O
homem e a fé. Procuremos adentrar-nos neste vasto horizonte. A nossa será
apenas uma breve navegação num oceano de mil rotas. «Em Deus descobrem-se
sempre novos mares quanto mais se navega», afirmava frei Luis de León, escritor
místico espanhol contemporâneo de Santa Teresa d’Ávila e S. João da Cruz.
Orientar-nos-emos para o coração da fé cristã que é não só o «grande código» da
civilização ocidental (sem ela, por exemplo, não existiria a “Divina Comédia”)
mas é a alma da nossa espiritualidade e está indubitavelmente na raiz do mais
alto e amplo sistema teológico e ideológico elaborado pela humanidade.
A
fé é a primeira do tríptico das chamadas «virtudes teologais». Este adjectivo remete-nos obviamente para Deus, no sentido subjectivo (a fé é a virtude dada
pelo próprio Deus, infundida por ele, alimentada, sustentada, provada e
joeirada) e em sentido objectivo (é a virtude que tem por objecto Deus, o seu
mistério, a sua palavra e a sua obra). É, em todo o caso, à luz da revelação e
da razão que nós nela nos adentrarmos, procedendo segundo um ritmo binário que
não é dialético e antitético, mas harmonioso, de contraponto, de dueto. (...) Avançaremos
(...) por duplas temáticas. A primeira, fundamental, é a que une fé e graça.
São duas estrelas que constituem o coração da constelação do crer. Acende-se em
primeiro lugar a graça, chàris no grego de S. Paulo, o nosso maior ponto de
referência neste itinerário. O vocábulo, que permaneceu nos nossos «caro,
carícia, caridade» ou no inglês «charm» e no francês «charme», expressa amor,
fascínio, esplendor. É o aparecimento de Deus na noite da alma; ele não é um
imperador impassível relegado ao céu dourado da sua transcendência. «Está à
porta e bate», como diz o Apocalipse (3, 20), rasga a nossa solidão,
colocando-se antes de todos na estrada da história, tecendo um diálogo que é
antes de tudo uma revelação do seu ser e da sua vida, dos seus pensamentos e
dos seus projectos. Escreve Paulo: «Isaías atreve-se, mesmo, a dizer: [Eu, o
Senhor] Deixei-me encontrar pelos que não me procuravam, manifestei-me aos que
não perguntavam por mim» (Romanos 10, 20; Isaías 65, 1). No
princípio é, então, o amor divino que interpela o homem. É este o sentido do
brado final do Diário de um pároco de aldeia (1936) de Georges Bernanos: «Tudo
é graça!».
armindo dos santos vaz, ocd, Semana de
Espiritualidade 2012, Avessadas, © SNPC | 11.10.12
Card.
gianfranco ravasi, Presidente do
Pontifício Conselho para a Cultura, In L'Osservatore Romano (26.7.2012), © SNPC
(trad.) | 11.10.12
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