Questão 107: Da locução
dos anjos.
(De
Verit., q. 9, a. 5; 1 Cor., cap. XIII, lect I).
O
segundo discute-se assim. — Parece que o anjo inferior não fala com o superior.
1.
— Pois, a respeito do passo (1 Cor 13, 1) — Se eu falar as línguas
dos homens e dos anjos — diz a Glossa, que a linguagem dos anjos são as
iluminações, pelas quais os superiores iluminam os inferiores. Ora, os
inferiores nunca iluminam os superiores, como antes se disse (q. 106, a.
3). Logo, também nunca falam com os superiores.
2.
Demais. — Como já se disse antes (q. 106, a. 1), iluminar não é
senão manifestar a outrem o que já é, a si mesmo, manifesto; e isto é o mesmo
que falar. E portanto, sendo falar o mesmo que iluminar, conclui-se o idêntico
à objeção anterior.
3.
Demais. — Gregório diz que Deus fala com os santos anjos quando lhes mostra às
mentes os seus desígnios ocultos e invisíveis. Ora, isto é iluminar. Donde,
toda fala de Deus é iluminação e, por igual razão, toda fala do anjo. E,
portanto, de nenhum modo o anjo inferior pode falar com o superior.
Mas,
em contrário, como expõe Dionísio, os anjos inferiores disseram aos superiores (Sl
23, 10): Quem é este Rei da glória?
Os anjos inferiores podem falar com os superiores. E, para evidenciá-lo,
devemos considerar que, nos anjos, toda iluminação é locução, mas nem toda
locução é iluminação. Pois, como já se disse (a. 1), o falar de um
anjo não é senão fazer com que, por vontade própria, o seu conceito seja
conhecido de outro. Ora, o que a mente concebe pode se referir a um duplo
princípio: a Deus mesmo, verdade primeira; e à vontade de quem intelige, pela
qual um objeto é considerado em acto. Ora, como a verdade é a luz do intelecto,
e a regra de toda verdade é o próprio Deus, a manifestação do que é concebido
pela mente, é, no que depende da verdade primeira, tanto locução como
iluminação; assim, p. ex., se um homem disser a outro, que o céu foi criado por
Deus, ou o homem é um animal. Porém a manifestação do que depende da vontade de
quem intelige não pode se chamar iluminação, mas somente locução; assim, p.
ex., se alguém disser a outrem: quero aprender isto, quero fazer isto ou
aquilo. E a razão é que a vontade criada não é luz, nem regra da verdade, mas
participante da luz. Donde, comunicar o que depende da vontade criada, como
tal, não é iluminar. Pois, constitui a perfeição do meu intelecto, não,
conhecer o que tu queres ou inteliges, mas somente o que se encerra na verdade
da causa
É
pois manifesto que os anjos são considerados superiores ou inferiores por
comparação ao princípio, que é Deus. Donde, a iluminação, dependente desse
princípio, desce aos anjos inferiores por meio dos superiores. Ao passo que, em
relação ao princípio, que é a vontade, o ser mesmo que quer é primeiro e
supremo. E por isso, a manifestação do que depende da vontade comunica-se a
outrem por meio do indivíduo mesmo que quer. E deste modo, tanto os anjos
superiores falam com os inferiores, como estes com aqueles.
Donde
se deduzem as RESPOSTAS À PRIMEIRA E À SEGUNDA OBJEÇÕES.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — Toda locução dos anjos com Deus é iluminação; porque, como a
vontade de Deus é a regra da verdade, mesmo saber o que Deus quer pertence à
perfeição e à iluminação da mente criada. Mas, como já se disse, o mesmo não se
dá com a vontade do anjo.
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