Questão 5: Da consecução
da bem-aventurança.
Art. 7 — Se são necessárias obras para que o homem alcance de Deus a bem-aventurança.
(I. q. 62, a . 4, Compend.
Theol., cap. CLXXII).
O
sétimo discute-se assim. — Parece que não são necessárias obras para que o
homem alcance, de Deus, a bem-aventurança.
1. — Pois, Deus, agente de virtude infinita, não pre-exige, para agir, matéria ou disposição desta, mas pode produzir o todo, imediatamente. Ora, as obras do homem, não lhe sendo necessárias para a bem-aventurança, como causa eficiente, segundo se disse 1, só podem ser exigidas como disposições. Logo, Deus, que não pre-exige, no agir, disposições, confere a bem-aventurança sem obras precedentes.
2.
Demais. — Como Deus é autor imediato da bem-aventurança, assim também institui
a natureza imediatamente. Ora, na primeira instituição da natureza, produziu
sem nenhuma disposição precedente ou acção da criatura, mas, imediatamente, fez
cada ser perfeito na sua espécie. Logo confere a bem-aventurança ao homem sem
quaisquer obras precedentes.
3.
Demais. — A Escritura diz (Rm 4, 6) que é feliz o homem a quem Deus atribui a
justiça sem obras. Logo, não são necessárias quaisquer obras, para que o homem
alcance a bem-aventurança.
Mas,
em contrário, diz a Escritura (Jo 13, 17): Se sabeis estas coisas,
bem-aventurados sereis, se as praticardes. Logo, pela acção chega-se à bem-aventurança.
Como já se disse 2, necessariamente a bem-aventurança supõe a rectidão
da vontade, que não é senão a ordem devida desta, relativamente ao último fim,
e tão indispensável à consecução dele como a devida disposição da matéria à da
forma. Mas por aí não se prova que qualquer obra do homem deve preceder-lhe a bem-aventurança.
Pois Deus poderia fazer a vontade tender rectamente e, simultaneamente,
alcançá-lo, como às vezes dispõe a matéria, e simultaneamente lhe confere a
forma. Porém a ordem da divina sabedoria exige que tal não se faça. Pois, como
diz Aristóteles, dos seres que naturalmente possuem o bem perfeito, uns o
possuem sem movimento, outros, por um só movimento e outros, por muitos 3.
Ora, possuir o bem perfeito, imutavelmente, é próprio daquele que naturalmente
o possui e possuir naturalmente a bem-aventurança é próprio só de Deus. Donde,
só de Deus é próprio não ser movido para a bem-aventurança por nenhuma obra
precedente. E como a bem-aventurança excede toda a natureza criada, nenhuma
simples criatura a alcança, convenientemente, sem o movimento do acto pelo qual
tende para ela. O anjo, porém, superior ao homem na ordem, da natureza, a
alcança por ordem da divina sabedoria, pelo só movimento da obra meritória,
como se expôs na primeira parte 4. Ao passo que os homens a
conseguem pelos movimentos múltiplos dos actos chamados méritos. Donde, também
segundo o Filósofo, a bem-aventurança é o prémio das ações virtuosas 5.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A obra do homem é pre-exigida para a
consecução da bem-aventurança, não por causa da insuficiência da divina virtude
beatificante, mas para que seja conservada a ordem nas coisas.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — Deus produziu as primeiras criaturas imediatamente perfeitas, sem
nenhuma disposição ou operação precedente da criatura, porque assim instituiu
os primeiros indivíduos das espécies para que, por eles a natureza se
propagasse aos pósteros. E semelhantemente, logo desde o princípio da sua
concepção, sem nenhuma obra meritória precedente, a alma de Cristo foi bem-aventurada
porque dele, que é Deus e homem, a bem-aventurança devia derivar para os
outros, conforme aquilo da Escritura (Heb 2, 10): que levou muitos filhos à
glória. Mas isto é-lhe singular. Pois, às crianças baptizadas advém o mérito de
Cristo, para alcançarem a bem-aventurança, embora lhe faltem méritos próprios,
porque pelo baptismo se tornavam membros de Cristo.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — O Apóstolo refere-se à bem-aventurança da esperança, que se
alcança pela graça justificante e que, certo, não é dada por causa de obras
precedentes. Pois, ela não tem natureza de termo do movimento, como a bem-aventurança,
mas antes, é princípio do movimento pelo qual se tende à bem-aventurança.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
____________________
Notas:
1.
Q. 5, a. 6.
2.
Q. 4 a. 4.
3.
II De coelo.
4.
Q. 62 a. 5.
5.
I Ethic.
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