16/12/2012

Tratado da bem-aventurança 12


Questão 2: Em que consiste a bem-aventurança do homem.

Art. 4 — Se a bem-aventurança do homem consiste no poder.



(III Cont.Gent., cap. XXXI, Compend. Theol., part. II. cap. IX, De Regina. Princip., lib. I cap. VIII, In Matth., cap. V).

O quarto discute-se assim. — Parece que a bem-aventurança consiste no poder.


1. — Pois, todos os seres desejam assimilar-se a Deus, último fim e princípio primeiro. Ora, os homens que têm o poder, consideram-se, pela semelhança deste, semelhantes a Deus em máximo grau, por isso, são chamados deuses na Escritura (Ex 22, 28): Não falarás mal dos deuses. Logo, a bem-aventurança consiste no poder.

2. Demais. — A bem-aventurança é o bem perfeito. Ora, perfeitíssimo é que o homem também possa governar os outros, o que convém aos constituídos no poder. Logo, a bem-aventurança consiste no poder.

3. Demais. — A bem-aventurança sendo soberanamente desejável opõe-se ao que se deve sobretudo evitar. Ora, os homens evitam sobretudo a servidão, à qual se contrapõe o poder. Logo, a bem-aventurança consiste no poder.

Mas, em contrário. — A bem-aventurança é o bem perfeito. Ora, o poder é soberanamente imperfeito. Pois, como diz Boécio, o poder humano não pode excluir as apreensões dos cuidados nem evitar o aguilhão dos temores. E ainda: Julgas poderoso o que é rodeado de satélites e que mais teme aqueles que aterroriza? Logo, a bem-aventurança não consiste no poder.

É impossível a bem-aventurança consistir no poder, por duas razões. — Primeiro, porque o poder exerce a função de princípio, como se vê claro em Aristóteles, a bem-aventurança, porém, de fim último. — Segundo, porque o poder tanto se refere ao bem como ao mal, ao passo que a bem-aventurança é o bem perfeito e próprio do homem. Donde, uma bem-aventurança poderia consistir, mais, no bom uso do poder, que supõe a virtude, do que no próprio poder.

Por fim, podem ser aduzidas quatro razões gerais para mostrar que em nenhum dos sobreditos bem exteriores pode consistir a bem-aventurança.

E a primeira é que, sendo a bem-aventurança o sumo bem do homem, não se compadece com nenhum mal, ora, todos os bens pre-enumerados podem-se encontrar tanto nos bons como nos maus.

A segunda razão é que, sendo da essência da bem-aventurança bastar-se a si mesma, como se vê em Aristóteles, é necessário que, uma vez alcançada não falte nenhum bem necessário ao homem. Ora, obtido cada um dos bens, referidos até aqui, podem ainda faltar muitos outros necessários ao homem, como a sabedoria, a saúde do corpo e outros.

A terceira é a seguinte. Sendo a bem-aventurança o bem perfeito, dela não pode provir nenhum mal para ninguém. Ora, isso não se dá com os referidos bens, pois como diz a Escritura (Ecle 5, 12), as riquezas às vezes conservam-se para mal de seu dono, e o mesmo se dá com as outras três espécies de bens.

A quarta razão é a seguinte. O homem ordenando-se à bem-aventurança naturalmente, ordena-se por princípios interiores, ora, os quatro bens aludidos provêm, antes, de causas exteriores e, muitas vezes, da fortuna, donde vem o serem chamados bens da fortuna.

Donde é claro que a bem-aventurança neles consiste de nenhum modo.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O poder divino é idêntico à sua bondade, e por isso não pode usar senão bem desta. Ora, tal não se dá com os homens. Donde, não basta, para a bem-aventurança, que o homem se assemelhe com Deus pelo poder, se também não se lhe assemelhar pela bondade.

RESPOSTA Á SEGUNDA. — Assim como é óptimo alguém usar bem do poder, no governo do povo, assim é péssimo usar mal, de modo que o poder tanto pode ser usado para o bem como para o mal.

RESPOSTA À TERCEIRA. — A servidão é um impedimento para o bom uso do poder, e por isso os homens naturalmente, lhe fogem, mas daí não se deduz seja o poder o sumo bem do homem.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.

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