Questão 85: Do modo e da ordem de inteligir.
(Supra, q. 11, a. 2, ad 4; III De Anima, lect. XI).
O
oitavo discute-se assim. ― Parece que o intelecto intelige o indivisível antes
do divisível.
1.
― Pois, o Filósofo diz que inteligimos e sabemos, pelo conhecimento dos
princípios e dos elementos. Ora, os indivisíveis são os princípios e os
elementos dos divisíveis. Logo, aqueles são-nos conhecidos antes destes.
2.
Demais. ― O que entra na definição de uma coisa é conhecido por nós em primeiro
lugar, porque a definição parte do que é primeiro e mais conhecido, como diz
Aristóteles. Ora, o indivisível entra na definição do divisível, como o ponto
na definição da linha; pois, a linha, segundo diz Euclides, é longitude sem
latitude, cujas extremidades são dois pontos. E a unidade entra na definição de
número, porque o número é a multidão mensurada pela unidade, como diz Aristóteles.
Logo, o nosso intelecto intelige o indivisível antes do divisível.
3.
Demais. ― O semelhante pelo semelhante se conhece. Ora, o indivisível é mais
semelhante ao intelecto do que o divisível, porque o intelecto é simples, como
diz Aristóteles. Logo, o nosso intelecto conhece primeiro o indivisível.
Mas,
em contrário, diz Aristóteles que o indivisível se manifesta como a privação.
Ora, a privação conhecida ulteriormente. Logo, também o indivisível.
O objecto do nosso intelecto, no estado da vida presente, é a quididade da
coisa material, que ele abstrai dos fantasmas, como resulta claro do que já foi
dito (a. I; q. 84, a. 7). E como aquilo que é conhecido
primariamente e por si, pela virtude cognoscitiva, é o objecto próprio desta, pode-se
considerar a ordem em que o indivisível é inteligido por nós pela sua relação
com a sobredita quididade. Ora, indivisível pode ser tomado em tríplice
acepção. ― Primeiro, como o contínuo e indivisível, pois é indiviso em acto,
embora seja divisível em potência. E tal indivisível é inteligido por nós antes
de lhe inteligirmos a divisão, que o desdobra em partes, porque o conhecimento
confuso é anterior ao distinto, como já se disse (a. 3). ― Segundo,
especificamente; assim, a noção de homem é um indivisível. E também deste modo
o indivisível é inteligido antes que o seja a sua divisão em partes de razão,
como antes já se disse (loc. cit.); e ainda antes que o intelecto
componha e divida, afirmando ou negando. E a razão disto é que tal duplo
indivisível o intelecto o intelige, inteligindo-se a si mesmo, como o seu objecto
próprio. ― Terceiro, como absolutamente indivisível; assim, o ponto e a
unidade, que não se dividem nem actual nem potencialmente. E este indivisível é
conhecido ulteriormente, pela privação do divisível. Donde, o ponto é definido
privativamente: Ponto é o que não tem partes. E semelhantemente, a essência da
unidade é ser indivisível, como diz Aristóteles. E a razão disto é que tal
indivisível tem certa oposição com a causa corpórea, cuja quididade,
primariamente e por si, é apreendida pelo intelecto. ― Se porém o nosso
intelecto inteligisse por participação dos indivisíveis separados, como
ensinavam os Platónicos, seguir-se-ia que tal indivisível seria inteligido
primariamente, pois, segundo os Platónicos, o que tem prioridade é
primariamente participado pelas coisas.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― Na aquisição da ciência nem sempre os
princípios e os elementos têm prioridade; pois, por vezes, pelos efeitos
sensíveis chegamos ao conhecimento dos princípios e das coisas inteligíveis.
Mas, no complemento da ciência, o conhecimento dos efeitos depende do
conhecimento dos princípios e dos elementos; porque, como no mesmo passo diz o
Filósofo, opinamos que sabemos quando podemos reduzir os principiados às suas
causas.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― O ponto não entra na definição da linha, comumente compreendida.
Ora é manifesto que numa linha infinita e mesmo circular, não há ponto senão em
potência. Mas Euclides define a linha finita reta; e por isso introduziu o
ponto na definição da linha, como o limite na definição do limitado. E quanto à
unidade, ela é a medida do número e, portanto, entra na definição do número
mensurado. Não entra, porém, na definição do divisível, mas antes, inversamente.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― A semelhança, pela qual inteligimos, é a espécie do conhecido no
conhecente. Donde, não é pela semelhança da natureza com a potência cognitiva
que uma coisa é conhecida primariamente, mas pela conveniência com o objecto;
do contrário, a vista conheceria mais o ouvido do que a cor.
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