06/03/2013

Tratado dos actos humanos 52


Questão 16: Do uso.


Em seguida devemos tratar do uso.

E sobre esta Questão quatro artigos se discutem:

Art. 1 ― Se usar é acto da vontade.
Art. 2 ― Se usar convém aos brutos.
Art. 3 ― Se o uso pode ter por objecto também o fim último.
Art. 4 ― Se o uso precede a eleição.

Art. 1 ― Se usar é acto da vontade.

(I Sent., dist. I, q. 1, a . 2).

O primeiro discute-se assim. ― Parece que usar não é acto da vontade.


1. ― Pois, como diz Agostinho, usar consiste em referir uma coisa à obtenção de outra 1. Ora, isto pertence à razão, à qual é próprio referir e ordenar. Logo, usar é acto da razão e não da vontade.

2. Demais. ― Damasceno diz: o homem, primeiro, move-se à operação e depois, usa 2. Ora, agir pertence à potência executiva, o acto da vontade, porém, não se segue ao da potência executiva, antes, a execução é que vem em último lugar. Logo, o uso não é acto da vontade.

3. Demais. ― Agostinho diz: Todas as coisas foram feitas para uso do homem, porque julgando, a razão, que lhe foi dada, usa de todas 3. Ora, julgar das coisas criadas por Deus, pertence à razão especulativa, que é totalmente distinta da vontade, princípio dos actos humanos. Logo, usar não é acto da vontade.

Mas, em contrário, diz Agostinho: Usar é servir-se de uma coisa ao alvitre da vontade 4.

O uso de uma coisa importa na aplicação dessa coisa a alguma operação e por isso se chama usar de uma coisa a operação à qual a aplicamos, assim cavalgar é usar do cavalo e bater é usar de um bastão. Ora, à operação, aplicamos não só os princípios internos de acção, a saber, as potências próprias da alma ou os membros do corpo ― p. ex., o intelecto, para inteligir e os olhos, para verem ― mas também as coisas exteriores, p. ex., o bastão para bater. Ora, é manifesto que não aplicamos a qualquer operação as coisas exteriores, senão por meio dos princípios intrínsecos, que são potências da alma, ou hábitos das potências, ou órgãos, que são membros do corpo. Como já se demonstrou 5 porém, a vontade é a que move aos seus actos as potências da alma e isso é aplicá-las à operação. Donde, é manifesto que usar, primária e principalmente, é próprio da vontade como primeiro motor da inteligência, porém como dirigente das outras potências, enfim, como executoras, que estão para a vontade, que as aplica à acção, como os instrumentos, para o agente principal. Propriamente, porém, a operação não se atribui ao instrumento mas ao agente principal, assim, a edificação atribui-se ao operário e não, aos instrumentos. Donde é manifesto que usar propriamente é acto da vontade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Sem dúvida a razão refere uma coisa à outra mas a vontade tende para essa coisa referida pela razão. E neste sentido, diz-se que usar é referir uma coisa à outra.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― Damasceno fala do uso enquanto pertence às potências executivas.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― A própria razão especulativa é aplicada pela vontade à operação do inteligir ou de julgar. E portanto, diz-se que o intelecto especulativo usa enquanto, como as outras potências executivas, é movido pela vontade.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.

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Notas:
1. I De doctr. Christ., cap. IV.
2. II Orth. Fid., cap. XXII.
3. LXXXIII Quaest., q. XXX.
4. X De Trinit., cap. XI.
5. Q. 9 a. 1.

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