12/01/2013

Tratado da bem-aventurança 37


Questão 5: Da consecução da bem-aventurança.


Art. 7 — Se são necessárias obras para que o homem alcance de Deus a bem-aventurança.


(I. q. 62, a . 4, Compend. Theol., cap. CLXXII).

O sétimo discute-se assim. — Parece que não são necessárias obras para que o homem alcance, de Deus, a bem-aventurança.



1. — Pois, Deus, agente de virtude infinita, não pre-exige, para agir, matéria ou disposição desta, mas pode produzir o todo, imediatamente. Ora, as obras do homem, não lhe sendo necessárias para a bem-aventurança, como causa eficiente, segundo se disse 1, só podem ser exigidas como disposições. Logo, Deus, que não pre-exige, no agir, disposições, confere a bem-aventurança sem obras precedentes.

2. Demais. — Como Deus é autor imediato da bem-aventurança, assim também institui a natureza imediatamente. Ora, na primeira instituição da natureza, produziu sem nenhuma disposição precedente ou acção da criatura, mas, imediatamente, fez cada ser perfeito na sua espécie. Logo confere a bem-aventurança ao homem sem quaisquer obras precedentes.

3. Demais. — A Escritura diz (Rm 4, 6) que é feliz o homem a quem Deus atribui a justiça sem obras. Logo, não são necessárias quaisquer obras, para que o homem alcance a bem-aventurança.

Mas, em contrário, diz a Escritura (Jo 13, 17): Se sabeis estas coisas, bem-aventurados sereis, se as praticardes. Logo, pela acção chega-se à bem-aventurança.

Como já se disse 2, necessariamente a bem-aventurança supõe a rectidão da vontade, que não é senão a ordem devida desta, relativamente ao último fim, e tão indispensável à consecução dele como a devida disposição da matéria à da forma. Mas por aí não se prova que qualquer obra do homem deve preceder-lhe a bem-aventurança. Pois Deus poderia fazer a vontade tender rectamente e, simultaneamente, alcançá-lo, como às vezes dispõe a matéria, e simultaneamente lhe confere a forma. Porém a ordem da divina sabedoria exige que tal não se faça. Pois, como diz Aristóteles, dos seres que naturalmente possuem o bem perfeito, uns o possuem sem movimento, outros, por um só movimento e outros, por muitos 3. Ora, possuir o bem perfeito, imutavelmente, é próprio daquele que naturalmente o possui e possuir naturalmente a bem-aventurança é próprio só de Deus. Donde, só de Deus é próprio não ser movido para a bem-aventurança por nenhuma obra precedente. E como a bem-aventurança excede toda a natureza criada, nenhuma simples criatura a alcança, convenientemente, sem o movimento do acto pelo qual tende para ela. O anjo, porém, superior ao homem na ordem, da natureza, a alcança por ordem da divina sabedoria, pelo só movimento da obra meritória, como se expôs na primeira parte 4. Ao passo que os homens a conseguem pelos movimentos múltiplos dos actos chamados méritos. Donde, também segundo o Filósofo, a bem-aventurança é o prémio das ações virtuosas 5.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A obra do homem é pre-exigida para a consecução da bem-aventurança, não por causa da insuficiência da divina virtude beatificante, mas para que seja conservada a ordem nas coisas.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Deus produziu as primeiras criaturas imediatamente perfeitas, sem nenhuma disposição ou operação precedente da criatura, porque assim instituiu os primeiros indivíduos das espécies para que, por eles a natureza se propagasse aos pósteros. E semelhantemente, logo desde o princípio da sua concepção, sem nenhuma obra meritória precedente, a alma de Cristo foi bem-aventurada porque dele, que é Deus e homem, a bem-aventurança devia derivar para os outros, conforme aquilo da Escritura (Heb 2, 10): que levou muitos filhos à glória. Mas isto é-lhe singular. Pois, às crianças baptizadas advém o mérito de Cristo, para alcançarem a bem-aventurança, embora lhe faltem méritos próprios, porque pelo baptismo se tornavam membros de Cristo.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O Apóstolo refere-se à bem-aventurança da esperança, que se alcança pela graça justificante e que, certo, não é dada por causa de obras precedentes. Pois, ela não tem natureza de termo do movimento, como a bem-aventurança, mas antes, é princípio do movimento pelo qual se tende à bem-aventurança.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
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Notas:
1. Q. 5, a. 6.
2. Q. 4 a. 4.
3. II De coelo.
4. Q. 62 a. 5.
5. I Ethic.

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