02/09/2012

Tratado sobre o homem 61


Questão 84: Por meio do que a alma, unida ao corpo, intelige as coisas corpóreas.

Art. 8 — Se o juízo do intelecto fica impedido, por privação dos sentidos.

(IIª IIae, q. 154, a. 5; III Sent., dist. XV, q. 2, a. 3, qª 2. ad 2; De Verit., q. 12, a. 3, ad 1 sqq.; q. 28, a. 3, ad 6).

O oitavo discute-se assim. ― Parece que o juízo do intelecto não fica impedido, por privação dos sentidos.

1. ― Pois, o superior não depende do inferior. Ora, o juízo do intelecto é superior aos sentidos. Logo, não fica impedido pela privação deles.

2. Demais. ― Silogizar é acto do intelecto. Ora, no sono há privação dos sentidos, como se diz em certa obra; todavia, acontece que alguém, dormindo, silogize. Logo, o juízo do intelecto não fica impedido pela privação dos sentidos.

Mas, em contrário, não se imputam, como pecado, as coisas contrárias, durante o sono, aos costumes lícitos. Ora, tal não se daria se o homem, dormindo tivesse o livre uso da razão e do intelecto. Logo, fica impedido o uso da razão, pela privação dos sentidos.

Como já se disse, o objecto próprio e proporcionado ao nosso intelecto é a natureza da coisa sensível. Ora, não é possível fazer juízo perfeito de uma coisa sem que se conheça tudo o que pertence a tal coisa; e, sobretudo, se se ignorar o termo e o fim do juízo. Pois, o Filósofo diz: como o fim da ciência operativa é a obra, o fim da ciência natural é aquilo que é apreendido sempre e propriamente pelos sentidos. Assim, o ferreiro não procura o conhecimento da faca, senão por causa da operação, que o leva a fazer uma determinada faca; e, semelhantemente, o naturalista não procura conhecer a natureza da pedra e do cavalo, senão para conhecer as razões do que é percebido pelo sentido. Ora, é claro que o ferreiro não poderia formar um juízo perfeito a respeito da faca, se ignorasse como se faz uma faca; e, semelhantemente, o naturalista não poderia fazer um juízo perfeito das causas materiais, se ignorasse os sensíveis. Ora, todas as coisas que inteligimos, no estado da vida presente, nós conhecemo-las por comparação com as coisas sensíveis naturais. Donde, é impossível haver em nós um juízo perfeito do intelecto, durante a privação dos sentidos, pelos quais conhecemos as coisas sensíveis.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― Embora o intelecto seja superior ao sentido, recebe contudo deste, de certo modo, os seus dados; e os seus objectos primeiros e principais fundam-se nos sensíveis. Donde, necessariamente; o juízo do intelecto fica impedido pela privação dos sentidos.

RESPOSTA À SEGUNDA. ― Nos adormecidos, a privação dos sentidos é causada por certas evaporações e fumosidades que se desprendem, como se diz na obra citada. Donde, segundo a disposição de tais evaporações, assim maior ou menor é a privação dos sentidos. E por isso, se for intenso o movimento dos vapores, haverá privação não só dos sentidos, mas também da imaginação, de modo que nenhum fantasma aparecerá; como acontece, principalmente quando alguém começa a dormir depois de muito haver comido e bebido. Se porém, o movimento dos vapores for um pouco remisso, aparecerão os fantasmas, mas disformes e desordenados, como acontece com os febricitantes. Mas se o movimento for ainda mais calmo, aparecerão os fantasmas ordenados, como costuma acontecer, sobretudo, no fim do sono, com os homens sóbrios e dotados de forte imaginação. Se por fim, o movimento dos vapores for módico, não só a imaginação ficará livre, mas também o próprio sentido comum o ficará, em parte; de modo que o homem julga, por vezes, dormindo, que as coisas vistas são sonhos, discernindo, por assim dizer, entre as coisas e as semelhanças delas. Mas por outro lado, o sentido comum permanece ligado; e por isso, embora discirna, das coisas, algumas semelhanças, contudo cai sempre em alguns enganos. Assim pois, do modo pelo qual o sentido e a imaginação ficam livres, no sono, desse mesmo fica livre o juízo do intelecto, não, porém, totalmente, Donde, aqueles que, dormindo, silogizam, quando acordam sempre reconhecemos que, em algo, se enganaram.

Nota: Revisão da tradução para português por ama

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