Questão 85: Do modo e
da ordem de inteligir.
Art. 2 — Se as
espécies inteligíveis, abstraídas dos fantasmas, são o objecto que o nosso
intelecto intelige.
(II
Cont. Gent., cap. LXXV; IV, cap. XI; De Verit., q. 10, a. 9; De Spirit..
Creat., a. 9, ad 6; Compend. Theol., cap. LXXXV; III De Anima, lect. VIII).
O
segundo discute-se assim. ― Parece que as espécies inteligíveis, abstraídas dos
fantasmas, são o objecto que o nosso intelecto intelige.
1.
― Pois, o intelecto é actual em quem intelige; porque a coisa actualmente
inteligida é o intelecto actual mesmo. Ora, da coisa inteligida nada está no
intelecto que intelige, a não ser a espécie inteligível abstrata. Logo, tal
espécie é o próprio intelecto, em acto.
2.
Demais. ― É forçoso que o que é inteligido em acto esteja em alguma coisa; do
contrário não seria nada. Ora, não está na coisa exterior à alma, porque, sendo
esta coisa exterior material, nada do que nela existe pode ser inteligido em acto.
Resta, pois, que o que é inteligido em acto esteja no intelecto. E então, não é
senão a predita espécie inteligível.
3.
Demais. ― O Filósofo diz, que as palavras são as designações das paixões da
alma. Ora, as palavras exprimem as coisas inteligidas, pois; exprimimos com a
palavra o que inteligimos. Logo, as próprias paixões da alma, a saber, as
espécies inteligíveis, são o que é inteligido em acto.
Mas,
em contrário. ― A espécie inteligível está para o intelecto, como a espécie
sensível para o sentido. Ora, esta não é o que é sentido, mas antes o meio pelo
qual o sentido sente. Logo, aquela não é o que é inteligido, mas sim o meio
pelo qual o intelecto intelige.
Alguns ensinaram que as nossas virtudes cognoscitivas não conhecem senão as
próprias paixões; assim, o sentido não sente senão a paixão do seu órgão. E,
segundo esta opinião, o intelecto só intelige a sua paixão, que é a espécie
inteligível que ele recebe. E então, tal espécie é o objecto mesmo da
intelecção.
Mas
esta opinião é manifestamente falsa, por dois motivos. ― Primeiro, porque as
coisas que inteligimos são idênticas às de que tratam as ciências. Se, pois, as
que inteligimos fossem só as espécies que estão na alma, seguir-se-ia que todas
as ciências não tratariam das coisas exteriores à alma, mas só das espécies
inteligíveis que nela estão. E assim, segundo os Platónicos, todas as ciências
tratam das ideias, que admitiam ser inteligidas em acto. ― Segundo, porque cairíamos
no erro dos antigos que diziam ser verdadeiro tudo o que se vê, de maneira tal
que as proposições contraditórias seriam simultaneamente verdadeiras. Pois, se
uma potência não conhece senão a própria paixão, só desta julga; e então, uma
coisa é vista do modo pelo qual é afetada a potência cognoscitiva. Donde, o
juízo da potência cognoscitiva há-de referir-se àquilo de que ela julga, a
saber, à própria paixão e conforme esta última é. De modo que todos os juízos
são verdadeiros. Assim, se o gosto somente sente a própria paixão, quem,
tendo-o são, julgar que o mel é doce, julgará com verdade; e semelhantemente,
quem, tendo o gosto corrompido, julgar que o mel é amargo, julgará com verdade.
E ambos julgarão de acordo com o modo pelo qual o próprio gosto é afetado.
Donde resulta que todas as opiniões serão igualmente verdadeiras e, universalmente,
todas as acepções.
Donde,
deve dizer-se que a espécie inteligível é, para o intelecto, o meio pelo qual
ele intelige. O que assim se demonstra. Como já se disse, dupla é a acção: uma
imanente ao agente, como ver e inteligir; outra, transeunte para coisas
exteriores, como aquecer e cortar. E uma e outra se realizam por alguma forma.
Ora, como a forma segundo a qual nasce à acção, tendente para a coisa exterior,
é semelhança do objecto da acção ― como o calor do corpo que aquece é
semelhança do corpo aquecido ― assim também, a forma, segundo a qual nasce à acção
imanente ao agente, é semelhança do objecto. Donde, pela semelhança da coisa
visível é que a vista vê; e a semelhança da causa inteligida, que é a espécie
inteligível, é a forma pela qual o intelecto intelige. Ora, como o intelecto
reflete sobre si mesmo, pela mesma reflexão intelige o seu inteligir e a
espécie pela qual intelige. De modo que, secundariamente, a espécie intelectiva
é o objecto inteligido; mas o que é inteligido primariamente é a coisa da qual
a espécie inteligível é semelhança. E isto mesmo resulta da opinião dos antigos
dizendo que o semelhante se conhece pelo semelhante. Assim, diziam que a alma,
pela terra nela existente, conhece a terra que lhe é exterior; e assim por
diante. Se, portanto, tomamos a espécie da terra, pela terra, conforme a
doutrina de Aristóteles, que diz que a pedra não está na alma, mas sim a espécie
da pedra, daí resulta que a alma, pelas espécies inteligíveis, conhece as
coisas, que lhe são exteriores.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― A coisa inteligida está em quem intelige, pela
sua semelhança. E deste modo se diz que a coisa inteligida em acto é o
intelecto em acto, enquanto a semelhança da coisa inteligida é a forma do
intelecto, do mesmo modo que a semelhança da coisa sensível é a forma do
sensível em acto. Donde não se segue que a espécie inteligível abstrata seja o
que é inteligido em acto; mas que ela é a semelhança daquilo que é inteligido.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― A expressão coisa inteligida em acto inclui a coisa inteligida e o
acto mesmo de inteligir. E semelhantemente, a expressão universal abstrato
abrange a própria natureza da coisa e a abstracção ou universalidade. Ora, a
natureza mesma que pode inteligir, abstrair, ou que é dotada da intenção da
universalidade, só existe nos seres singulares; mas o acto mesmo de inteligir,
abstrair, ou a intenção da universalidade existem no intelecto. O que podemos
ver pela semelhança com os sentidos. Assim, a vista vê a cor de um pomo sem o
odor. Se, pois, se perguntar onde está a cor que é vista, sem o odor, é claro
que essa cor não pode estar senão no pomo. Mas o ser ela percebida, sem o odor,
depende da vista, na qual está a semelhança da cor e não a do odor.
Semelhantemente, a humanidade que é inteligida só pode estar em tal ou tal
homem determinado. Mas o intelecto, no qual está a semelhança da natureza da
espécie e não a dos princípios individuais, apreende a humanidade sem as condições
individuais dela, isto é, tem-na abstraída, donde resulta a intenção da
universalidade.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― Há dupla operação na parte sensitiva. Uma consiste só na imutação;
e assim completa-se a operação do sentido, quando é imutado pelo sensível.
Outra, é a formação pela qual a virtude imaginativa forma, para si, a imagem de
uma coisa ausente, ou mesmo nunca vista. E ambas estas operações unem-se no
intelecto. Pois, primeiro, há a paixão do intelecto possível, pela qual é
informado pela espécie inteligível. Assim informado, forma, em segundo lugar,
ou a definição ou a divisão ou a composição, expressas pela palavra. Donde, a
essência significada pelo nome é a definição; exprimindo, a enunciação, a
composição e a divisão do intelecto. Logo, as palavras significam não as
espécies inteligíveis, mas aquilo que o intelecto forma, para si, a fim de
julgar das coisas exteriores.
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