26/07/2012

Tratado sobre o homem 24

Questão 78: Das potências da alma em especial.


Em seguida devem considerar-se as potências da alma em especial. Ao teólogo pertence indagar, especialmente, só das potências intelectivas e apetitivas, susceptíveis de virtude. Mas, como o conhecimento dessas potências depende, de certo modo, das outras, por isso a nossa consideração sobre as potências da alma, em especial, será tripartida. Pois, primeiro, devem-se considerar coisas que servem de preâmbulo ao intelecto. Segundo, as potências intelectivas. Terceiro, as potências apetitivas.

Sobre a primeira questão, quatro artigos se discutem:
Art. 1 ― Se se devem distinguir cinco géneros de potências da alma, a saber: o vegetativo, o sensitivo, o apetitivo, o motivo local e o intelectivo.
Art. 2 ― Se as partes vegetativas estão bem enumeradas assim: a nutritiva, a aumentativa e a geratriz.
Art. 3 ― Se se distinguem convenientemente só cinco sentidos externos.
Art. 4 ― Se os sentidos internos se distinguem convenientemente.

Art. 1 ― Se se devem distinguir cinco géneros de potências da alma, a saber: o vegetativo, o sensitivo, o apetitivo, o motivo local e o intelectivo.

(Supra, q. 16, a. 3; De Verit., q. 10, a. 1, ad 2; Qu. De Anima a. 13; I De Anima, lect. XIV; II, lect. III, V).

O primeiro discute-se assim. ― Parece que não se devem distinguir cinco géneros de potências da alma, a saber: o vegetativo, o sensitivo, o apetitivo, o motivo local e o intelectivo.

1. ― Pois, as potências da alma são consideradas partes da mesma. Ora, em geral, todos lhe admitem só três partes: a alma vegetativa, a sensível e a racional. Logo, só há três géneros de potências e não cinco.

2. Demais. ― As potências da alma são os princípios das operações vitais. Ora, como ensina o Filósofo, pode dizer-se de quatro modos que um ser vive: Embora os modos de viver sejam múltiplos, dizemos que um ser é vivo quando nele exista apenas um desses modos, a saber, o intelecto e os sentidos, o movimento e o repouso locais; e a estes devendo acrescentar-se o movimento alimentar, o de decrescimento e de aumento. Logo, só há quatro géneros de potências da alma, excluindo-se o apetitivo.

3. Demais. ― Ao que é comum a todas as potências não se deve atribuir nenhum género especial de alma. Ora, desejar convém a qualquer das potências da alma; assim, a visão deseja o visível conveniente, dizendo, por isso, a Escritura: A praça do corpo e a beleza do rosto desejará o teu olho; mas a verdura dos campos semeados leva muita vantagem a ambas as coisas. E, do mesmo modo, qualquer outra potência deseja o seu objecto conveniente. Logo, não se deve admitir o apetitivo como género especial das potências da alma.

4. Demais. ― O princípio motor, nos animais, é o sentido ou o intelecto ou o apetite, como já se disse. Logo, não se deve considerar o género motivo, como especial da alma, além dos outros géneros já mencionados.

Mas, em contrário, diz o Filósofo: Consideramos como potências a vegetativa, a sensitiva, a apetitiva, a motiva local e a intelectiva.

São cinco os géneros das potências da alma, já enumerados; mas as almas são três; e os modos de viver, quatro.

E a razão desta diversidade está em se distinguirem diferentes almas segundo os modos diversos pelos quais a operação da alma sobre excede a da natureza corpórea. Pois, esta está totalmente sujeita à alma, e compara-se com ela como matéria e instrumento. ― Ora, há uma operação da alma excedente de tal modo à natureza corpórea, que nem mesmo se exerce por meio de qualquer órgão corpóreo. E tal é a operação da alma racional. ― Há outra inferior a esta, que se realiza pelo órgão, mas não por qualquer qualidade corpórea. E tal é a da alma sensitiva; pois, embora o cálido e o frio, o húmido e o seco, e outras qualidades corpóreas semelhantes sejam necessárias para a operação do sentido, todavia não o são, a ponto tal, que a operação da alma sensível se exerça, mediante a virtude de tais qualidades; sendo elas só necessárias para a devida disposição do órgão. ― Por fim, a operação ínfima da alma é a que exerce pelo órgão corpóreo e em virtude de qualidade corpórea. Mas, ainda assim, sobre excede a operação da natureza corpórea; pois, ao passo que as moções dos corpos procedem de um princípio exterior, tais operações procedem de um intrínseco, o que é comum a todas as operações da alma, porquanto, todo o ser animado move-se, de certo modo, a si mesmo. E tal é a operação da alma vegetativa; assim, a digestão, e tudo o que dela resulta, realiza-se instrumentalmente pela acção do calor, como já se disse.

Quanto aos géneros das potências da alma, eles se distinguem pelos objetos. Pois, quanto mais elevada for a potência, tanto mais universal será o seu objecto, como já antes se disse. Ora, o objecto da operação da alma pode ser encarado sob tríplice ordem. ― Há uma potência que tem por objecto o corpo somente, unido à alma. E este género de potências se chama vegetativo; pois, a potência vegetativa só pode agir no corpo unido à alma. ― Há, porém outro género de potências que visa um objecto mais universal, a saber, todo o corpo sensível, e não só o corpo unido à alma. ― Há, por fim, outro género, que visa um objecto ainda mais universal e é, não só o corpo sensível, mas todo ente, universalmente. ― Por onde se vê, que estes dois últimos géneros de potências exercem operação relativa, não só a uma coisa conjunta, mas também a uma coisa extrínseca. Como porém é necessário que o ser activo esteja ligado, de certo modo, ao seu objecto, em relação ao qual opera, necessário é que a coisa extrínseca, objecto da operação da alma, se compare com esta por dois aspectos da sua natureza. ― De um modo, por lhe ser natural estar unida à alma e nesta estar pela sua semelhança. E, sob este aspecto, há dois géneros de potências: o sensitivo, relativo ao objecto menos comum, que é o corpo sensível; e o intelectivo, relativo ao objecto comuníssimo, que é o ente universal. ― De outro modo, porém, enquanto a própria alma se inclina e tende para a coisa exterior. E ainda, a esta luz, há dois géneros de potências: o apetitivo, pelo qual a alma está para a coisa extrínseca como fim, que é primeiro na intenção; e outro, o motivo local, enquanto a alma está para a coisa exterior como para o termo da operação e do movimento; assim, todo animal se move para conseguir a coisa intencionalmente desejada.

Quanto aos modos de viver, distinguem-se pelos graus dos viventes. ― Assim, há certos viventes, como as plantas, em que só há o modo vegetativo. ― Outros há, porém, nos quais, com o vegetativo existe também o sensitivo, não, porém, o motivo local; assim, os animais imóveis, como as conchas. ― Outros ainda, além disso, têm o motivo local; assim, os animais perfeitos que, precisando de muitas coisas necessárias à vida, precisam por isso do movimento para poderem procurá-las, colocadas que estão à distância. ― Outros viventes há, por fim, como os homens, nos quais, além desses, há o modo intelectivo. Quanto ao apetitivo, esse não constitui nenhum grau de vivência porque todos os que têm sentido também têm apetite, como já se disse.

E, por aqui, se resolvem as DUAS PRIMEIRAS OBJEÇÕES.

RESPOSTA À TERCEIRA. ― Apetite natural é a inclinação natural de um ser para alguma coisa. Por onde, toda potência deseja, por apetite natural, o que lhe é conveniente. Mas o apetite animal resulta da forma apreendida e supõe uma potência especial da alma, não bastando só a apreensão. Pois, a coisa desejada é-o como naturalmente existe; ela não está porém desse modo na virtude apreensiva, mas só por semelhança. Por onde é claro, que a visão deseja naturalmente o visível, só para realizar o seu acto que é ver. O animal, porém, deseja a coisa vista, pela virtude apetitiva, não só para vê-la, mas também para outros usos. Pois, se a alma não precisasse das coisas percebidas pelo sentido senão por causa dos actos dos sentidos, a saber, para que as sentisse, não seria necessário considerar o apetitivo como um género especial, entre as potências da alma, porque bastaria o apetite natural das potências.

RESPOSTA À QUARTA. ― Embora o sentido e o apetite sejam princípios motores, nos animais perfeitos, contudo, como sentidos, não bastam para mover, se não se lhes acrescentar alguma virtude. Pois, embora os animais imóveis tenham sentido e apetite, não têm, contudo, a virtude motora. Ora, esta não só está no apetite e no sentido, como ordenadora do movimento, mas também está nas próprias partes do corpo, para que sejam aptas a obedecer ao apetite da alma motiva. E a prova está em que, quando os membros são privados da sua disposição natural, não obedecem à tendência para o movimento.

Nota: Revisão da tradução para português por ama

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