19/01/2013

Tratado dos actos humanos 7


Art. 6 ― Se o medo causa a involuntariedade absoluta.



(VI Sent., dist. XXIX, q. 1, a . 1, Quodi. V. q. 5, a 3, II Cor., cap. IX, Lect. 1, III Ethic., lect. I, II).



O sexto discute-se assim. ― Parece que o medo causa a involuntariedade absoluta.


1. ― Pois, assim como a violência é relativa ao que contraria presencialmente a vontade, assim o medo é relativo ao mal futuro, que a lhe repugna. Ora, a violência causa a involuntariedade absoluta. Logo, também o medo.

2. Demais. ― O que tem em si tal natureza, assim se conserva com o acréscimo seja do que for, p.ex., o quente em si permanece tal, unido seja ao que for. Ora, o que se faz por medo é em si involuntariedade. Logo, permanece tal, mesmo sobrevindo o medo.

3. Demais. ― O que tem natureza condicional tem-na relativamente, mas o que a tem sem nenhuma condição tem-na absolutamente. Assim o necessário condicional é relativo, porém o absolutamente necessário, é-o em si mesmo. Ora, o que se faz por medo é absolutamente involuntariedade, logo, não é absolutamente voluntariedade, logo, não é voluntariedade senão condicional, i. é, para se evitar o mal temido. Logo, o que se faz por medo é absolutamente involuntariedade.

Mas, em contrário, diz Gregório Nisseno (Nemésio) 1 e também o Filósofo 2, que as acções feitas por medo são mais voluntárias que involuntárias.

Como diz o Filósofo e Gregório Nisseno (Nemésio), as acções feitas por medo incluem um misto de voluntariedade e involuntariedade. Pois, consideradas em si, não há nelas voluntariedade, mas há a voluntariedade ocasional, i. é, o que evita o mal temido.

Mas, se bem se atentar, tais acções — voluntárias, absolutamente, e involuntárias, relativamente ― são mais voluntárias que involuntárias. Pois, considera-se absoluto o actual, e o existente só na apreensão não existe absoluta, mas relativamente. Ora, os inspirados no medo são actuais na medida em que são praticados. E como os actos dizem respeito ao singular, e este, como tal se realiza num determinado lugar e tempo, um acto praticado é actual por se realizar em tal lugar e tal tempo e sob as outras condições individuais. Assim, pois, o praticado por medo é voluntário, por se realizar em determinado lugar e tempo e como sendo, em determinado caso, impedimento a um maior mal, temido, p. ex., a queda de mercadorias ao mar torna-se voluntária em tempo de tempestade, pelo temor do perigo. Donde é manifesto, que é absolutamente voluntário e verifica-se portanto a essência do voluntário, por ser o seu princípio interior. Mas considerar-se, fora do caso figurado, o acto praticado por medo como repugnando à vontade, não o é senão em virtude de tal consideração. E portanto, é involuntariedade, relativamente, i. é, enquanto considerado como fora do caso vertente.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Acções feitas por medo e por violência diferem, não só quanto ao presente e ao futuro, mas ainda no seguinte. O praticado por violência é absolutamente contra o movimento da vontade, que não consente nisso, ao passo que o praticado por medo se torna voluntário porque tal movimento o visa não em si mesmo, mas por outra causa, i. é, para afastar o mal temido. Pois basta à essência da voluntariedade, que o seja por causa de outro fim, porque é voluntário não só o que é querido por si mesmo, como fim, mas também o querido por causa de outra coisa, como sendo o fim. Donde, como é claro, no feito por violência a vontade interior não age, mas age, no feito por medo. E, portanto, como diz Gregório Nisseno (Nemésio) 3, a definição de violento para excluir o feito por medo, não só se diz que violento é o que procede de princípio extrínseco, mas se acrescenta, sem que o paciente em nada contribua para tal, pois, no feito por medo em algo concorre a vontade de quem teme.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― O que tem designação absoluta, como o cálido e o branco, permanece como é, acrescentando-se seja o que for, mas o que a tem relativa, varia segundo respeita coisas diversas, assim, o grande comparado com uma coisa é pequeno comparado com outra. Ora, a voluntariedade é assim chamada não só em si mesma, como absolutamente, mas também por causa de outra coisa, como relativamente. E, portanto, nada impede seja voluntariedade no atinente a um acto, o que não o seria no atinente a outro.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― O praticado por medo é voluntariedade sem condição, i. é, enquanto actualmente feito, mas é involuntariedade condicionalmente, i. é, se tal medo não estivesse iminente. Donde, da objecção proposta antes se pode concluir o oposto.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. Lib. De Nat. Hom., cap. XXX.
2. Lib. III Ethic., lect. I, II.
3. Loc. Cit.

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