Questão 10: Do modo pelo
qual a vontade é movida.
Em
seguida devemos tratar do modo pelo qual a vontade é movida.
E,
sobre esta Questão, quatro artigos se discutem:
Art.
1 ― Se a vontade é movida para alguma coisa, naturalmente.
Art.
2 ― Se a vontade é necessariamente movida pelo seu objecto.
Art.
3 ― Se a vontade é movida necessariamente pela paixão do apetite inferior.
Art.
4 — Se a vontade é necessariamente movida por Deus.
(I, q. 60 a . 1, 2, III Sent.,
dist. XXVII,
q. 1, a 2, De Verit,. Q. 22, a . 5, De Malo, q. 6, q. 16, a . 4, ad 5).
O
primeiro discute-se assim. ― Parece que a vontade não é movida naturalmente
para nada.
1.
― Pois, agente natural é uma divisão que se opõe a agente voluntário, como se
vê em Aristóteles 1. Logo, a vontade não é movida naturalmente para
nada.
2.
Demais. ― O natural a um ser é-lhe sempre inerente, assim, ao fogo, a calidez.
Ora, nenhum movimento é sempre inerente à vontade. Logo, nenhum movimento lhe é
natural.
3.
Demais. ― Ao passo que a natureza é determinada a um só termo, a vontade se
exerce entre termos opostos. Logo, nada quer naturalmente.
Mas,
em contrário, o movimento da vontade segue-se ao acto do intelecto. Ora, este
intelige certas coisas naturalmente. Logo, também a vontade quer naturalmente
certas coisas.
Como diz Boécio 2 e Aristóteles 3, a palavra natureza
tem muitas acepções. ― Ora significa o princípio intrínseco das coisas móveis e
então é matéria ou forma material, como se vê em Aristóteles 4.
Outras vezes significa qualquer substância ou qualquer ente e então diz-se
natural a um ser o que lhe convém substancialmente e lhe é, assim, inerente,
por si. E o que não existe, por si, em qualquer ser, reduz-se como ao seu
princípio desse modo existente. E portanto é forçoso que tomada a natureza
nesta acepção, o princípio, relativamente ao que convém ao ser, seja sempre
natural. O que se dá manifestamente com o intelecto, pois os princípios do
conhecimento intelectual são naturalmente conhecidos.
E
também de modo semelhante, é forçoso que o princípio dos movimentos voluntários
seja algo de naturalmente querido. Ora, isto é o bem em comum, para o qual a
vontade naturalmente tende, como qualquer potência tende para o seu objecto, e
também o fim último, que está para os apetecíveis como os primeiros princípios
das demonstrações, para os inteligíveis, e em geral, tudo o que convém ao ser
que quer, segundo a sua natureza. Pois, com a vontade apetecemos não só o que
pertence a tal potência, mas ainda o que pertence a cada uma das outras
potências e ao homem total. Donde, o homem quer naturalmente, não só o objecto
da vontade, mas também tudo o que convém às outras faculdades. Assim, o
conhecimento da verdade, conveniente ao intelecto, o existir, o viver e coisas
semelhantes, que respeitam à consistência natural, o que tudo se compreende no objecto
da vontade, como determinados bens particulares.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A vontade é uma divisão que se opõe à
natureza, do mesmo modo que uma causa se divide de outra, por oposição, pois,
certas coisas fazem-se naturalmente e outras, voluntariamente. Há porém outra
maneira de causar própria à vontade, senhora dos seus actos, além do modo
próprio à natureza, que é determinada a um termo. Como porém a vontade se funda
em alguma natureza, forçoso é que o modo próprio à natureza seja de certa
maneira participado pela vontade, assim, o que é próprio à causa anterior é
participado pela posterior. Ora, a existência, que é natural, em cada ser, é
anterior ao querer, que é voluntário, e, por isso a vontade quer certas coisas,
naturalmente.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― Às coisas naturais é-lhes inerente o que é natural, como
resultante só da forma, assim, a calidez, ao fogo. O que porém é natural como consequente
à matéria não é sempre inerente em acto, mas às vezes só em potência. Pois, ao
passo que a forma é acto, a matéria é potência. Ora, o movimento é o acto do
que existe em potência, como diz Aristóteles 5. Portanto, o que nas
coisas naturais pertence ao movimento, não lhes é sempre inerente, assim, o
fogo nem sempre se move para cima, mas às vezes sai fora do seu lugar. E
semelhantemente, não é necessário que a vontade, que passa da potência ao acto,
quando quer alguma coisa, queira sempre em acto, mas só quando está numa determinada
disposição. Ao passo que a vontade de Deus, acto puro, está sempre em acto de
querer.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― Corresponde sempre à natureza o que lhe é uno e proporcionado.
Assim, à natureza genérica o que é genericamente uno, à específica, o
especificamente uno, à individuada, o individualmente uno. Ora, sendo a vontade
como o intelecto, uma virtude imaterial, corresponde-lhe naturalmente um objecto
comum, o bem, assim como um objecto comum corresponde ao intelecto, que é a
verdade, o ser ou a quididade. Ora, o bem em comum abrange muitos bens
particulares, a nenhum dos quais a vontade é determinada.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
_____________________
Notas:
1. II Phys., lect. VIII.
2.
De duabus naturis, c. I.
3. V Metath., lect. V.
4. II Phys., lect. II.
5. III Phys., lect. II.
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