09/03/2013

Tratado dos actos humanos 55


Questão 16: Do uso.

Art. 4 ― Se o uso precede a eleição.





O quarto discute-se assim. ― Parece que o uso precede a eleição.




1. ― Pois, à eleição segue-se somente a execução. Ora, o uso pertencendo à vontade, precede à execução. Logo, precede também à eleição.

2. Demais. ― O absoluto é anterior ao relativo portanto, o mesmo relativo é anterior ao mais relativo. Ora, a eleição implica duas relações: uma, a do meio escolhido com o fim, outra com o meio preferido. O uso, porém, implica uma relação só com o fim. Logo é anterior à eleição.

3. Demais. ― A vontade usa das outras potências, movendo-as. Ora, movendo-se também a si mesma, como já se disse 1, ela usa também de si, aplicando-se à acção. Ora, isto fá-lo quando consente. Logo, o uso está no próprio consentimento e, como este precede a eleição, conforme já se disse 2, também o uso a precede.

Mas, em contrário, diz Damasceno: a vontade, após a eleição, lança-se na acção e usa dela 3.

A vontade tem dupla relação com o objecto. Uma pela qual este está nela, de algum modo, em virtude de certa proporção ou ordem que há de uma para com o outro. Por isso se diz que as coisas naturalmente proporcionadas a um fim o desejam naturalmente. Porém, tal posse do fim é imperfeita e como todo o imperfeito tende para a perfeição, tanto o apetite natural como o voluntário tendem à posse real do fim, o que é possuí-lo perfeitamente. E esta é a segunda relação da vontade com o objecto. Ora, o objecto querido não é só o fim, mas também os meios e o último termo da primeira relação da vontade com estes é a eleição, na qual se completa a proporção da vontade, para que completamente queira os meios. Donde é manifesto que o uso se segue à eleição, tomando-se uso no sentido em que a vontade emprega a potência executiva, movendo-a. Como porém a vontade move de certo modo também a razão e usa dela, pode entender-se por uso dos meios a consideração da razão pela qual ela os refere ao fim. E neste sentido, o uso precede a eleição.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A moção pela qual a vontade leva à execução precede a própria execução é consecutiva porém à eleição. E assim, pertencendo o uso a essa moção da vontade, é meio-termo entre a eleição e a execução.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― O relativo por essência é posterior ao absoluto. Não é porém necessário que seja posterior o sujeito ao qual se atribuem as relações. Ao contrário, quanto mais prioridade tiver a causa, tanto mais relações terá com maior número de efeitos.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― A eleição precede o uso se ambos se referirem à mesma realidade. Mas nada impede que o uso de uma coisa preceda à eleição de outra. E como os actos da vontade se refletem sobre si próprios, em qualquer deles pode achar-se o consentimento, a eleição e o uso. Por exemplo, quando se diz que a vontade consente na sua eleição, consente no seu consentimento e usa de si para consentir e escolher. E sempre, desses actos, terão prioridade os que forem ordenados a algo de anterior.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.

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Notas:
1. Q. 9 a. 3.
2. Q. 15 a. 3 ad 3.
3. II Orth. Fid., cap. XXII.

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