Questão 115: Da acção da
criatura corpórea.
Em
seguida deve-se tratar da acção da criatura corpórea, e do destino atribuído a
certos corpos.
Sobre
as acções corpóreas seis artigos se discutem:
Art.
1 — Se há algum corpo activo.
Art.
2 — Se na matéria corpórea há razões seminais.
Art.
3 — Se os corpos celestes são a causa do que é feito neste mundo, nos corpos
inferiores.
Art.
4 — Se os corpos celestes são causa dos actos humanos.
Art.
5 — Se os corpos celestes podem causar impressões sobre os demónios.
Art.
6 — Se os corpos celestes impõem necessidade ao que lhes está sujeito à acção.
Art. 1 — Se há algum corpo
activo.
(III Cont. Gent., cap. LXIX,
De Verit., q. 5, a. 9 ad. 4, De Pot., q. 4, a. 7)
O
primeiro discute-se assim. — Parece que não há nenhum corpo activo.
1.
— Pois, diz Agostinho, há seres que são feitos e não agem, como os corpos, há
um ser que é agente e não feito, que é Deus, e há outros, agentes e feitos, que
são as substâncias espirituais.
2.
Demais. — Todos os agentes, excepto o primeiro, necessitam, para agir, de um
sujeito, sobre o qual lhes recaia a acção. Ora, abaixo da substância corpórea
não há substância que seja susceptível de tal acção, porque essa substância
está no último grau dos seres. Logo, a substância corpórea não é activa.
3.
Demais. — Toda substância corpórea tem quantidade. Ora, a quantidade impede o
movimento e a acção da substância, porque a compreende e está como imersa nesta,
assim como o ar nebuloso fica impedido de receber a luz. E prova disto é que,
quanto maior for a quantidade do corpo, tanto mais este será pesado e grave ao
mover-se. Logo, nenhuma substância corpórea é activa.
4.
Demais. — Todo agente recebe a sua virtude activa da proximidade do ser activo
primeiro. Ora, os corpos compostos, em máximo grau, são os mais afastados do
ser abaixo primeiro, que é simplicíssimo. Logo, nenhum corpo é agente.
5.
Demais. — O corpo, que for agente, háde agir, pela forma substancial ou pela
acidental. Ora, hão-de por aquela, porque os corpos não têm nenhum princípio de
acção, a não ser as qualidades activas, que são acidentais, e o acidente não
pode ser causa da forma substancial, porque a causa é superior ao efeito. Nem,
semelhantemente, pela forma acidental, porque o acidente não alcança além do
seu sujeito, como diz Agostinho. Logo, nenhum corpo é activo.
Mas,
em contrário, diz Dionísio que, entre as outras propriedades do fogo corpóreo,
está a manifestação da sua grandeza, como activo e poderoso, em relação às
matérias dela susceptíveis.
É sensível que certos corpos são activos. Mas há três opiniões erradas, relativamente
às acções dos corpos.
Assim,
para uns os corpos são totalmente privados de acção. E esta é a opinião de
Avicebrão, na obra A Fonte da vida, em que aduz razões, esforçando-se por
provar que nenhum corpo age, sendo todas as acções, que parecem deles, as de
alguma virtude espiritual, que os penetra a todos. Segundo tal opinião, pois,
não é o fogo que aquece, mas uma virtude espiritual, que penetra, por meio
dele. E essa opinião considera-se derivada da de Platão, que ensina serem todas
as formas da matéria corpórea participadas, determinadas e realizadas numa
particular matéria, ao passo que as formas separadas são absolutas e como que
universais. E por isso considera essas formas separadas como causas das formas
existentes na matéria. Por onde, sendo a forma da matéria corpórea de terminada
a uma certa matéria, individuada pela quantidade, esta mesma quantidade, ensina
Avicebrão, como princípio de individuação, retém e impede a forma corpórea,
para que não possa agir sobre outra matéria. E só a forma espiritual e
imaterial, não coarctada pela quantidade, pode influir sobre outra, pela sua acção.
Esta
opinião porém não conclui que a forma corpórea não é agente, mas que não é
agente universal. Pois, na medida em que uma coisa é participada, nessa mesma
há-de necessariamente ser participado o que a essa coisa é próprio, assim, na
medida em que um ser participa da luz, nessa mesma participa da visibilidade.
Ora, agir, que não é mais do que actualizar alguma coisa, é em si próprio do acto,
como acto, e, por isso todo agente age de modo semelhante a si. Por onde, a
forma não determinada pela matéria quantificada é agente indeterminado e
universal, sendo porém determinada a uma certa matéria particular, é agente
determinado e particular. E assim se a forma do fogo fosse separada, como
querem os Platónicos, seria de certo modo a causa de toda ignição. Porém a
forma do fogo, existente numa determinada matéria corpórea, é a causa de uma
determinada ignição, procedente de tal corpo para tal outro, sendo por isso que
esse acto se realiza pelo contacto dos dois corpos.
Mas
esta opinião de Avicebrão sobre-excede a de Platão. Pois, este ensina que só as
formas substanciais são separadas, e reduz as acidentais aos princípios
materiais da grandeza e da pequenez, que considera como os primeiros contrários,
do mesmo modo que outros consideram tais a rarefacção e a densidade. Por onde,
tanto Platão como Avicena, que em algo o segue, admitem que os agentes corpóreos
agem pelas formas acidentais, dispondo a matéria para a forma substancial, ao
passo que a perfeição última, que se realiza pela união com a forma
substancial, procede de um princípio imaterial.
E
esta é a segunda opinião sobre a acção dos corpos, à qual se aludiu antes,
quando se tratou da criação.
A
terceira opinião, enfim, é a de Demócrito, ensinando que a acção resulta do
eflúvio dos átomos, do corpo agente, e a paixão, do recebimento destes nos
poros do corpo paciente. Esta opinião é refutada por Aristóteles, pois dela
resultaria que o corpo não seria passivo, na sua totalidade, e que a quantidade
do corpo agente diminuiria pela acção, consequências manifestamente falsas.
Logo,
deve concluir-se que um corpo age, como actual, sobre outro corpo, como
potencial.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — O dito de Agostinho pode ser concedido, como
referente a toda a natureza corpórea, simultaneamente considerada, que não tem
nenhuma natureza inferior sobre que actue, como a natureza espiritual age sobre
a corpórea e a incriada, sobre a criada. Porém o corpo que é potencial em relação
a outro, no que tem este de actual, é-lhe inferior.
DONDE
SE DEDUZ CLARA A RESPOSTA À SEGUNDA OBJECÇÃO. — Deve contudo saber-se que é
admissível o argumento seguinte de Avicebrão: Há um motor não movido, e é esse
o autor primeiro das causas, logo, por oposição, há algo que é somente movido e
paciente, que é a matéria-prima, potência pura, como Deus é o acto puro. O
corpo, porém, sendo composto de potência e acto, é agente e paciente.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — A quantidade não priva, de nenhum modo, a forma corpórea, da acção,
como já se disse, mas impede-a de ser agente universal, porque a forma é
individuada pela matéria sujeita à quantidade. Não vem a ponto, porém, a prova
deduzida do peso dos corpos. Primeiro, porque a quantidade adicionada não é a
causa da gravidade, como o prova Aristóteles. Segundo, por ser falso que o peso
torna o movimento mais lento, antes, quanto mais um corpo é pesado, tanto mais
se move com movimento próprio. Terceiro, porque a acção não se realiza pelo
movimento local, como ensina Demócrito, mas pela passagem da potência para o acto.
RESPOSTA
À QUARTA. — O corpo não é o que dista de Deus, em máximo grau, pois, participa
algo da semelhança do ser divino, pela forma que tem. Mas é a matéria-prima o
que há de mais distante de Deus, a qual, sendo somente potencial, de nenhum
modo é agente.
RESPOSTA
À QUINTA. — O corpo age tanto pela forma acidental como pela substancial.
Assim, a qualidade activa, como o calor, embora seja acidente, age contudo em
virtude da forma substancial, como instrumento desta, e portanto pode agir como
forma substancial. Assim, o calor natural, enquanto instrumento da alma, age
para a geração da carne. Como acidente porém age por virtude própria. Nem é
contra a essência do acidente o exceder o seu sujeito, pela acção, mas sim,
pela existência, a menos talvez que alguém imagine que um acidente,
numericamente o mesmo, deflua do agente para o paciente, no sentido de
Demócrito, que ensina que a acção se realiza pelo eflúvio dos átomos.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama
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