13/11/2012

Leitura espirtiual para 13 Nov 2012


Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemariaCaminho 116)


Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.


Para ver, clicar SFF.

Evangelho: Jo 11, 1-20


1 Estava doente um homem, chamado Lázaro, de Betânia, aldeia de Maria e de Marta, sua irmã. 2 Maria era aquela que ungiu o Senhor com perfume e Lhe enxugou os pés com os seus cabelos, cujo irmão Lázaro estava doente. 3 Mandaram, pois, suas irmãs dizer a Jesus: «Senhor, aquele que amas está doente». 4 Ouvindo isto, Jesus disse: «Esta doença não é de morte, mas é para glória de Deus, a fim de que o Filho de Deus seja glorificado por ela». 5 Ora Jesus amava Marta, sua irmã Maria e Lázaro. 6 Tendo, pois, ouvido que Lázaro estava doente, ficou ainda dois dias no lugar onde Se encontrava. 7 Depois disto, disse aos Seus discípulos: «Voltemos para a Judeia». 8 Os discípulos disseram-Lhe: «Mestre, ainda há pouco os judeus Te quiseram apedrejar, e Tu vais novamente para lá?». 9 Jesus respondeu: «Não são doze as horas do dia? Aquele que caminhar de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo; 10 porém, o que andar de noite tropeça, porque lhe falta a luz». 11 Assim falou, e depois disse-lhes: «Nosso amigo Lázaro dorme; mas vou despertá-lo». 12 Os Seus discípulos disseram-Lhe: «Senhor, se ele dorme, também se há-de levantar». 13 Mas Jesus falava da sua morte; e eles julgavam que falava do repouso do sono. 14 Jesus disse-lhes então claramente: «Lázaro morreu, 15 e Eu, por vossa causa, estou contente por não ter estado lá, para que acrediteis; mas vamos ter com ele». 16 Tomé, chamado Dídimo, disse então aos outros discípulos: «Vamos nós também, para morrer com Ele». 17 Chegou Jesus, e encontrou-o já há quatro dias no sepulcro. 18 Betânia distava de Jerusalém cerca de quinze estádios. 19 Muitos judeus tinham ido ter com Marta e Maria, para as consolarem pela morte de seu irmão. 20 Marta, pois, logo que ouviu que vinha Jesus, saiu-Lhe ao encontro; e Maria ficou sentada em casa.




EXORTAÇÃO APOSTÓLICA PÓS-SINODAL
VERBUM DOMINI
DO SANTO PADRE
BENTO XVI
AO EPISCOPADO, AO CLERO
ÀS PESSOAS CONSAGRADAS E AOS FIÉIS LEIGOS
SOBRE
A PALAVRA DE DEUS
NA VIDA E NA MISSÃO DA IGREJA


INTRODUÇÃO


1. A palavra do senhor permanece eternamente. E esta é a palavra do Evangelho que vos foi anunciada» (1 Pd 1, 25; cf. Is 40, 8). Com esta citação da Primeira Carta de São Pedro, que retoma as palavras do profeta Isaías, vemo-nos colocados diante do mistério de Deus que Se comunica a Si mesmo por meio do dom da sua Palavra. Esta Palavra, que permanece eternamente, entrou no tempo. Deus pronunciou a sua Palavra eterna de modo humano; o seu Verbo «fez-Se carne» (Jo 1, 14). Esta é a boa nova. Este é o anúncio que atravessa os séculos, tendo chegado até aos nossos dias. A XII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, que se efectuou no Vaticano de 5 a 26 de Outubro de 2008, teve como tema A Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja. Foi uma experiência profunda de encontro com Cristo, Verbo do Pai, que está presente onde dois ou três se encontram reunidos em seu nome (cf. Mt 18, 20). Com esta Exortação apostólica pós-sinodal, acolho de bom grado o pedido que me fizeram os Padres de dar a conhecer a todo o Povo de Deus a riqueza surgida naquela reunião vaticana e as indicações emanadas do trabalho comum. [1] Nesta linha, pretendo retomar tudo o que foi elaborado pelo Sínodo, tendo em conta os documentos apresentados: os Lineamenta, o Instrumentum laboris, os Relatórios ante e post disceptationem e os textos das intervenções, tanto os que foram lidos na sala como os apresentados in scriptis, os Relatórios dos Círculos Menores e os seus debates, a Mensagem final ao Povo de Deus e sobretudo algumas propostas específicas (Propositiones), que os Padres  consideraram de particular relevância. Desejo assim indicar algumas linhas fundamentais para uma redescoberta, na vida da Igreja, da Palavra divina, fonte de constante renovação, com a esperança de que a mesma se torne cada vez mais o coração de toda a actividade eclesial.

Para que a nossa alegria seja perfeita

2. Quero, antes de mais nada, recordar a beleza e o fascínio do renovado encontro com o Senhor Jesus que se experimentou nos dias da assembleia sinodal. Por isso, fazendo-me eco dos Padres, dirijo-me a todos os fiéis com as palavras de São João na sua primeira carta: «Nós vos anunciamos a vida eterna, que estava no Pai e que nos foi manifestada – o que vimos e ouvimos, isso vos anunciamos, para que também vós tenhais comunhão connosco. Quanto à nossa comunhão, ela é com o Pai e com seu Filho Jesus Cristo» (1 Jo 1, 2-3). O Apóstolo fala-nos de ouvir, ver, tocar e contemplar (cf. 1 Jo 1, 1) o Verbo da Vida, já que a Vida mesma se manifestou em Cristo. E nós, chamados à comunhão com Deus e entre nós, devemos ser anunciadores deste dom. Nesta perspectiva querigmática, a assembleia sinodal foi um testemunho para a Igreja e para o mundo de como é belo o encontro com a Palavra de Deus na comunhão eclesial. Portanto, exorto todos os fiéis a redescobrirem o encontro pessoal e comunitário com Cristo, Verbo da Vida que Se tornou visível, a fazerem-se seus anunciadores para que o dom da vida divina, a comunhão, se dilate cada vez mais pelo mundo inteiro. Com efeito, participar na vida de Deus, Trindade de Amor, é a alegria completa (cf. 1 Jo 1, 4). E é dom e dever imprescindível da Igreja comunicar a alegria que deriva do encontro com a Pessoa de Cristo, Palavra de Deus presente no meio de nós. Num mundo que frequentemente sente Deus como supérfluo ou alheio, confessamos como Pedro que só Ele tem «palavras de vida eterna» (Jo 6, 68). Não existe prioridade maior do que esta: reabrir ao homem actual o acesso a Deus, a Deus que fala e nos comunica o seu amor para que tenhamos vida em abundância (cf.Jo 10, 10).

Da «Dei Verbum» ao Sínodo sobre a Palavra de Deus

3. Com a XII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos sobre a Palavra de Deus, estamos conscientes de nos termos debruçado de certo modo sobre o próprio coração da vida cristã, dando continuidade à assembleia sinodal anterior sobre a Eucaristia como fonte e ápice da vida e da missão da Igreja. De facto, a Igreja funda-se sobre a Palavra de Deus, nasce e vive dela. [2] Ao longo de todos os séculos da sua história, o Povo de Deus encontrou sempre nela a sua força, e também hoje a comunidade eclesial cresce na escuta, na celebração e no estudo da Palavra de Deus. Há que reconhecer que, nas últimas décadas, a vida eclesial aumentou a sua sensibilidade relativamente a este tema, com particular referência à Revelação cristã, à Tradição viva e à Sagrada Escritura. Pode-se afirmar que, a partir do pontificado do Papa Leão XIII, houve um crescendo de intervenções visando suscitar maior consciência da importância da Palavra de Deus e dos estudos bíblicos na vida da Igreja, [3] que teve o seu ponto culminante no Concílio Vaticano II, de modo especial com a promulgação da Constituição dogmática sobre a Revelação divina Dei Verbum. Esta representa um marco miliário no caminho da Igreja. «Os Padres Sinodais (…) reconhecem, com ânimo agradecido, os grandes benefícios que este documento trouxe à vida da Igreja a nível exegético, teológico, espiritual, pastoral e ecuménico». [4] De modo particular cresceu, nestes anos, a consciência do «horizonte trinitário e histórico-salvífico da Revelação» [5] em que se deve reconhecer Jesus Cristo como «o mediador e a plenitude de toda a Revelação». [6] A Igreja confessa, incessantemente, a cada geração que Ele, «com toda a sua presença e manifestação da sua pessoa, com palavras e obras, sinais e milagres, e sobretudo com a sua morte e gloriosa ressurreição e, enfim, com o envio do Espírito de verdade, completa totalmente e confirma com o testemunho divino a Revelação». [7]
É de conhecimento geral o grande impulso dado pela Constituição dogmática Dei Verbum à redescoberta da Palavra de Deus na vida da Igreja, à reflexão teológica sobre a Revelação divina e ao estudo da Sagrada Escritura. E numerosas foram também as intervenções do Magistério eclesial sobre estas matérias nos últimos quarenta anos. [8] A Igreja, ciente da continuidade do seu próprio caminho sob a guia do Espírito Santo, com a celebração deste Sínodo sentiu-se chamada a aprofundar ainda mais o tema da Palavra divina, seja para verificar a realização das indicações conciliares seja para enfrentar os novos desafios que o tempo presente coloca a quem acredita em Cristo.

O Sínodo dos Bispos sobre a Palavra de Deus

4. Na XII Assembleia sinodal, Pastores vindos de todo o mundo congregaram-se ao redor da Palavra de Deus, colocando simbolicamente no centro da Assembleia o texto da Bíblia, para redescobrirem algo que nos arriscamos de dar por adquirido no dia-a-dia: o facto de que Deus fale e responda às nossas perguntas. [9] Juntos escutámos e celebrámos a Palavra do Senhor. Narrámos uns aos outros aquilo que o Senhor está a realizar no Povo de Deus, partilhando esperanças e preocupações. Tudo isto nos tornou conscientes de que só podemos aprofundar a nossa relação com a Palavra de Deus dentro do «nós» da Igreja, na escuta e no acolhimento recíproco. Daqui nasce a gratidão pelos testemunhos sobre a vida eclesial nas diversas partes do mundo, surgidos nas várias intervenções feitas na sala. Ao mesmo tempo foi comovedor também ouvir os Delegados Fraternos, que aceitaram o convite para participar no encontro sinodal. Penso de modo particular na meditação que nos ofereceu Sua Santidade Bartolomeu I, Patriarca Ecuménico de Constantinopla, pela qual os Padres sinodais exprimiram profunda gratidão. [10] Além disso, pela primeira vez, o Sínodo dos Bispos quis convidar também um Rabino, que nos deu um testemunho precioso sobre as Sagradas Escrituras judaicas; estas são precisamente uma parte das nossas Sagradas Escrituras. [11]
Pudemos assim constatar, com alegria e gratidão, que «na Igreja há um Pentecostes também hoje, ou seja, que ela fala em muitas línguas; e isto não só no sentido externo de estarem nela representadas todas as grandes línguas do mundo mas também, e mais profundamente, no sentido de que nela estão presentes os variados modos da experiência de Deus e do mundo, a riqueza das culturas, e só assim se manifesta a vastidão da existência humana e, a partir dela, a vastidão da Palavra de Deus». [12] Além disso, pudemos constatar também um Pentecostes ainda a caminho; vários povos aguardam ainda que seja anunciada a Palavra de Deus na sua própria língua e cultura.
Como não recordar também que, durante todo o Sínodo, nos acompanhou o testemunho do Apóstolo Paulo? De facto, foi providencial que a XII Assembleia Geral Ordinária se tenha realizado precisamente dentro do ano dedicado à figura do grande Apóstolo das Nações, por ocasião do bimilenário do seu nascimento. A sua existência caracterizou-se completamente pelo zelo em difundir a Palavra de Deus. Como não sentir vibrar no nosso coração as palavras com que se referia à sua missão de anunciador da Palavra divina: «Faço tudo por causa do Evangelho» (1 Cor 9, 23); «pois eu – escreve na Carta aos Romanos – não me envergonho do Evangelho, o qual é poder de Deus para salvação de todo o crente» (1, 16)?! Quando reflectimos sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja, não podemos deixar de pensar em São Paulo e na sua vida entregue à difusão do anúncio da salvação de Cristo a todos os povos.

O Prólogo do Evangelho de João por guia

5. Desejo, através desta Exortação apostólica, que as conclusões do Sínodo influam eficazmente sobre a vida da Igreja: sobre a relação pessoal com as Sagradas Escrituras, sobre a sua interpretação na liturgia e na catequese bem como na investigação científica, para que a Bíblia não permaneça uma Palavra do passado, mas uma Palavra viva e actual. Com este objectivo, pretendo apresentar e aprofundar os resultados do Sínodo, tomando por referência constante o Prólogo do Evangelho de João (Jo 1, 1-18), que nos dá a conhecer o fundamento da nossa vida: o Verbo, que desde o princípio está junto de Deus, fez-Se carne e veio habitar entre nós (cf. Jo 1, 14). Trata-se de um texto admirável, que dá uma síntese de toda a fé cristã. A partir da sua experiência pessoal do encontro e seguimento de Cristo, João, que a tradição identifica com «o discípulo que Jesus amava» (Jo 13, 23; 20, 2; 21, 7.20), «chegou a esta certeza íntima: Jesus é a Sabedoria de Deus encarnada, é a sua Palavra eterna feita homem mortal». [13] Aquele que «viu e acreditou» (Jo 20, 8) nos ajude também a apoiar a cabeça sobre o peito de Cristo (cf. Jo 13, 25), donde brotou sangue e água (cf. Jo 19, 34), símbolos dos Sacramentos da Igreja. Seguindo o exemplo do Apóstolo João e dos outros autores inspirados, deixemo-nos guiar pelo Espírito Santo para podermos amar cada vez mais a Palavra de Deus.

I PARTE 

VERBUM  DEI

«No princípio já existia o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus (…) e o Verbo fez-Se carne» (Jo 1, 1.14)

O DEUS QUE FALA

Deus em diálogo

6. A novidade da revelação bíblica consiste no facto de Deus Se dar a conhecer no diálogo, que deseja ter connosco. [14] A Constituição dogmática Dei Verbum tinha exposto esta realidade, reconhecendo que «Deus invisível na riqueza do seu amor fala aos homens como a amigos e convive com eles, para os convidar e admitir à comunhão com Ele». [15] Mas ainda não teríamos compreendido suficientemente a mensagem do Prólogo de São João, se nos detivéssemos na constatação de que Deus Se comunica amorosamente a nós. Na realidade, o Verbo de Deus, por meio do Qual «tudo começou a existir» (Jo 1, 3) e que Se «fez carne» (Jo 1, 14), é o mesmo que já existia «no princípio» (Jo 1, 1). Se aqui podemos descobrir uma alusão ao início do livro do Génesis (cf. Gn 1, 1), na realidade vemo-nos colocados diante de um princípio de carácter absoluto e que nos narra a vida íntima de Deus. O Prólogo joanino apresenta-nos o facto de que o Logos existe realmente desde sempre, e desde sempre Ele mesmo é Deus. Por conseguinte, nunca houve em Deus um tempo em que não existisse o Logos. O Verbo preexiste à criação. Portanto, no coração da vida divina, há a comunhão, há o dom absoluto. «Deus é amor» (1 Jo 4, 16) – dirá noutro lugar o mesmo Apóstolo, indicando assim «a imagem cristã de Deus e também a consequente imagem do homem e do seu caminho». [16] Deus dá-Se-nos a conhecer como mistério de amor infinito, no qual, desde toda a eternidade, o Pai exprime a sua Palavra no Espírito Santo. Por isso o Verbo, que desde o princípio está junto de Deus e é Deus, revela-nos o próprio Deus no diálogo de amor entre as Pessoas divinas e convida-nos a participar nele. Portanto, feitos à imagem e semelhança de Deus amor, só nos podemos compreender a nós mesmos no acolhimento do Verbo e na docilidade à obra do Espírito Santo. É à luz da revelação feita pelo Verbo divino que se esclarece definitivamente o enigma da condição humana.

Analogia da Palavra de Deus

7. A partir destas considerações que brotam da meditação sobre o mistério cristão expresso no Prólogo de João, é necessário agora pôr em evidência aquilo que foi afirmado pelos Padres sinodais a propósito das diversas modalidades com que usamos a expressão «Palavra de Deus». Falou-se, justamente, de uma sinfonia da Palavra, de uma Palavra única que se exprime de diversos modos: «um cântico a diversas vozes». [17] A este propósito, os Padres sinodais falaram de um uso analógico da linguagem humana na referência à Palavra de Deus. Com efeito, se esta expressão, por um lado, diz respeito à comunicação que Deus faz de Si mesmo, por outro assume significados diversos que devem ser atentamente considerados e relacionados entre si, tanto do ponto de vista da reflexão teológica como do uso pastoral. Como nos mostra claramente o Prólogo de João, o Logos indica originariamente o Verbo eterno, ou seja, o Filho unigénito, gerado pelo Pai antes de todos os séculos e consubstancial a Ele: o Verbo estava junto de Deus, o Verbo era Deus. Mas este mesmo Verbo – afirma São João – «fez-Se carne» (Jo 1, 14); por isso Jesus Cristo, nascido da Virgem Maria, é realmente o Verbo de Deus que Se fez consubstancial a nós. Assim a expressão «Palavra de Deus» acaba por indicar aqui a pessoa de Jesus Cristo, Filho eterno do Pai feito homem.
Além disso, se no centro da revelação divina está o acontecimento de Cristo, é preciso reconhecer que a própria criação, o liber naturae, constitui também essencialmente parte desta sinfonia a diversas vozes na qual Se exprime o único Verbo. Do mesmo modo confessamos que Deus comunicou a sua Palavra na história da salvação, fez ouvir a sua voz; com a força do seu Espírito, «falou pelos profetas». [18] Por conseguinte, a Palavra divina exprime-se ao longo de toda a história da salvação e tem a sua plenitude no mistério da encarnação, morte e ressurreição do Filho de Deus. E Palavra de Deus é ainda aquela pregada pelos Apóstolos, em obediência ao mandato de Jesus Ressuscitado: «Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda a criatura» (Mc 16, 15). Assim a Palavra de Deus é transmitida na Tradição viva da Igreja. Enfim, é Palavra de Deus, atestada e divinamente inspirada, a Sagrada Escritura, Antigo e Novo Testamento. Tudo isto nos faz compreender por que motivo, na Igreja, veneramos extremamente as Sagradas Escrituras, apesar da fé cristã não ser uma «religião do Livro»: o cristianismo é a «religião da Palavra de Deus», não de «uma palavra escrita e muda, mas do Verbo encarnado e vivo». [19] Por conseguinte a Sagrada Escritura deve ser proclamada, escutada, lida, acolhida e vivida como Palavra de Deus, no sulco da Tradição Apostólica de que é inseparável. [20]
Como afirmaram os Padres sinodais, encontramo-nos realmente perante um uso analógico da expressão «Palavra de Deus», e disto mesmo devemos estar conscientes. Por isso, é necessário que os fiéis sejam melhor formados para identificar os seus diversos significados e compreender o seu sentido unitário. E do ponto de vista teológico é preciso também aprofundar a articulação dos vários significados desta expressão, para que resplandeça melhor a unidade do plano divino e, neste, a centralidade da pessoa de Cristo. [21]

Dimensão cósmica da Palavra

8. Conscientes do significado fundamental da Palavra de Deus referida ao Verbo eterno de Deus feito carne, único salvador e mediador entre Deus e o homem, [22] e escutando esta Palavra, somos levados pela revelação bíblica a reconhecer que ela é o fundamento de toda a realidade. O Prólogo de São João afirma, referindo-se ao Logos divino, que «tudo começou a existir por meio d’Ele, e, sem Ele, nada foi criado» (Jo 1, 3); de igual modo na Carta aos Colossenses afirma-se, aludindo a Cristo «primogénito de toda a criação» (1, 15), que «tudo foi criado por Ele e para Ele» (1, 16). E o autor da Carta aos Hebreus recorda que «pela fé conhecemos que o mundo foi formado pela palavra de Deus, de tal modo que o que se vê não provém das coisas sensíveis» (11, 3).
Este anúncio é, para nós, uma palavra libertadora. De facto, as afirmações da Sagrada Escritura indicam que tudo o que existe não é fruto de um acaso irracional, mas é querido por Deus, está dentro do seu desígnio, em cujo centro se encontra a oferta de participar na vida divina em Cristo. A criação nasce do Logos e traz indelével o sinal da Razão criadora que regula e guia. Esta feliz certeza é cantada nos Salmos: «Pela palavra do Senhor foram feitos os céus, pelo sopro da sua boca todos os seus exércitos» (Sl 33, 6); e ainda: «Ele falou e as coisas existiram. Ele mandou e as coisas subsistiram» (Sl 33, 9). A realidade inteira exprime este mistério: «Os céus proclamam a glória de Deus, o firmamento anuncia as obras das suas mãos» (Sl 19, 2). É a própria Sagrada Escritura que nos convida a conhecer o Criador, observando a criação (cf. Sb13, 5; Rm 1, 19-20). A tradição do pensamento cristão soube aprofundar este elemento-chave da sinfonia da Palavra, quando por exemplo São Boaventura – que, juntamente com a grande tradição dos Padres Gregos, vê todas as possibilidades da criação no Logos [23] – afirma que «cada criatura é palavra de Deus, porque proclama Deus». [24] A Constituição dogmática Dei Verbum sintetizara este facto dizendo que «Deus, criando e conservando todas as coisas pelo Verbo (cf. Jo 1, 3), oferece aos homens um testemunho perene de Si mesmo na criação». [25]

A criação do homem

9. Deste modo, a realidade nasce da Palavra, como creatura Verbi, e tudo é chamado a servir a Palavra. A criação é lugar onde se desenvolve toda a história do amor entre Deus e a sua criatura; por conseguinte, o movente de tudo é a salvação do homem. Contemplando o universo na perspectiva da história da salvação, somos levados a descobrir a posição única e singular que ocupa o homem na criação: «Deus criou o homem à sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou homem e mulher» (Gn 1, 27). Isto permite-nos reconhecer plenamente os dons preciosos recebidos do Criador: o valor do próprio corpo, o dom da razão, da liberdade e da consciência. Nisto encontramos também tudo aquilo que a tradição filosófica chama «lei natural». [26] Com efeito, «todo o ser humano que atinge a consciência e a responsabilidade experimenta um chamamento interior para realizar o bem» [27] e, consequentemente, evitar o mal. Sobre este princípio, como recorda São Tomás de Aquino, fundam-se também todos os outros preceitos da lei natural. [28] A escuta da Palavra de Deus leva-nos em primeiro lugar a prezar a exigência de viver segundo esta lei «escrita no coração» (cf. Rm 2, 15; 7, 23). [29] Depois, Jesus Cristo dá aos homens a Lei nova, a Lei do Evangelho, que assume e realiza de modo sublime a lei natural, libertando-nos da lei do pecado, por causa do qual, come diz São Paulo, «querer o bem está ao meu alcance, mas realizá-lo não» (Rm 7, 18), e dá aos homens, por meio da graça, a participação na vida divina e a capacidade de superar o egoísmo. [30]

Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.



Notas:
[1]Cf. Propositio 1.
[2] Cf. XII Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, Instrumentum laboris, 27.
[3] Cf. Leão XIII, Carta enc. Providentissimus Deus (18 de Novembro de 1893): ASS 26 (1893-94), 269-292; Bento XV, Carta enc. Spiritus Paraclitus (15 de Setembro de 1920): AAS 12 (1920), 385-422; Pio XII, Carta enc. Divino afflante Spiritu (30 de Setembro de 1943): AAS 35 (1943), 297-325.
[4] Propositio 2. 
[5] Ibidem
[6] Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 2. 
[7] Ibid., 4
[8] Entre as várias intervenções, de natureza diversa, há que recordar: Paulo VI, Carta ap.Summi Dei Verbum (4 de Novembro de 1963): AAS 55 (1963), 979-995; Idem, Motu proprioSedula cura (27 de Junho de 1971): AAS 63 (1971), 665-669; João Paulo II, Audiência Geral (1 de Maio de 1985): L’Osservatore Romano (ed. portuguesa de 5/V/1985), p. 12; Idem, Discurso sobre a interpretação da Bíblia na Igreja (23 de Abril de 1993): AAS 86 (1994), 232-243; Bento XVI, Discurso no Congresso internacional por ocasião do 40º aniversário da Dei Verbum (16 de Setembro de 2005): AAS 97 (2005), 957; Idem, Angelus (6 de Novembro de 2005):Insegnamenti I (2005), 759-760. Há que citar ainda as intervenções da Pont. Comissão Bíblica, De sacra Scriptura et Christologia (1984): Ench. Vat. 9, n. 1208-1339; Unidade e diversidade na Igreja (11 de Abril de 1988): Ench. Vat. 11, n. 544-643; A interpretação da Bíblia na Igreja(15 de Abril de 1993): Ench. Vat. 13, n. 2846-3150; O povo judeu e as suas sagradas Escrituras na Bíblia cristã (24 de Maio de 2001): Ench. Vat. 20, n. 733-1150; Bíblia e moral. Raízes bíblicas do agir cristão (11 de Maio de 2008), Cidade do Vaticano 2008.
[9] Cf. Bento XVI, Discurso à Cúria Romana (22 de Dezembro de 2008): AAS 101 (2009), 49.
[10] Cf. Propositio 37
[11] Cf. Pont. Comissão Bíblica, O povo judeu e as suas sagradas Escrituras na Bíblia cristã(24 de Maio de 2001): Ench. Vat. 20, n. 733-1150. 
[12] Bento XVI, Discurso à Cúria Romana (22 de Dezembro de 2008): AAS 101 (2009), 50. 
[13] Bento XVI, Angelus (4 de Janeiro de 2009): Insegnamenti, V/1 (2009), 13.
[14] Cf. Relatio ante disceptationem, I.
[15] Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 2.
[16] Bento XVI, Carta enc. Deus caritas est  (25 de Dezembro de 2005), 1: AAS 98 (2006), 217-218.
[17] Instrumentum laboris, 9
[18] Credo de Niceia-ConstantinoplaDS  150. 
[19]São Bernardo de Claraval, Homilia super missus est, IV, 11: PL 183, 86 B
[20] Cf. Conc. Ecum. VAT. ii, Const. dogm. sobre a Revela-ção divina Dei Verbum, 10. 
[21] Cf. Propositio 3. 
[22] Cf. Congr. para a Doutrina da Fé, Declaração sobre a unicidade e a universalidade salvífica de Jesus Cristo e da Igreja Dominus Iesus (6 de Agosto de 2000), 13-15: AAS 92 (2000), 754-756. 
[23] Cf. In Hexaemeron, XX, 5: Opera Omnia, V (Quaracchi 1891), p. 425-426; Breviloquium, I, 8: Opera Omnia, V (Quaracchi 1891), p. 216-217. 
[24] Itinerarium mentis in Deum, II, 12: Opera Omnia, V (Quaracchi 1891), p. 302-303; cf.Commentarius in librum Ecclesiastes, cap. 1, vers. 11, Quaestiones, II, 3: Opera Omnia, VI (Quaracchi 1891), p. 16. 
[25] Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Revelação divina Dei Verbum, 3; cf. Conc. Ecum. Vat. I, Const. dogm. sobre a fé católica Dei Filius, cap. 2 – De revelatione: DS 3004
[26] Cf. Propositio 13. 
[27] Comissão Teológica Internacional, À procura de uma ética universal: novo olhar sobre a lei natural, Cidade do Vaticano 2009, n. 39. 
[28] Cf. Summa theologiae, Ia-IIae, q. 94, a. 2
[29] Cf. Pont. Comissão Bíblica, Bíblia e moral. Raízes bíblicas do agir cristão (11 de Maio de 2008), Cidade do Vaticano 2008, nn. 13, 32 e 109. 
[30] Cf. Comissão Teológica Internacional, À procura de uma ética universal: novo olhar sobre a lei natural, Cidade do Vaticano 2009, n. 102.

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