07/01/2013

Tratado da bem-aventurança 31


Questão 5: Da consecução da bem-aventurança.


Art. 2 — Se um homem pode ser mais feliz que outro.



(IV Sent., dist. XLIX, q. 1, a . 4, q ª 2, In Matth., cap. XX, In Ioann, cap. XIV, lect. I, Cor., III, lect II).

O segundo discute-se assim. — Parece que um homem não pode ser mais feliz que outro.



1. — Pois, como diz o Filósofo, a bem-aventurança é o prémio da virtude 1. Ora, a todos é dada igual recompensa pelas obras da virtude, conforme a Escritura (Mt 20, 10), quando diz que todos os que trabalharam na vinha não receberam mais que um dinheiro cada um, porque, na expressão de Gregório, tiveram em quinhão uma igual retribuição da vida eterna. Logo, um não será mais feliz que outro.

2. Demais. — A bem-aventurança é o sumo bem. Mas nada pode ser maior do que o que é sumo. Logo, não pode haver uma bem-aventurança maior que a alcançada pelo homem.

3. Demais. — A bem-aventurança, sendo o bem perfeito e suficiente, aquieta o desejo do homem. Ora, esse desejo não se aquieta se faltar algum bem, que possa ser proporcionado, se porém não faltar nada do que possa sê-lo, não pode haver nenhum outro bem maior. Logo, ou o homem não é feliz, ou, se o é, não pode haver outra bem-aventurança maior.

Mas, em contrário, diz a Escritura (Jo 14, 2): Na casa de meu Pai há muitas moradas, pelas quais, como ensina Agostinho, se entendem as diversas dignidades dos méritos, na vida eterna 2. Ora, a dignidade da vida eterna, dada ao mérito, é a própria bem-aventurança. Logo, há diversos graus de bem-aventurança e esta não é igual para todos.

Duas coisas se incluem na essência da bem-aventurança: o fim último, em si, que é o sumo bem, e a obtenção ou gozo desse bem. – Ora, quanto ao bem em si, que é o objecto da bem-aventurança e a causa, não pode uma bem-aventurança ser maior que outra, porque só há um sumo bem, que é Deus, por cuja fruição os homens são felizes. — Mas quanto à obtenção ou gozo de tal bem, pode uma ser maior que outra, porque mais feliz será quem mais fruir desse bem. Ora, pode dar-se que um goze mais perfeitamente de Deus, que outro, por ser mais bem disposto ou ordenado a tal gozo. E a esta luz, pode um ser mais feliz que outro.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A unidade do dinheiro significa a unidade da bem-aventurança, quanto ao objecto, enquanto a diversidade das moradas significa a diversidade da bem-aventurança, quanto ao grau diverso da fruição.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A bem-aventurança é chamada o sumo bem por ser a posse perfeita ou a fruição do sumo bem.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Nenhum bem-aventurado tem qualquer bem a desejar, porque possui o bem infinito, em si, que é o bem de todo bem, como diz Agostinho . Mas se diz que um é mais feliz que outro, quanto à diversa participação do mesmo bem. — A adição porém dos outros bens não aumenta a bem-aventurança, Donde, diz Agostinho: Quem te conheceu a ti e a outros bens, não é mais feliz, por estes, mas só por ti é feliz 4.

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Notas:
1. I Ethic.
2. In Ioann. 14, 2, tract. 67.
3. Enarr. In Psalm., os. 134, 3.
4. V Confess.

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