13/12/2012

Tratado da bem-aventurança 09


Questão 2: Em que consiste a bem-aventurança do homem.


Em seguida devemos tratar da bem-aventurança. Primeiro, no que consiste. Segundo, o que é. Terceiro, como podemos alcançá-la.

Sobre o primeiro ponto, oito artigos se discutem:

Art. 1 — Se a bem-aventurança do homem consiste nas riquezas.
Art. 2 — Se a bem-aventurança do homem consiste na honra.
Art. 3 — Se a felicidade do homem consiste na glória.
Art. 4 — Se a bem-aventurança do homem consiste no poder.
Art. 5 — Se a bem-aventurança do homem consiste nos bens do corpo.
Art. 6 — Se a bem-aventurança do homem consiste no prazer.
Art. 7 — Se a bem-aventurança do homem consiste em algum bem da alma.
Art. 8 — Se a bem-aventurança do homem consiste em algum bem criado.


Art. 1 — Se a bem-aventurança do homem consiste nas riquezas.

(III Cont. Gent., cap. XXX, I Ethic., lect. V).

O primeiro discute-se assim. — Parece que a bem-aventurança do homem consiste nas riquezas.

1. — Pois, sendo a bem-aventurança o fim último do homem, há-de consistir no que soberanamente lhe atrai o desejo. — Ora, tais são as riquezas, como diz a Escritura (Ecle 10, 19): Todas as coisas obedecem ao dinheiro. Logo, nelas consiste a bem-aventurança do homem.

2. Demais. — Segundo Boécio, a bem-aventurança é o estado perfeito, pela reunião de todos os bens. Ora, com o dinheiro pode obter-se tudo, pois a moeda foi inventada, no dizer do Filósofo, para ser como a fiança com a qual o homem consiga tudo quanto quiser. Logo, a bem-aventurança consiste nas riquezas.

3. Demais. — O desejo do sumo bem nunca sendo vão, há-de ser infinito. Ora, isto soberanamente dá-se como o dinheiro, pois, como diz a Escritura (Ecle 5, 9), o avarento jamais se fartará de dinheiro. Logo, a bem-aventurança consiste nas riquezas.

Mas, em contrário. — O bem do homem consiste, antes em conservar do que em dissipar a bem-aventurança. Ora, como diz Boécio, as riquezas brilham mais gastas do que acumuladas: pois, a avareza sempre faz os odiosos e a liberalidade, os gloriosos. Logo, a bem-aventurança não consiste nas riquezas.

É impossível a bem-aventurança do homem consistir nas riquezas. Ora, há duas espécies delas, como diz o Filósofo: as naturais e as artificiais. Aquelas são as que o homem busca para satisfazer suas necessidades naturais, como a comida e a bebida, os vestuários, os transportes, a habitação e outras semelhantes. Estas são as que não provêm da natureza, em si mesmas, como o dinheiro, mas que a arte humana inventou para facilitar as trocas e são como a medida das coisas venais.

Ora, é claro que a bem-aventurança do homem não pode consistir nas riquezas naturais. Pois, buscando-as para outro fim, a saber, o sustento da sua vida, não lhe podem constituir o fim último, antes, para ele se ordenam como fim delas. Donde, na ordem da natureza, todas essas coisas são inferiores ao homem e para ele feitas, conforme a Escritura (Sl 8, 7): Todas as coisas sujeitaste debaixo de seus pés.

Quanto às riquezas artificiais, não são buscadas senão por causa das naturais, pois, não o seriam se com elas não se comprassem as coisas necessárias ao uso da vida. Logo, com maior razão, não podem desempenhar o papel de fim último.
Donde, é impossível a bem-aventurança, último fim do homem consistir nas riquezas.

DONDE A RESPOSTA A PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Todas as coisas corpóreas obedecem ao dinheiro, para o sem número de estultos que só conhecem os bens materiais, susceptíveis de serem adquiridos com o dinheiro. Ora, o juízo sobre os bens humanos não devemos procura-lo entre os estultos, mas entre os sábios, assim como o juízo sobre o sabor devemos aprendê-lo como os que têm o gosto são.

RESPOSTA À SEGUNDA. — Com dinheiro podem adquirir-se todos os bens venais, não porém os espirituais, não susceptíveis de venda. Por isso, diz a Escritura (Pr 17, 16): De que serve ao insensato o ter grandes riquezas, se não pode comprar com elas a sabedoria?

RESPOSTA À TERCEIRA. — O desejo das riquezas naturais não é infinito, porque bastam à natureza numa certa medida. Mas é-o o das artificiais porque serve à concupiscência desordenada, que se não altera, como se vê claramente no Filósofo. Porém, diferem o desejo infinito das riquezas e o desejo do sumo bem. Pois, quanto mais perfeitamente possuído o sumo bem, tanto mais é amado e tanto mais se desprezam as outras coisas, porque, quanto mais possuído, mais conhecido, donde o dito da Escritura (Ecl 24, 29): Aqueles que me comem terão ainda fome. E o contrário acontece com o desejo das riquezas e de quaisquer bens temporais, que quando já possuídos, são desprezados, sendo outros os desejados, como se exprime a Escritura (Jo 4, 13), quando o Senhor diz: Todo aquele que bebe desta água — como o que se designam os bens temporais — tornará a ter sede. E isso por ser a insuficiência deles mais conhecida quando possuídos. Donde, isso mesmo põe-lhes a nu a imperfeição e o não poder consistir neles o sumo bem.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.

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