esteja totalmente sujeito ao império da razão. E pode mesmo acontecer que esse movimento se precipite, subitamente, provocado pela apreensão da imaginação ou do sentido, e então escapa ao império da razão embora esta pudesse preveni-lo se o previsse. E por isso o Filósofo diz que a razão governa o irascível e o concupiscível, não com poder despótico, como o senhor governa o escravo, mas com poder político ou real 4, como se dá com homens livres, que não estão sujeitos ao governo de modo absoluto.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Uma disposição do corpo, que impede o apetite sensitivo de submeter-se totalmente ao império da razão é que leva o homem a ceder à concupiscência, contra a sua vontade. E por isso o Apóstolo acrescenta, no mesmo lugar: Mas sinto nos meus membros outra lei que repugna à lei do meu espírito. Também o mesmo acontece por causa do movimento súbito da concupiscência, como já se disse.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― A disposição do corpo mantém dupla relação com o acto do apetite sensitivo. Ou ela é precedente, como quando alguém está disposto de certo modo, corporalmente, para tal ou tal paixão, ou é consequente, como quando alguém se exalta, estando encolerizado. Ora, a disposição precedente escapa ao império da razão porque procede da natureza ou de alguma moção precedente, que não pode ser acalmada imediatamente. A disposição consequente porém está sujeita a esse império porque depende do movimento local do coração, que se move diversamente segundo os diversos actos do apetite sensitivo.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― Para a apreensão do sentido sendo necessário o sensível externo, não está em nosso poder apreender nada, pelos sentidos, sem que o sensível esteja presente e essa presença dele, o homem pode usar do sentido como quiser, a menos que haja impedimento por parte do órgão. A apreensão imaginativa, porém, está a subordinada à razão, na medida em que a força ou fraqueza da imaginação o permite. Assim, se um homem não pode imaginar a concepção racional, isso provém ou de não serem imagináveis os seres concebidos, como os incorpóreos, ou da fraqueza da virtude imaginativa, proveniente de alguma indisposição orgânica.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.

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Notas:
1. Q. 105 a. 1.
2. De Nat. Hom., cap. XVI.
3. Q. 17, a. 5.
4. I Polit., lect. III.

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