26/11/2012

Tratado sobre a conservação e o governo das coisas 65


Questão 117: Do que respeita à acção do homem

Em seguida deve-se tratar do que respeita à acção do homem, composto de criatura espi­ritual e corpórea. E primeiro deve-se tratar da acção do homem. Segundo, da propagação da espécie humana.

Sobre a primeira questão quatro artigos se discutem:
Art. 1 — Se um homem pode ensinar a outro.
Art. 2 — Se os homens podem ensinar os anjos.
Art. 3 — Se o homem, por virtude da alma, pode imutar a matéria corpórea.
Art. 4 — Se a alma humana separada pode mover os corpos, ao menos localmente.


Art. 1 — Se um homem pode ensinar a outro.

(II Sent., dist. IX, a. 2, ad 4, dist. XXVIII, a. 5. ad. 3, II Cont. Gent., cap. LXXV, De Verit., q. II a. I, Opusc. XVI, De Unit. Intell., cap. V).

O primeiro discute-se assim. — Parece que um homem não pode ensinar a outro.

1. — Pois, diz o Senhor, no Evangelho: Não queirais ser chamados mestres, ao que a Glossa de Jerónimo: Para que não atribuais aos homens a honra divina. Portanto, ser mestre é propriamente honra divina. Ora, ensinar é próprio do mestre. Logo, o homem não pode ensinar, mas só de Deus isso é próprio.

2. Demais. — Um homem ensina causando, pela sua ciência, a ciência de outro. Ora, é por uma qualidade activa que fazemos o que nos é semelhante. Donde se segue que a ciência é uma qualidade activa, como o calor.

3. Demais. — A ciência requer o lume inteligível e a espécie da coisa inteligida. Ora, nada disto um homem pode causar em outro. Logo, não pode, ensinando, causar a ciência de outro.

4. Demais. — O mestre age sobre o discípulo somente propondo-lhe certos sinais vocais ou gestos, para exprimir alguma causa. Ora, por sinais ninguém pode ensinar, causando em outro a ciência, pois, esses sinais são de coisas conhecidas ou desconhecidas. Se de conhecidas, aquele a quem são feitos já possui a ciência e, logo, não a recebe do mestre. Se de desconhecidas, tais sinais nada ensinam, assim, se alguém propusesse, a um latino palavras gregas, cujo significado este ignora, não poderia ensiná-lo. Logo, ninguém pode, ensinando, causar a ciência em outrem.

Mas, em contrário, diz o Apóstolo: Eu fui constituído pregador e Apóstolo, doutor das gentes na fé e na verdade.

Sobre este assunto são várias as opiniões. — Assim, Averróis ensina que há um só intelecto possível para todos os homens, como já se disse, donde resulta que todos têm a mesma espécie inteligível. E então, diz que um homem, ensinando, não causa em outro ciência diversa da que tem, mas comunica-lhe a mesma que tem, movendo-o a ordenar os fantasmas da sua alma, para que se disponham convenientemente à apreensão inteligível. E tal opinião é verdadeira, quanto a ser a ciência do mestre igual à do discípulo, considerando-se a identidade relativamente à unidade da coisa sabida, pois, a mesma verdade conhecem discípulo e mestre. Mas, como já se viu, é falsa essa opinião quando ensina que todos os homens têm o mesmo intelecto possível, e as mesmas espécies inteligíveis só diferentes pela diversidade dos fantasmas.

Outra é a opinião dos Platónicos, para os quais a ciência é ínsita, desde o princípio, nas nossas almas, por participação das formas separadas, como já se disse, mas a alma, pela união com o corpo, fica impedida de considerar livremente aquilo de que tem ciência. E segundo esta opinião, o discípulo não recebe de novo, a ciência, do mestre, mas este exercita-o na consideração daquilo de que já tem ciência, e então aprender não é mais do que lembrar-se. Do mesmo modo, ensinam que os agentes naturais só dispõem para o recebimento das formas, que a matéria corpórea adquire por participação das espécies separadas. Mas, contra esta opinião já se estabeleceu antes, de conformidade também com Aristóteles, que o intelecto possível da alma humana é potência pura, relativamente aos inteligíveis. E, portanto, deve, diferentemente e conforme Aristóteles, dizer-se que o mestre causa a ciência no discípulo, conduzindo-o da potência ao acto. O que se evidencia considerando que, dos efeitos provenientes de um princípio exterior, uns procedem somente desse princípio, assim, a forma da casa é causada na matéria só pela arte. Outras po­rém procedem, ora de princípio exterior, ora, de interior, assim, a saúde é causada no enfer­mo, ora por um princípio exterior, a saber, a arte médica, ora, por um princípio interior, como quando alguém sara por virtude da natureza. Ora, em tais efeitos, a duas coisas se devem atender. Primeiro, que a arte, na sua operação, imita a natureza, pois, assim como esta cura um enfermo, alterando, digerindo e expulsando a matéria que causa a doença, assim também a arte. Segundo, o princípio exterior, que é a arte, não opera como agente principal, mas como coadjutor deste, que é o princípio interno, reforçando-o e ministrando-lhe os instrumentos e auxílios, de que se sirva a natureza para produzir o efeito, assim, o médico reforça a natureza e lhe fornece os alimentos e remédios de que ela necessita para o fim a que tende. Ora, o homem adquire a ciência pelo princípio interno, como bem se vê naquele que a adquire por invenção própria, e pelo externo, como claramente o mostra quem aprende. Pois, é ínsito em cada homem um certo princípio de ciência, a saber, a luz do intelecto agente, pelo qual conhece, logo, inicial e naturalmente, certos princípios universais de todas as ciências. Por onde, quando alguém aplica esses princípios universais a casos particulares, dos quais o sentido lhe ministram a memória e a experiência, adquire, por invenção própria, a ciência do que ignorava, partindo do conhecido para o desconhecido. E assim, qualquer docente conduz o discípulo, do que este conhece, para o que ignora, conforme Aristóteles, que diz, que toda doutrina e toda disciplina parte do conhecimento preexistente. Ora, o mestre conduz o discípulo, do conhecido ao desconhecido, de dois modos. Primeiro, ministrando-lhe certos auxílios ou instrumentos de que use o intelecto, para adquirir a ciência, assim, quando lhe propõe certas proposições menos universais, das quais entretanto o discípulo, pelo que sabe, pode julgar. Ou quando lhe propõe certos exemplos sensíveis — semelhantes, opostos, ou outros — pelos quais o intelecto do discente é levado ao conhecimento da verdade desconhecida. De outro modo, reforçando o intelecto do discente, não por qualquer virtude activa, como de natureza superior conforme já se disse quando se tratou da iluminação angélica — pois, todos os intelectos humanos são do mesmo grau, na ordem da natureza, mas, propondo a ordem dos princípios, relativamente às conclusões, ao discípulo, que talvez não tenha tal virtude reflexiva, que possa, daqueles, deduzir estas. E, por isso, diz Aristóteles, que a demonstração é um silogismo, que faz saber, e assim, quem demonstra faz o ouvinte saber.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Como já se disse, o mestre, ensinando, usa somente do ministério externo, como o médico, curando, mas assim como a natureza interior é a causa principal do sarar, assim o lume interior do intelecto é a causa principal da ciência. E ambas essas coisas vêm de Deus. Por onde, assim como a Escritura diz de Deus — que sara todas as tuas enfermidades — assim, também diz — que ensina ao homem a ciência, enquanto o lume do seu rosto está gravado sobre nós, pelo qual todas as coisas nos são ensinadas.

RESPOSTA À SEGUNDA. — O mestre não causa a ciência no discípulo, ao modo de agente na­tural, como objecta Averróis, por onde, não é necessário que a ciência seja uma qualidade activa. Mas é o princípio pelo qual quem ensina se dirige, assim como a arte e o princípio pelo qual se dirige quem opera.

RESPOSTA À TERCEIRA. — O mestre não causa o lume inteligível no discípulo, nem directamente as espécies inteligíveis, mas, com a sua doutrina, move-o a que forme, pelo intelecto, os conceitos inteligíveis, cujos sinais o mestre lhe propõe exteriormente.

RESPOSTA À QUARTA. — Os sinais que o mestre apresenta ao discípulo, são de coisas conhecidas, universal e como confusamente, mas desconhecidas em particular e como distintamente. Por onde, não se pode dizer que quem adquire a ciência por si mesmo a si mesmo se ensine, ou seja mestre de si, porque não tem preexistente a ciência completa, como se exige para mestre.

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.

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