Questão 88: Como a alma
humana conhece as coisas que lhe são superiores.
Art. 2 — Se o nosso
intelecto pode chegar a inteligir as substâncias imateriais, pelo conhecimento
das coisas materiais.
(IV Sent., dist, XLIX, q.2,
a.7, ad 12 ; II Cont. Gent., cap. XLI; De Verit., q.18, a. 5, ad 6; Qu. De
Anima, a.16; In Boet. De Trin., q.6, a.3, 4 ; I Poster., XLI; De Causis, lect.
VII).
O
segundo discute-se assim. ― Parece que o nosso intelecto pode chegar a
inteligir as substâncias imateriais, pelo conhecimento das coisas materiais.
1.
― Pois, como diz Dionísio, não é possível à mente humana subir à contemplação
imaterial das hierarquias celestes, sem ajudar-se do auxílio material em si.
Logo, conclui-se que, pelas coisas materiais, podemos ser levados a inteligir
as substâncias imateriais.
2.
Demais. ― A ciência está no intelecto. Ora, há ciências e definições das
substâncias imateriais; pois, Damasceno define o anjo; e, tanto as disciplinas
teológicas como as filosóficas nos transmitem certos ensinamentos a respeito
dos anjos. Logo, as substâncias imateriais podem ser inteligidas por nós.
3.
Demais. ― A alma humana pertence ao género das substâncias imateriais. Ora, ela
pode ser inteligida por nós, por meio do seu acto, pelo qual intelige as coisas
materiais. Logo, também as outras substâncias imateriais podem ser inteligidas
por nós, por meio dos seus efeitos sobre as coisas materiais.
4.
Demais. ― Só não pode ser compreendida pelos seus efeitos a causa que dista
infinitamente deles. Ora, isto só é próprio de Deus. Logo, as outras
substâncias imateriais criadas podem ser inteligidas por nós, por meio das
coisas materiais.
Mas,
em contrário, diz Dionísio, que os inteligíveis não podem ser apreendidos pelos
sensíveis, nem os seres simples pelos compostos, nem os incorpóreos pelos
corpóreos.
Como refere Averróis, um certo Avempace ensinava que, pelos verdadeiros
princípios da filosofia, podemos chegar a inteligir as substâncias imateriais,
por meio da intelecção das materiais. Pois, sendo natural ao nosso intelecto
abstrair, da matéria, a quidade da coisa material, se houver ainda, nessa quidade,
algo de material, o intelecto poderá, de novo abstrair; e, como isto não vai
até ao infinito, ele poderá, finalmente, chegar a inteligir uma quidade absolutamente
sem matéria. E isto é inteligir a substância imaterial. O que seria exatamente
dito, se as substâncias imateriais fossem as formas e as espécies das matérias,
como ensinavam os Platónicos. Não posto, porém, mas suposto que as substâncias
imateriais sejam de essência totalmente diversa das quididades das coisas
materiais, por mais que o nosso intelecto abstraia, da matéria, a quidade da
coisa imaterial, nunca chegará a algo de semelhante à substância imaterial. Donde,
pelas substâncias materiais não podemos perfeitamente inteligir as imateriais.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― Pelas coisas materiais podemos subir a um
certo conhecimento das imateriais; não porém, a um conhecimento perfeito. Pois,
não há comparação própria entre as coisas materiais e as imateriais; mas as
semelhanças são muito dissemelhantes, como diz Dionísio, se porventura algumas
se deduzem, dos seres materiais, para se inteligirem os imateriais.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― É sobretudo por via de remoção que, nas ciências, se tratam as
coisas superiores. Assim, Aristóteles dá a conhecer os corpos celestes pela
negação das propriedades dos corpos inferiores. Donde, com maioria de razão, as
substâncias imateriais não pode ser conhecidas por nós, de modo que lhes
apreendamos as quididades. Mas as ciências nos transmitem ensinamentos sobre
elas, por via de remoção e por certas relações que têm com as coisas materiais.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― A alma humana se intelige a si mesma pelo seu inteligir, acto
próprio dela e que revela perfeitamente a virtude e a natureza da mesma. Mas
nem deste modo, nem pelo mais que se descobre nas coisas materiais, pode ser
conhecida perfeitamente a virtude e a natureza das substâncias imateriais;
porque os meios sobreditos não são adequados às virtudes delas.
RESPOSTA
À QUARTA. ― As substâncias imateriais criadas não têm o mesmo género natural
que as substâncias materiais, porque não há nelas a mesma essência da potência
e da matéria. Têm, todavia, o mesmo género lógico, porque também as substâncias
imateriais, nas quais a quidade não se identifica com o ser, entram no
predicamento da substância. Ao passo que Deus não tem de comum com as coisas
materiais nem o género natural nem o lógico; pois Deus não está, absolutamente,
em nenhum género, como já disse antes (q. 3, a. 5). Donde, pelas
semelhanças das coisas materiais, pode ser conhecido, afirmativamente, algo,
sobre os anjo, quanto à essência comum deles, embora não quanto a essência
específica. De Deus, porém, de nenhum modo.
Nota:
Revisão da tradução portuguesa por ama
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