23/01/2013

Tratado dos actos humanos 11


Art. 2 ― Se as circunstâncias dos actos humanos devem ser consideradas pelo teólogo.






O segundo discute-se assim. ― Parece que as circunstâncias dos actos humanos não devem ser consideradas pelo teólogo.



1. ― Pois, os actos humanos não são considerados pelo teólogo senão enquanto qualificados, i. é, enquanto bons ou maus. Ora, as circunstâncias não podem qualificá-los, porque nenhuma coisa é qualificada, formalmente falando, pelo que lhe é exterior, senão pelo que nela existe. Logo, as circunstâncias dos actos não devem ser consideradas pelo teólogo.

2. Demais. ― As circunstâncias são acidentes dos actos. Ora, um mesmo acto tem infinitos acidentes, e por isso, como diz Aristóteles, nenhuma arte ou ciência, senão só a sofística, se ocupa com o ente acidental 1. Logo, o teólogo não tem que considerar as circunstâncias dos actos humanos.

3. Demais. ― Considerar as circunstâncias pertence ao retórico. Ora, a retórica não é parte da teologia. Logo, a consideração das circunstâncias não pertence ao teólogo.

Mas, em contrário. — A ignorância das circunstâncias causa a involuntariedade, como diz Damasceno 2 e Gregório Nisseno (Nemésio) 3. Ora, a involuntariedade escusa da culpa, cuja consideração incumbe ao teólogo. Logo, também a este incumbe a consideração das circunstâncias.

As circunstâncias pertencem à consideração do teólogo por tríplice razão. — A primeira é que o teólogo considera os actos humanos enquanto por eles o homem se ordena à bem-aventurança. Ora, tudo o que se ordena ao fim deve a este ser proporcionado. Ora, o acto é proporcionado ao fim por uma certa comensuração mediante as devidas circunstâncias. Donde, a consideração das circunstâncias pertence ao teólogo. ― A segunda é que o teólogo considera os actos humanos enquanto há neles bem e mal, melhor e pior, e isto diversifica-se pelas circunstâncias, como a seguir se verá. ― A terceira é que o teólogo considera os actos humanos, quanto à qualidade que têm de meritório ou demeritório e para o que é necessário, sejam voluntários. Ora, o acto humano é julgado voluntário ou involuntário, conforme o conhecimento ou ignorância das circunstâncias, como já se disse 4. E, portanto, a consideração das circunstâncias pertence ao teólogo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. ― O bem ordenado a um fim e que se chama útil importa numa relação, Donde, diz o Filósofo 5 que, no que é relativo, o bem é o útil. Ora, chama-se relativo não só o existente em outro ser, mas também o que é extrínseco, como bem se vê no que é direito e esquerdo, igual ou desigual e atribuições semelhantes. Donde, a bondade, existindo nos actos enquanto úteis ao fim, nada impede que sejam considerados bons ou maus enquanto proporcionados a algo extrínseco.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― Os acidentes que se comportam absolutamente como tais fogem a qualquer arte, pela sua incerteza e infinidade. Mas tais acidentes não desempenham a função de circunstâncias porque, como já disse, estas, embora exteriores ao acto, dizem-lhe contudo respeito de certo modo, como ordenadas que são para ele. Porém, os acidentes, em si, caem sob o domínio da arte.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― A consideração das circunstâncias pertence tanto ao moralista e ao político como ao retórico. ― Ao moralista, enquanto por elas se atinge ou não o meio termo da virtude, nos actos humanos e nas paixões. ― Ao político e ao retórico, porém, enquanto pelas circunstâncias os actos se tornam escusáveis ou acusáveis. De modo diverso, contudo, pois, ao passo que o retórico persuade, o político discerne. ― ao teólogo, enfim, a quem servem todas as outras artes, pertence considerá-las, de todos os modos referidos. Pois, com o moralista considera os actos virtuosos e viciosos, e com o retórico e o político os considera enquanto merecem pena ou prémio.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. VI Metaph., lect. II.
2. Lib. II Orthod. Fid., cap. XXIV.
3. Nemesius, lib. De natura hom., cap. XXXI.
4. Q. 6 a. 8.
5. I ethic., lect. VI.

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