Questão 2: Em que consiste
a bem-aventurança do homem.
Em
seguida devemos tratar da bem-aventurança. Primeiro, no que consiste. Segundo,
o que é. Terceiro, como podemos alcançá-la.
Sobre
o primeiro ponto, oito artigos se discutem:
Art.
1 — Se a bem-aventurança do homem consiste nas riquezas.
Art.
2 — Se a bem-aventurança do homem consiste na honra.
Art.
3 — Se a felicidade do homem consiste na glória.
Art.
4 — Se a bem-aventurança do homem consiste no poder.
Art.
5 — Se a bem-aventurança do homem consiste nos bens do corpo.
Art.
6 — Se a bem-aventurança do homem consiste no prazer.
Art.
7 — Se a bem-aventurança do homem consiste em algum bem da alma.
Art.
8 — Se a bem-aventurança do homem consiste em algum bem criado.
(III Cont. Gent., cap. XXX, I
Ethic., lect. V).
O
primeiro discute-se assim. — Parece que a bem-aventurança do homem consiste nas
riquezas.
1.
— Pois, sendo a bem-aventurança o fim último do homem, há-de consistir no que
soberanamente lhe atrai o desejo. — Ora, tais são as riquezas, como diz a
Escritura (Ecle 10, 19): Todas as coisas obedecem ao dinheiro. Logo, nelas
consiste a bem-aventurança do homem.
2.
Demais. — Segundo Boécio, a bem-aventurança é o estado perfeito, pela reunião
de todos os bens. Ora, com o dinheiro pode obter-se tudo, pois a moeda foi
inventada, no dizer do Filósofo, para ser como a fiança com a qual o homem
consiga tudo quanto quiser. Logo, a bem-aventurança consiste nas riquezas.
3.
Demais. — O desejo do sumo bem nunca sendo vão, há-de ser infinito. Ora, isto
soberanamente dá-se como o dinheiro, pois, como diz a Escritura (Ecle 5, 9), o
avarento jamais se fartará de dinheiro. Logo, a bem-aventurança consiste nas
riquezas.
Mas,
em contrário. — O bem do homem consiste, antes em conservar do que em dissipar
a bem-aventurança. Ora, como diz Boécio, as riquezas brilham mais gastas do que
acumuladas: pois, a avareza sempre faz os odiosos e a liberalidade, os
gloriosos. Logo, a bem-aventurança não consiste nas riquezas.
É impossível a bem-aventurança do homem consistir nas riquezas. Ora, há duas
espécies delas, como diz o Filósofo: as naturais e as artificiais. Aquelas são
as que o homem busca para satisfazer suas necessidades naturais, como a comida
e a bebida, os vestuários, os transportes, a habitação e outras semelhantes.
Estas são as que não provêm da natureza, em si mesmas, como o dinheiro, mas que
a arte humana inventou para facilitar as trocas e são como a medida das coisas
venais.
Ora,
é claro que a bem-aventurança do homem não pode consistir nas riquezas
naturais. Pois, buscando-as para outro fim, a saber, o sustento da sua vida,
não lhe podem constituir o fim último, antes, para ele se ordenam como fim
delas. Donde, na ordem da natureza, todas essas coisas são inferiores ao homem
e para ele feitas, conforme a Escritura (Sl 8, 7): Todas as coisas sujeitaste
debaixo de seus pés.
Quanto
às riquezas artificiais, não são buscadas senão por causa das naturais, pois,
não o seriam se com elas não se comprassem as coisas necessárias ao uso da
vida. Logo, com maior razão, não podem desempenhar o papel de fim último.
Donde,
é impossível a bem-aventurança, último fim do homem consistir nas riquezas.
DONDE
A RESPOSTA A PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Todas as coisas corpóreas obedecem ao
dinheiro, para o sem número de estultos que só conhecem os bens materiais,
susceptíveis de serem adquiridos com o dinheiro. Ora, o juízo sobre os bens
humanos não devemos procura-lo entre os estultos, mas entre os sábios, assim
como o juízo sobre o sabor devemos aprendê-lo como os que têm o gosto são.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — Com dinheiro podem adquirir-se todos os bens venais, não porém os
espirituais, não susceptíveis de venda. Por isso, diz a Escritura (Pr 17, 16):
De que serve ao insensato o ter grandes riquezas, se não pode comprar com elas a
sabedoria?
RESPOSTA
À TERCEIRA. — O desejo das riquezas naturais não é infinito, porque bastam à
natureza numa certa medida. Mas é-o o das artificiais porque serve à
concupiscência desordenada, que se não altera, como se vê claramente no
Filósofo. Porém, diferem o desejo infinito das riquezas e o desejo do sumo bem.
Pois, quanto mais perfeitamente possuído o sumo bem, tanto mais é amado e tanto
mais se desprezam as outras coisas, porque, quanto mais possuído, mais
conhecido, donde o dito da Escritura (Ecl 24, 29): Aqueles que me comem terão
ainda fome. E o contrário acontece com o desejo das riquezas e de quaisquer
bens temporais, que quando já possuídos, são desprezados, sendo outros os
desejados, como se exprime a Escritura (Jo 4, 13), quando o Senhor diz: Todo
aquele que bebe desta água — como o que se designam os bens temporais — tornará
a ter sede. E isso por ser a insuficiência deles mais conhecida quando
possuídos. Donde, isso mesmo põe-lhes a nu a imperfeição e o não poder
consistir neles o sumo bem.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
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