Tratado sobre a
conservação e o governo das coisas 1
Questão
106: Da iluminação dos anjos.
Questão
107: Da locução dos anjos.
Questão
108: Da ordenação dos anjos por hierarquias e ordens.
Questão
109: Da ordem dos anjos maus.
Questão
110: Do governo dos anjos sobre a criatura corpórea.
Questão
111: Da acção dos anjos sobre os homens.
Questão
112: Da missão dos anjos.
Questão
113: Da guarda dos bons anjos.
Questão
114: Do ataque dos demónios.
Questão
115: Da acção da criatura corpórea.
Questão
116: Se há fado.
Questão
117: Do que respeita a acção do homem.
Questão
118: Da geração da alma humana.
Questão
119: Da propagação do homem quanto ao corpo.
Questão 105: Da mutação das criaturas, por Deus.
Em
seguida devemos tratar do segundo efeito do governo divino, que é a mutação das
criaturas. E primeiro da mutação das criaturas por Deus. Segundo, da mutação de
uma criatura por outra.
Sobre
o primeiro ponto oito artigos se discutem:
Art.
1 — Se Deus pode mover imediatamente a matéria para a forma.
Art.
2 — Se Deus pode mover imediatamente algum corpo.
Art.
3 — Se Deus move imediatamente o intelecto criado.
Art.
4 — Se Deus pode mover a vontade criada.
Art.
5 — Se Deus opera em todo agente.
Art.
6 — Se Deus pode fazer alguma coisa fora da ordem estabelecida para as coisas.
Art.
7 — Se tudo o que Deus faz, fora da ordem natural das coisas, é milagre.
Art.
8 — Se um milagre é maior que outro.
Art. 1 — Se Deus pode
mover imediatamente a matéria para a forma.
O
primeiro discute-se assim. — Parece que Deus não pode mover imediatamente a
matéria para a forma.
1.
Pois, como prova o Filósofo, só a forma de uma determinada matéria pode causar
a forma noutra matéria, porque o semelhante causa o semelhante. Ora, Deus não é
forma de nenhuma matéria. Logo, não pode causar aquela, nesta.
2.
Demais. — Se um agente se refere a muitos termos, não produzirá nenhum deles,
se não for determinado, em relação a um destes, por alguma outra causa; pois,
como diz Aristóteles, a opinião universal não move, senão mediante alguma
apreensão particular. Ora, a virtude divina é a causa universal de todas as
coisas. Logo, não pode produzir nenhuma forma particular, senão mediante algum
agente particular.
3.
Demais. — Assim como o ser existente comum depende da causa primeira universal,
assim, o ser determinado depende de determinadas causas particulares, como
antes já se estabeleceu (q. 104, a. 2). Ora, é a forma própria de
uma coisa que lhe determina a existência. Logo, as formas próprias das coisas
não são produzidas por Deus, senão mediante causas particulares.
Mas,
em contrário, diz a Escritura (Gn 2, 7): Formou o Senhor Deus ao
homem do barro da terra.
Deus pode mover imediatamente a matéria para a forma, porque o ente em
potência passiva pode ser actualizado pela potência ativa que a contém no seu
poder. Estando, pois, a matéria contida no poder divino, como produzida por
Deus, pode ser actualizada pela divina potência. E isto é ser a matéria movida
para a forma, pois, esta não é senão o acto daquela.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Um efeito pode assimilar-se com a causa
agente, de duplo modo; de um, segundo a mesma espécie, assim, o homem é gerado
pelo homem e o fogo, pelo fogo; de outro, pela compreensão virtual, enquanto a
forma do efeito está virtualmente compreendida na causa, e assim os animais gerados
da putrefação, as plantas e os corpos minerais são assimilados ao sol e às
estrelas, por cuja virtude são gerados. Portanto, o efeito se assimila com a
causa agente segundo a extensão total da virtude do agente. Ora, como já ficou
estabelecido (q. 44, a. 2), a virtude de Deus se estende à forma e à
matéria. Donde, o composto gerado é assimilado com Deus pela compreensão
virtual, assim como se assimila com o composto gerador pela semelhança da
espécie. Donde, assim como o composto gerador pode mover a matéria para a
forma, gerando um composto que lhe é semelhante, assim também Deus. Não o pode,
porém, qualquer outra forma existindo sem matéria, porque esta não está contida
na virtude de nenhuma outra substância separada. Por isso os demônios e os
anjos operam sobre as coisas visíveis deste mundo, não, certo, imprimindo
formas, mas aplicando gérmenes corpóreos.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — A objeção procederia se Deus agisse por necessidade de natureza.
Mas, agindo pela vontade e pelo intelecto, que conhece as razões próprias de
todas as formas, e não só as razões universais, pode, determinadamente,
imprimir na matéria esta forma ou aquela outra.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — Mesmo o ordenarem-se as causas segundas para determinados
efeitos, provém-lhes de Deus. Donde, Deus, que ordena as outras causas para
determinados efeitos, pode também produzir estes, por si mesmo.
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