Questão 117: Do que
respeita à acção do homem
Em
seguida deve-se tratar do que respeita à acção do homem, composto de criatura
espiritual e corpórea. E primeiro deve-se tratar da acção do homem. Segundo, da
propagação da espécie humana.
Sobre
a primeira questão quatro artigos se discutem:
Art.
1 — Se um homem pode ensinar a outro.
Art.
2 — Se os homens podem ensinar os anjos.
Art.
3 — Se o homem, por virtude da alma, pode imutar a matéria corpórea.
Art.
4 — Se a alma humana separada pode mover os corpos, ao menos localmente.
(II Sent., dist. IX, a. 2, ad 4,
dist. XXVIII, a. 5. ad. 3, II Cont. Gent., cap. LXXV, De Verit., q. II a. I,
Opusc. XVI, De Unit. Intell., cap. V).
O
primeiro discute-se assim. — Parece que um homem não pode ensinar a outro.
1.
— Pois, diz o Senhor, no Evangelho: Não queirais ser chamados mestres, ao que a
Glossa de Jerónimo: Para que não atribuais aos homens a honra divina. Portanto,
ser mestre é propriamente honra divina. Ora, ensinar é próprio do mestre. Logo,
o homem não pode ensinar, mas só de Deus isso é próprio.
2.
Demais. — Um homem ensina causando, pela sua ciência, a ciência de outro. Ora,
é por uma qualidade activa que fazemos o que nos é semelhante. Donde se segue
que a ciência é uma qualidade activa, como o calor.
3.
Demais. — A ciência requer o lume inteligível e a espécie da coisa inteligida.
Ora, nada disto um homem pode causar em outro. Logo, não pode, ensinando,
causar a ciência de outro.
4.
Demais. — O mestre age sobre o discípulo somente propondo-lhe certos sinais
vocais ou gestos, para exprimir alguma causa. Ora, por sinais ninguém pode
ensinar, causando em outro a ciência, pois, esses sinais são de coisas
conhecidas ou desconhecidas. Se de conhecidas, aquele a quem são feitos já
possui a ciência e, logo, não a recebe do mestre. Se de desconhecidas, tais
sinais nada ensinam, assim, se alguém propusesse, a um latino palavras gregas,
cujo significado este ignora, não poderia ensiná-lo. Logo, ninguém pode,
ensinando, causar a ciência em outrem.
Mas,
em contrário, diz o Apóstolo: Eu fui constituído pregador e Apóstolo, doutor
das gentes na fé e na verdade.
Sobre este assunto são várias as opiniões. — Assim, Averróis ensina que há um
só intelecto possível para todos os homens, como já se disse, donde resulta que
todos têm a mesma espécie inteligível. E então, diz que um homem, ensinando,
não causa em outro ciência diversa da que tem, mas comunica-lhe a mesma que
tem, movendo-o a ordenar os fantasmas da sua alma, para que se disponham
convenientemente à apreensão inteligível. E tal opinião é verdadeira, quanto a
ser a ciência do mestre igual à do discípulo, considerando-se a identidade
relativamente à unidade da coisa sabida, pois, a mesma verdade conhecem discípulo
e mestre. Mas, como já se viu, é falsa essa opinião quando ensina que todos os
homens têm o mesmo intelecto possível, e as mesmas espécies inteligíveis só
diferentes pela diversidade dos fantasmas.
Outra
é a opinião dos Platónicos, para os quais a ciência é ínsita, desde o
princípio, nas nossas almas, por participação das formas separadas, como já se
disse, mas a alma, pela união com o corpo, fica impedida de considerar livremente
aquilo de que tem ciência. E segundo esta opinião, o discípulo não recebe de
novo, a ciência, do mestre, mas este exercita-o na consideração daquilo de que
já tem ciência, e então aprender não é mais do que lembrar-se. Do mesmo modo,
ensinam que os agentes naturais só dispõem para o recebimento das formas, que a
matéria corpórea adquire por participação das espécies separadas. Mas, contra
esta opinião já se estabeleceu antes, de conformidade também com Aristóteles,
que o intelecto possível da alma humana é potência pura, relativamente aos
inteligíveis. E, portanto, deve, diferentemente e conforme Aristóteles, dizer-se
que o mestre causa a ciência no discípulo, conduzindo-o da potência ao acto. O
que se evidencia considerando que, dos efeitos provenientes de um princípio
exterior, uns procedem somente desse princípio, assim, a forma da casa é
causada na matéria só pela arte. Outras porém procedem, ora de princípio
exterior, ora, de interior, assim, a saúde é causada no enfermo, ora por um
princípio exterior, a saber, a arte médica, ora, por um princípio interior,
como quando alguém sara por virtude da natureza. Ora, em tais efeitos, a duas
coisas se devem atender. Primeiro, que a arte, na sua operação, imita a natureza,
pois, assim como esta cura um enfermo, alterando, digerindo e expulsando a
matéria que causa a doença, assim também a arte. Segundo, o princípio exterior,
que é a arte, não opera como agente principal, mas como coadjutor deste, que é
o princípio interno, reforçando-o e ministrando-lhe os instrumentos e auxílios,
de que se sirva a natureza para produzir o efeito, assim, o médico reforça a
natureza e lhe fornece os alimentos e remédios de que ela necessita para o fim
a que tende. Ora, o homem adquire a ciência pelo princípio interno, como bem se
vê naquele que a adquire por invenção própria, e pelo externo, como claramente
o mostra quem aprende. Pois, é ínsito em cada homem um certo princípio de
ciência, a saber, a luz do intelecto agente, pelo qual conhece, logo, inicial e
naturalmente, certos princípios universais de todas as ciências. Por onde, quando
alguém aplica esses princípios universais a casos particulares, dos quais o
sentido lhe ministram a memória e a experiência, adquire, por invenção própria,
a ciência do que ignorava, partindo do conhecido para o desconhecido. E assim,
qualquer docente conduz o discípulo, do que este conhece, para o que ignora,
conforme Aristóteles, que diz, que toda doutrina e toda disciplina parte do
conhecimento preexistente. Ora, o mestre conduz o discípulo, do conhecido ao desconhecido,
de dois modos. Primeiro, ministrando-lhe certos auxílios ou instrumentos de que
use o intelecto, para adquirir a ciência, assim, quando lhe propõe certas
proposições menos universais, das quais entretanto o discípulo, pelo que sabe,
pode julgar. Ou quando lhe propõe certos exemplos sensíveis — semelhantes,
opostos, ou outros — pelos quais o intelecto do discente é levado ao conhecimento
da verdade desconhecida. De outro modo, reforçando o intelecto do discente, não
por qualquer virtude activa, como de natureza superior conforme já se disse
quando se tratou da iluminação angélica — pois, todos os intelectos humanos são
do mesmo grau, na ordem da natureza, mas, propondo a ordem dos princípios,
relativamente às conclusões, ao discípulo, que talvez não tenha tal virtude reflexiva,
que possa, daqueles, deduzir estas. E, por isso, diz Aristóteles, que a
demonstração é um silogismo, que faz saber, e assim, quem demonstra faz o
ouvinte saber.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJECÇÃO. — Como já se disse, o mestre, ensinando, usa somente
do ministério externo, como o médico, curando, mas assim como a natureza
interior é a causa principal do sarar, assim o lume interior do intelecto é a
causa principal da ciência. E ambas essas coisas vêm de Deus. Por onde, assim
como a Escritura diz de Deus — que sara todas as tuas enfermidades — assim,
também diz — que ensina ao homem a ciência, enquanto o lume do seu rosto está
gravado sobre nós, pelo qual todas as coisas nos são ensinadas.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — O mestre não causa a ciência no discípulo, ao modo de agente
natural, como objecta Averróis, por onde, não é necessário que a ciência seja
uma qualidade activa. Mas é o princípio pelo qual quem ensina se dirige, assim
como a arte e o princípio pelo qual se dirige quem opera.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — O mestre não causa o lume inteligível no discípulo, nem
directamente as espécies inteligíveis, mas, com a sua doutrina, move-o a que
forme, pelo intelecto, os conceitos inteligíveis, cujos sinais o mestre lhe
propõe exteriormente.
RESPOSTA
À QUARTA. — Os sinais que o mestre apresenta ao discípulo, são de coisas conhecidas,
universal e como confusamente, mas desconhecidas em particular e como
distintamente. Por onde, não se pode dizer que quem adquire a ciência por si
mesmo a si mesmo se ensine, ou seja mestre de si, porque não tem preexistente a
ciência completa, como se exige para mestre.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama.
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