Questão 5: Da consecução
da bem-aventurança.
Em
seguida devemos, tratar da própria consecução da bem-aventurança. E sobre esta
Questão discutem-se oito artigos:
Art.
1 — Se o homem pode alcançar a bem-aventurança.
Art.
2 — Se um homem pode ser mais feliz que outro.
Art.
3 — Se a bem-aventurança pode ser obtida nesta vida.
Art.
4 — Se a bem-aventurança pode ser perdida.
Art.
5 — Se o homem pelas suas faculdades naturais pode alcançar a bem-aventurança.
Art.
6 — Se o homem pode tornar-se feliz por obra de uma criatura superior, o anjo.
Art.
7 — Se são necessárias obras para que o homem alcance de Deus a bem-aventurança.
Art.
8 — Se todos desejam a bem-aventurança.
Art. 1 — Se o homem pode
alcançar a bem-aventurança.
O
primeiro discute-se assim. — Parece que o homem não pode alcançar a bem-aventurança.
1. — Pois, assim como a natureza racional é superior à sensível, assim a intelectual o é à racional, como se vê claramente em muitos lugares de Dionísio 1. Ora, os brutos, dotados só da natureza sensível, não podem alcançar o fim da natureza racional. Logo, nem o homem de natureza racional, pode alcançar o fim da natureza intelectual, que é a bem-aventurança.
2.
Demais. — A verdadeira bem-aventurança consiste na visão de Deus, que é a
verdade pura. Ora, é conatural ao homem descobrir a verdade na ordem natural,
por isso é que intelige, nos fantasmas, as espécies inteligíveis, como diz
Aristóteles 2. Logo, não pode alcançar a bem-aventurança.
3.
Demais. — A bem-aventurança consiste na obtenção do sumo bem. Mas ninguém pode
chegar ao que é sumo sem passar pelos meios. Ora, como entre Deus e a natureza
humana a natureza Angélica é média, que o homem não pode ultrapassar, resulta
que não pode alcançar a bem-aventurança.
Mas,
em contrário, diz a Escritura (Sl 93, 12): Bem-aventurado o homem a quem tu
instruíres, Senhor.
Bem-aventurança significa obtenção do bem perfeito. Logo, quem quer que seja
capaz de tal bem pode alcançá-la. Ora, como o seu intelecto pode apreender o
bem universal e perfeito, e a sua vontade apetecê-lo, conclui-se que o homem é
capaz do bem perfeito. E portanto, pode alcançar a bem-aventurança. — E o mesmo
também se conclui de ser ele capaz da visão da divina essência, como já se
estabeleceu na primeira parte 3. Ora, dissemos que, nessa visão,
consiste a sua perfeita bem-aventurança 4.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — A natureza racional excede de modo diferente a
sensitiva e a intelectual. Pois, a racional excede a sensitiva quanto ao objecto
do conhecimento, porque o sentido de nenhum modo pode, ao contrário da razão,
conhecer o universal. Porém a natureza intelectual excede a racional quanto ao
modo de conhecer a verdade inteligível, pois aquela apreende imediatamente a
verdade, que a natureza racional alcança pela perquirição da razão, como
resulta claro do já dito na primeira parte 5. Donde, como a razão
pode, movendo-se, alcançar aquilo que o intelecto apreende, conclui-se que a
natureza racional pode alcançar a bem-aventurança, que é a perfeição da
natureza intelectual, embora de modo diferente do angélico. Pois os anjos conseguiram-na
imediatamente desde o princípio da sua condição, ao passo que os homens chegam a
ela após certo tempo, enquanto que a natureza sensitiva de nenhum modo pode
alcançar tal fim.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — Ao homem, no estado de vida presente, é conatural o modo de
conhecer a verdade inteligível por meio dos fantasmas, mas, passada esta vida,
tem outro modo conatural, como já se disse na primeira parte 6.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — O homem não pode exceder os anjos pelo grau de natureza e de modo
que lhes seja naturalmente superior. Pode-o contudo pela actividade do
intelecto, inteligindo que existe algo de superior aos anjos, que o beatifica,
e que quando o alcançar perfeitamente, será perfeitamente feliz.
___________________
Notas:
1. De div. nom.
2. III De Anima.
3. Q. 12 a. 1.
4. Q. 3 a. 8.
5. Q. 58 a. 3, q. 79 a. 8.
6. Q.
84 a. 7, q. 89 a. 1.
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