Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
Para ver, clicar SFF.
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1 «Eu sou a videira
verdadeira, e Meu Pai é o agricultor. 2 Todo o ramo que não dá fruto em Mim,
Ele o cortará; e todo o que der fruto, podá-lo-á, para que dê mais fruto. 3 Vós
já estais limpos em virtude da palavra que vos anunciei. 4 Permanecei em Mim e
Eu permanecerei em vós. Como o ramo não pode por si mesmo dar fruto se não
permanecer na videira, assim também vós, se não permanecerdes em Mim. 5 Eu sou
a videira, vós os ramos. Aquele que permanece em Mim e Eu nele, esse dá muito
fruto, porque sem Mim nada podeis fazer. 6 Se alguém não permanecer em Mim,
será lançado fora como o ramo, e secará; depois recolhê-lo-ão, lançá-lo-ão no
fogo e arderá. 7 Se permanecerdes em Mim, e as Minhas palavras permanecerem em
vós, pedireis tudo o que quiserdes e ser-vos-á concedido. 8 Nisto é glorificado
Meu Pai: Em que vós deis muito fruto e sejais Meus discípulos. 9 Como o Pai Me
amou, assim Eu vos amei. Permanecei no Meu amor. 10 Se observardes os Meus
preceitos, permanecereis no Meu amor, como Eu observei os preceitos de Meu Pai
e permaneço no Seu amor. 11 Disse-vos estas coisas, para que a Minha alegria
esteja em vós e para que a vossa alegria seja completa. 12 «O Meu preceito é este: Amai-vos uns aos
outros, como Eu vos amei. 13 Não há maior amor do que dar a própria vida pelos
seus amigos. 14 Vós sois Meus amigos se fizerdes o que vos mando. 15 Não mais
vos chamarei servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas
chamo-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi de Meu Pai. 16 Não
fostes vós que Me escolhestes, mas fui Eu que vos escolhi, e vos destinei para
que vades e deis fruto, e para que o vosso fruto permaneça, a fim de que tudo o
que pedirdes a Meu Pai em Meu nome, Ele vo-lo conceda. 17 Isto vos mando:
Amai-vos uns aos outros.
EXORTAÇÃO
APOSTÓLICA PÓS-SINODAL
VERBUM DOMINI
DO SANTO PADRE
BENTO XVI
AO EPISCOPADO, AO CLERO
ÀS PESSOAS CONSAGRADAS E AOS FIÉIS LEIGOS
SOBRE
A PALAVRA DE DEUS
NA VIDA E NA MISSÃO DA IGREJA
VERBUM DOMINI
DO SANTO PADRE
BENTO XVI
AO EPISCOPADO, AO CLERO
ÀS PESSOAS CONSAGRADAS E AOS FIÉIS LEIGOS
SOBRE
A PALAVRA DE DEUS
NA VIDA E NA MISSÃO DA IGREJA
I PARTE
VERBUM DEI
…/09
76. A Sagrada Escritura nos grandes encontros eclesiais
Entre as múltiplas iniciativas que podem ser tomadas,
o Sínodo sugere que nos encontros, tanto a nível diocesano como nacional ou
internacional, se ponha em maior evidência a importância da Palavra de Deus, da
sua escuta e da leitura crente e orante da Bíblia. Por isso, no âmbito dos
Congressos Eucarísticos, nacionais e internacionais, das Jornadas Mundiais da
Juventude e de outros encontros poder-se-á louvavelmente reservar maior espaço
para celebrações da Palavra e para momentos de formação de carácter bíblico. [1]
Palavra de Deus e vocações
77. O Sínodo, quando sublinhou a exigência intrínseca que tem a fé de aprofundar a relação com Cristo, Palavra de Deus entre nós, quis também evidenciar que esta Palavra chama cada um em termos pessoais, revelando assim que a própria vida é vocação em relação a Deus. Isto significa que quanto mais aprofundarmos a nossa relação pessoal com o Senhor Jesus, tanto mais nos damos conta de que Ele nos chama à santidade, através de opções definitivas, pelas quais a nossa vida responde ao seu amor, assumindo funções e ministérios para edificar a Igreja. É neste horizonte que se entendem os convites feitos pelo Sínodo a todos os cristãos para aprofundarem a relação com a Palavra de Deus, não só como baptizados mas também enquanto chamados a viver segundo os diversos estados de vida. Aqui tocamos um dos pontos fundamentais da doutrina do Concílio Vaticano II, que sublinhou a vocação à santidade de todo o fiel, cada um no seu próprio estado de vida. [2] Na Sagrada Escritura, encontramos revelada a nossa vocação à santidade: «Sede santos, porque Eu, o Senhor vosso Deus, sou santo» (cf. Lv 11, 44; 19, 2; 20, 7). Depois São Paulo põe em evidência a sua raiz cristológica: o Pai, em Cristo, «escolheu-nos, antes da constituição do mundo, para sermos santos e imaculados diante dos seus olhos» (Ef 1, 4). Deste modo podemos tomar como dirigida a cada um de nós a saudação dele aos irmãos e irmãs da comunidade de Roma: «A todos os amados de Deus (…), chamados à santidade: Graça e paz vos sejam dadas da parte de Deus, nosso Pai, e da do Senhor Jesus Cristo» (Rm 1, 7).
a) Palavra de Deus e Ministros Ordenados
78. Dirigindo-me em primeiro lugar aos Ministros Ordenados da Igreja, recordo-lhes o que afirmou o Sínodo: «A Palavra de Deus é indispensável para formar o coração de um bom pastor, ministro da Palavra». [3] Bispos, presbíteros e diáconos não podem de forma alguma pensar viver a sua vocação e missão sem um decidido e renovado compromisso de santificação, que tem um dos seus pilares no contacto com a Bíblia.
79. Àqueles que foram chamados ao episcopado e que são os anunciadores primeiros e com maior autoridade da Palavra, desejo reafirmar o que o Papa João Paulo II deixou escrito na Exortação apostólica pós-sinodal Pastores gregis: Para nutrir e fazer crescer a vida espiritual, o Bispo deve colocar sempre em «primeiro lugar a leitura e a meditação da Palavra de Deus. Cada Bispo deverá sempre confiar-se e sentir-se confiado “a Deus e à palavra da sua graça que tem o poder de construir o edifício e de conceder parte na herança com todos os santificados” (Act 20, 32). Por isso, antes de ser transmissor da Palavra, o Bispo, como os seus sacerdotes e como qualquer fiel – mais ainda, como a própria Igreja – deve ser ouvinte da Palavra. Deve de certo modo estar “dentro” da Palavra, para deixar-se guardar e nutrir dela como de um ventre materno». [4] À imitação de Maria, Virgo audiens e Rainha dos Apóstolos, recomendo a todos os irmãos no episcopado a leitura pessoal frequente e o estudo assíduo da Sagrada Escritura.
80. Quanto aos sacerdotes, quero apontar-lhes as palavras do Papa João Paulo II, quando, na Exortação apostólica pós-sinodal Pastores dabo vobis, recordou que, «antes de mais, o sacerdote é ministro da Palavra de Deus, é consagrado e enviado a anunciar a todos o Evangelho do Reino, chamando cada homem à obediência da fé e conduzindo os crentes a um conhecimento e comunhão sempre mais profundos do mistério de Deus, revelado e comunicado a nós em Cristo. Por isso, o próprio sacerdote deve ser o primeiro a desenvolver uma grande familiaridade pessoal com a Palavra de Deus: não basta conhecer o aspecto linguístico ou exegético, sem dúvida necessário; é preciso abeirar-se da Palavra com coração dócil e orante, a fim de que ela penetre a fundo nos seus pensamentos e sentimentos e gere nele uma nova mentalidade – “o pensamento de Cristo” (1 Cor 2, 16)». [5] E consequentemente as suas palavras, as suas opções e atitudes devem ser cada vez mais uma transparência, um anúncio e um testemunho do Evangelho; «só “permanecendo” na Palavra, é que o presbítero se tornará perfeito discípulo do Senhor, conhecerá a verdade e será realmente livre». [6]
Em suma, a vocação ao sacerdócio requer que sejam consagrados
«na verdade». O próprio Jesus formula esta exigência
referindo-se aos seus discípulos: «Consagra-os na verdade. A tua palavra é a verdade.
Assim como Tu Me enviaste ao mundo, também Eu os envio ao mundo» (Jo 17,
17-18). Os discípulos, de certo modo, «são atraídos para a intimidade de
Deus por meio da sua imersão na Palavra divina. Esta é, por assim dizer, o
banho que os purifica, o poder criador que os transforma no ser de Deus». [7] E visto
que o próprio Cristo é a Palavra de Deus feita carne (cf. Jo 1,
14), é «a Verdade» (Jo 14, 6), então a oração de
Jesus ao Pai «consagra-os na verdade» quer dizer fundamentalmente: «Torna-os um
só comigo. Une-os a Mim. Atrai-os para dentro de Mim. E de facto, em última
análise, há apenas um único sacerdote da Nova Aliança: o próprio Jesus Cristo». [8] É
necessário, pois, que os sacerdotes renovem sempre mais profundamente em si a
consciência desta realidade.
81. Quero referir-me também ao lugar da Palavra de Deus na vida daqueles que são chamados ao diaconado, não só como grau prévio da Ordem do Presbiterado, mas também enquanto serviço permanente. O Directório para o diaconado permanente afirma que «da identidade teológica do diácono derivam com clareza os traços da sua espiritualidade específica, que se apresenta essencialmente como espiritualidade de serviço. O modelo por excelência é Cristo servo, que viveu totalmente ao serviço de Deus, para o bem dos homens». [9] Nesta perspectiva, compreende-se como, nas várias dimensões do ministério diaconal, um «elemento caracterizador da espiritualidade diaconal seja a Palavra de Deus, que o diácono é chamado a anunciar com autoridade, acreditando naquilo que proclama, ensinando aquilo que acredita, vivendo aquilo que ensina». [10] Por isso recomendo aos diáconos que incrementem uma leitura crente da Sagrada Escritura na própria vida com o estudo e a oração. Sejam iniciados na Sagrada Escritura e na sua recta interpretação, na mútua relação entre a Escritura e a Tradição, e particularmente na utilização da Escritura na pregação, na catequese e na actividade pastoral em geral. [11]
b) Palavra de Deus e candidatos às Ordens Sacras
82. O Sínodo deu particular atenção ao papel decisivo da Palavra de Deus na vida espiritual dos candidatos ao sacerdócio ministerial: «Os candidatos ao sacerdócio devem aprender a amar a Palavra de Deus. Por isso, seja a Escritura a alma da sua formação teológica, evidenciando a circularidade indispensável entre exegese, teologia, espiritualidade e missão». [12] Os aspirantes ao sacerdócio ministerial são chamados a uma profunda relação pessoal com a Palavra de Deus, particularmente na lectio divina, porque é de tal relação que se alimenta a sua vocação: é com a luz e a força da Palavra de Deus que pode ser descoberta, compreendida, amada e seguida a respectiva vocação e levada a cabo a própria missão, alimentando no coração os pensamentos de Deus, de modo que a fé, como resposta à Palavra, se torne o novo critério de juízo e avaliação dos homens e das coisas, dos acontecimentos e dos problemas. [13]
Esta atenção à leitura orante da Escritura não deve,
de modo algum, alimentar uma dicotomia com o estudo exegético que se requer
durante o tempo da formação. O Sínodo recomendou que os seminaristas sejam
concretamente ajudados a ver a relação entre o estudo bíblico e a
oração com a Escritura. O estudo das Escrituras deve torná-los mais
conscientes do mistério da revelação divina e alimentar uma atitude de resposta
orante ao Senhor que fala. Por sua vez, uma vida autêntica de oração não poderá
deixar de fazer crescer, na alma do candidato, o desejo de conhecer cada vez
mais a Deus que Se revelou na sua Palavra como amor infinito. Por isso,
dever-se-á procurar com o máximo cuidado que, na vida dos seminaristas, se cultive
esta reciprocidade entre estudo e oração. Para tal objectivo, é útil que
os candidatos sejam iniciados no estudo da Sagrada Escritura segundo métodos
que favoreçam esta abordagem integral.
c) Palavra de Deus e vida consagrada
83. Relativamente à vida consagrada, o Sínodo lembrou em primeiro lugar que esta «nasce da escuta da Palavra de Deus e acolhe o Evangelho como sua norma de vida». [14] Deste modo, viver no seguimento de Cristo casto, pobre e obediente é uma «“exegese” viva da Palavra de Deus». [15] O Espírito Santo, por cuja virtude foi escrita a Bíblia, é o mesmo que ilumina «a Palavra de Deus, com nova luz, para os fundadores e fundadoras. Dela brotou cada um dos carismas e dela cada regra quer ser expressão», [16] dando origem a itinerários de vida cristã marcados pela radicalidade evangélica.
Desejo lembrar que a grande tradição monástica sempre
teve como factor constitutivo da própria espiritualidade a meditação da Sagrada
Escritura, particularmente na forma da lectio divina. De igual
modo, hoje, as realidades antigas e novas de especial consagração são chamadas
a ser verdadeiras escolas de vida espiritual onde se há-de ler as Escrituras
segundo o Espírito Santo na Igreja, de modo que todo o Povo de Deus disso mesmo
possa beneficiar. Por isso, o Sínodo recomenda que nunca falte nas comunidades
de vida consagrada uma sólida formação para a leitura crente da Bíblia. [17]
Desejo fazer-me eco da solicitude e gratidão que o
Sínodo exprimiu pelas formas de vida contemplativa, que, pelo seu
carisma específico, dedicam boa parte das suas jornadas a imitar a Mãe de Deus
que meditava assiduamente as palavras e os factos do seu Filho (cf. L c 2, 19.51) e Maria de Betânia que, sentada aos pés do Senhor, escutava a sua palavra (cf. L c 10, 38). Penso de modo particular nos monges e monjas de clausura que, sob a forma
de separação do mundo, se encontram mais intimamente unidos a Cristo, coração
do mundo. A Igreja tem extrema necessidade do testemunho de quem se compromete
a «nada antepor ao amor de Cristo». [18] Com frequência,
o mundo actual vive demasiadamente absorvido pelas actividades exteriores, onde
corre o risco de se perder. As mulheres e os homens contemplativos, com a sua
vida de oração, de escuta e meditação da Palavra de Deus lembram-nos que não só
de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus (cf. Mt 4,
4). Por isso, todos os fiéis tenham bem presente que uma tal forma de
vida «indica ao mundo de hoje o que é mais importante e, no fim de contas, a
única coisa decisiva: existe uma razão última pela qual vale a pena viver, isto
é, Deus e o seu amor imperscrutável». [19]
d) Palavra de Deus e fiéis leigos
84. O Sínodo concentrou muitas vezes a sua atenção nos fiéis leigos, agradecendo-lhes o generoso empenho com que difundem o Evangelho nos vários âmbitos da vida diária: no trabalho, na escola, na família e na educação. [20] Tal obrigação, que deriva do baptismo, deve poder desenrolar-se através de uma vida cristã cada vez mais consciente e capaz de dar «razão da esperança» que vive em nós (cf. 1 Pd 3, 15). Jesus, no Evangelho de Mateus, indica que «o campo é o mundo, a boa semente são os filhos do Reino» (13, 38). Estas palavras aplicam-se de modo particular aos leigos cristãos, que realizam a própria vocação à santidade com uma vida segundo o Espírito que se exprime «de forma peculiar na sua inserção nas realidades temporais e na sua participação nas actividades terrenas». [21] Precisam de ser formados a discernir a vontade de Deus por meio de uma familiaridade com a Palavra de Deus, lida e estudada na Igreja, sob a guia dos legítimos Pastores. Possam eles beber esta formação nas escolas das grandes espiritualidades eclesiais, em cuja raiz está sempre a Sagrada Escritura. As próprias dioceses, na medida das suas possibilidades, proporcionem oportunidades de uma tal formação aos leigos com particulares responsabilidades eclesiais. [22]
e) Palavra de Deus, matrimónio e família
85. O Sínodo sentiu necessidade de sublinhar também a relação entre Palavra de Deus, matrimónio e família cristã. Com efeito, «com o anúncio da Palavra de Deus, a Igreja revela à família cristã a sua verdadeira identidade, o que ela é e deve ser segundo o desígnio do Senhor». [23] Por isso, nunca se perca de vista que a Palavra de Deus está na origem do matrimónio (cf. Gn 2, 24) e que o próprio Jesus quis incluir o matrimónio entre as instituições do seu Reino (cf. Mt 19, 4-8), elevando a sacramento o que originalmente estava inscrito na natureza humana. «Na celebração sacramental, o homem e a mulher pronunciam uma palavra profética de doação recíproca: ser “uma só carne”, sinal do mistério da união de Cristo e da Igreja (cf. Ef 5, 31-32)». [24] A fidelidade à Palavra de Deus leva também a evidenciar que hoje esta instituição encontra-se, em muitos aspectos, sujeita a ataques pela mentalidade corrente. Perante a difundida desordem dos sentimentos e o despontar de modos de pensar que banalizam o corpo humano e a diferença sexual, a Palavra de Deus reafirma a bondade originária do ser humano, criado como homem e mulher e chamado ao amor fiel, recíproco e fecundo.
Do grande mistério nupcial deriva uma
imprescindíel responsabilidade dos pais em relação aos seus filhos.
De facto, pertence à autêntica paternidade e maternidade a comunicação e o
testemunho do sentido da vida em Cristo: através da fidelidade e unidade da
vida familiar, os esposos são, para os seus filhos, os primeiros anunciadores
da Palavra de Deus. A comunidade eclesial deve sustentá-los e ajudá-los a
desenvolverem a oração em família, a escuta da Palavra, o conhecimento da
Bíblia. Por isso, o Sínodo deseja que cada casa tenha a sua Bíblia e
a conserve em lugar digno para poder lê-la e utilizá-la na oração. A ajuda
necessária pode ser fornecida por sacerdotes, diáconos e leigos bem preparados.
O Sínodo recomendou também a formação de pequenas comunidades entre famílias,
onde se cultive a oração e a meditação em comum de trechos apropriados da
Sagrada Escritura. [25] Os
esposos lembrem-se de que «a Palavra de Deus é um amparo precioso inclusive nas
dificuldades da vida conjugal e familiar». [26]
Neste contexto, quero evidenciar as recomendações do
Sínodo quanto à função das mulheres relativamente à Palavra de Deus.
A contribuição do «génio feminino» – assim lhe chamava o Papa João Paulo II [27] – para o
conhecimento da Escritura e para a vida inteira da Igreja é hoje maior do que
no passado e tem a ver com o campo dos próprios estudos bíblicos. De modo
especial, o Sínodo deteve-se sobre o papel indispensável das mulheres na
família, na educação, na catequese e na transmissão dos valores. Com efeito,
elas «sabem suscitar a escuta da Palavra, a relação pessoal com Deus e
comunicar o sentido do perdão e da partilha evangélica», [28] como
também ser portadoras de amor, mestras de misericórdia e construtoras de paz,
comunicadoras de calor e humanidade num mundo que demasiadas vezes se limita a
avaliar as pessoas com os critérios frios da exploração e do lucro.
Leitura orante da Sagrada Escritura e «lectio divina»
86. O Sínodo insistiu repetidamente sobre a exigência de uma abordagem orante do texto sagrado como elemento fundamental da vida espiritual de todo o fiel, nos diversos ministérios e estados de vida, com particular referência à lectio divina. [29] Com efeito, a Palavra de Deus está na base de toda a espiritualidade cristã autêntica. Esta posição dos Padres sinodais está em sintonia com o que diz a Constituição dogmática Dei Verbum: Todos os fiéis «debrucem-se, pois, gostosamente sobre o texto sagrado, quer através da sagrada Liturgia, rica de palavras divinas, quer pela leitura espiritual, quer por outros meios que se vão espalhando tão louvavelmente por toda a parte, com a aprovação e estímulo dos pastores da Igreja. Lembrem-se, porém, que a leitura da Sagrada Escritura deve ser acompanhada de oração». [30] A reflexão conciliar pretendia retomar a grande tradição patrística que sempre recomendou abeirar-se da Escritura em diálogo com Deus. Como diz Santo Agostinho: «A tua oração é a tua palavra dirigida a Deus. Quando lês, é Deus que te fala; quando rezas, és tu que falas a Deus». [31] Orígenes, um dos mestres nesta leitura da Bíblia, defende que a inteligência das Escrituras exige, ainda mais do que o estudo, a intimidade com Cristo e a oração; realmente é sua convicção que o caminho privilegiado para conhecer Deus é o amor e de que não existe uma autêntica scientia Christi sem enamorar-se d’Ele. Na Carta a Gregório, o grande teólogo alexandrino recomenda: «Dedica-te à lectio das divinas Escrituras; aplica-te a isto com perseverança. Empenha-te na lectio com a intenção de crer e agradar a Deus. Se durante a lectio te encontras diante de uma porta fechada, bate e ser-te-á aberta por aquele guardião de que falou Jesus: “O guardião abrir-lha-á”. Aplicando-te assim à lectio divina, procura com lealdade e inabalável confiança em Deus o sentido das Escrituras divinas, que nelas amplamente se encerra. Mas não deves contentar-te com bater e procurar; para compreender as coisas de Deus, tens necessidade absoluta da oratio. Precisamente para nos exortar a ela é que o Salvador não se limitou a dizer: “procurai e encontrareis” e “batei e ser-vos-á aberto”, mas acrescentou: “pedi e recebereis”». [32]
A este propósito, porém, deve-se evitar o risco
de uma abordagem individualista, tendo presente que a Palavra de Deus nos é
dada precisamente para construir comunhão, para nos unir na Verdade no nosso
caminho para Deus. Sendo uma Palavra que se dirige a cada um pessoalmente, é
também uma Palavra que constrói comunidade, que constrói a Igreja. Por isso, o
texto sagrado deve-se abordar sempre na comunhão eclesial. Com efeito, «é
muito importante a leitura comunitária, porque o sujeito vivo da Sagrada
Escritura é o Povo de Deus, é a Igreja. (…) A Escritura não pertence ao
passado, porque o seu sujeito, o Povo de Deus inspirado pelo próprio Deus, é
sempre o mesmo e, portanto, a Palavra está sempre viva no sujeito vivo. Então é
importante ler a Sagrada Escritura e ouvi-la na comunhão da Igreja, isto é, com
todas as grandes testemunhas desta Palavra, a começar dos primeiros Padres até
aos Santos de hoje e ao Magistério actual». [33]
Por isso, na leitura orante da Sagrada
Escritura, o lugar privilegiado é a Liturgia, particularmente a
Eucaristia, na qual, ao celebrar o Corpo e o Sangue de Cristo no
Sacramento, se actualiza no meio de nós a própria Palavra. Em certo sentido, a
leitura orante pessoal e comunitária deve ser vivida sempre em relação com a
celebração eucarística. Assim como a adoração eucarística prepara, acompanha e
prolonga a liturgia eucarística, [34] assim
também a leitura orante pessoal e comunitária prepara, acompanha e aprofunda o
que a Igreja celebra com a proclamação da Palavra no âmbito litúrgico.
Colocando em relação tão estreita lectio e liturgia, podem-se
identificar melhor os critérios que devem guiar esta leitura no contexto da
pastoral e da vida espiritual do Povo de Deus.
87. Nos documentos que prepararam e acompanharam o Sínodo, falou-se dos vários métodos para se abeirar, com fruto e na fé, das Sagradas Escrituras. Todavia prestou-se maior atenção à lectio divina, que «é verdadeiramente capaz não só de desvendar ao fiel o tesouro da Palavra de Deus, mas também de criar o encontro com Cristo, Palavra divina viva». [35] Quero aqui lembrar, brevemente, os seus passos fundamentais: começa com a leitura (lectio) do texto, que suscita a interrogação sobre um autêntico conhecimento do seu conteúdo: o que diz o texto bíblico em si? Sem este momento, corre-se o risco que o texto se torne somente um pretexto para nunca ultrapassar os nossos pensamentos. Segue-se depois a meditação (meditatio), durante a qual nos perguntamos: que nos diz o texto bíblico? Aqui cada um, pessoalmente mas também como realidade comunitária, deve deixar-se sensibilizar e pôr em questão, porque não se trata de considerar palavras pronunciadas no passado, mas no presente. Sucessivamente chega-se ao momento da oração (oratio), que supõe a pergunta: que dizemos ao Senhor, em resposta à sua Palavra? A oração enquanto pedido, intercessão, acção de graças e louvor é o primeiro modo como a Palavra nos transforma. Finalmente, a lectio divina conclui-se com a contemplação (contemplatio), durante a qual assumimos como dom de Deus o seu próprio olhar, ao julgar a realidade, e interrogamo-nos: qual é a conversão da mente, do coração e da vida que o Senhor nos pede? São Paulo, na Carta aos Romanos, afirma: «Não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, a fim de conhecerdes a vontade de Deus: o que é bom, o que Lhe é agradável e o que é perfeito» (12, 2). De facto, a contemplação tende a criar em nós uma visão sapiencial da realidade segundo Deus e a formar em nós «o pensamento de Cristo» (1 Cor 2, 16). Aqui a Palavra de Deus aparece como critério de discernimento: ela é «viva, eficaz e mais penetrante que uma espada de dois gumes; penetra até dividir a alma e o corpo, as junturas e as medulas e discerne os pensamentos e intenções do coração» (Hb 4, 12). Há que recordar ainda que a lectio divina não está concluída, na sua dinâmica, enquanto não chegar à acção (actio), que impele a existência do fiel a doar-se aos outros na caridade.
Estes passos encontramo-los sintetizados e resumidos,
de forma sublime, na figura da Mãe de Deus. Modelo para todo o fiel de acolhimento
dócil da Palavra divina, Ela «conservava todas estas coisas, ponderando-as no
seu coração» (L c 2, 19; cf. 2, 51), e sabia encontrar o nexo profundo
que une os acontecimentos, os actos e as realidades, aparentemente desconexos,
no grande desígnio divino. [36]
Além disso, quero lembrar a recomendação feita durante
o Sínodo relativa à importância da leitura pessoal da Escritura como prática
que prevê a possibilidade também de obter, segundo as disposições habituais da
Igreja, a indulgência para si próprio ou para os defuntos.
[37] A prática
da indulgência [38] implica a
doutrina dos méritos infinitos de Cristo – que a Igreja, como ministra da
redenção, concede e aplica –, mas supõe também a doutrina da Comunhão dos
Santos, que nos mostra «como é íntima a nossa união em Cristo e quanto a vida
sobrenatural de cada um pode auxiliar os outros». [39] Nesta
perspectiva, a leitura da Palavra de Deus apoia-nos no caminho de penitência e
conversão, permite-nos aprofundar o sentido de pertença eclesial e conserva-nos
numa familiaridade mais profunda com Deus. Como afirmava Santo Ambrósio, quando
tomamos nas mãos, com fé, as Sagradas Escrituras e as lemos com a Igreja, a
pessoa humana volta a passear com Deus no paraíso. [40]
Nota: Revisão da tradução portuguesa por ama.
[1] Cf. Propositio 45
[2] Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a
Igreja Lumen gentium, 39-42.
[4] N. 15: AAS 96 (2004), 846-847.
[5] N. 26: AAS 84 (1992), 698.
[6] N. 26: AAS 84 (1992), 698.
[7] Bento XVI, Homilia na Missa Crismal (9
de Abril de 2009): AAS 101 (2009), 355.
[8] Bento XVI, Homilia na Missa Crismal (9
de Abril de 2009): AAS 101 (2009), 356.
[9] Congr. para a Educação Católica, Normas
fundamentais para a formação dos diáconos permanentes (22 de Fevereiro
de 1998), 11: Ench. Vat. 17, nn. 174-175.
[10] Congr. para a Educação Católica, Normas
fundamentais para a formação dos diáconos permanentes (22 de Fevereiro
de 1998), 11: Ench. Vat. 17, nn. 263.
[11] Congr. para a Educação Católica, Normas
fundamentais para a formação dos diáconos permanentes (22 de Fevereiro
de 1998), 81: Ench. Vat. 17, nn. 271.
[13] Cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Pastores
dabo vobis (25 de Março de 1992), 47:AAS 84 (1992),
740-742.
[15] Bento XVI, Homilia no Dia Mundial da Vida
Consagrada (2 de Fevereiro de 2008): AAS100 (2008), 133;
cf. João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Vita consecrata (25
de Março de 1996), 82: AAS 88 (1996), 458-460.
[16] Congr. para os Institutos de Vida Consagrada e as
Sociedades de Vida Apostólica, Instr.Recomeçar a partir de Cristo. Um
renovado compromisso da vida consagrada no terceiro milénio (19 de
Maio de 2002), 24: Ench. Vat. 21, n. 447.
[17] Cf. Propositio 24.
[18] São Bento, Regra, IV, 21: SC 181,
456-458.
[19] Bento XVI, Discurso durante a visita à Abadia
de «Heiligenkreuz» (9 de Setembro de 2007): AAS 99
(2007), 856.
[20] Cf. Propositio 30.
[21] João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Christifideles
laici (30 de Dezembro de 1988), 17:AAS 81 (1989),
418.
[22] Cf. Propositio 33.
[23] João Paulo II, Exort. ap. Familiaris consortio (22
de Novembro de 1981), 49: AAS 74 (1982), 140-141.
[25] Cf. Propositio 21.
[27] Cf. Carta ap. Mulieris dignitatem (15
de Agosto de 1988), 31: AAS 80 (1988), 1727-1729.
[33] Bento Xvi, Discurso aos alunos do Seminário
Maior Romano (19 de Fevereiro de 2007):AAS 99 (2007),
253-254.
[34] Cf. Bento XVI, Exort. ap. pós-sinodal Sacramentum
caritatis (22 de Fevereiro de 2007), 66: AAS 99 (2007), 155-156.
[37] «Plenaria indulgentia conceditur
christifideli qui Sacram Scripturam, iuxta textum a competenti auctoritate
adprobatum, cum veneratione divino eloquio debita et ad modum lectionis
spiritalis, per dimidiam saltem horam legerit; si per minus tempus id egerit indulgentiaerit partialis –
Concede-se a indulgência plenária ao fiel que ler a Sagrada
Escritura, num texto aprovado pela autoridade competente, com a devoção devida
à palavra divina e a modo de leitura espiritual, pelo menos meia hora; se a
leitura durar menos tempo, a indulgência éparcial»: Paenitentiaria
Apostolica, Enchiridion Indulgentiarum. Normae et concessiones (16
de Julho de 1999), concessão n. 30-§ 1.
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