Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
Para ver, clicar SFF.
Evangelho: Mc 2, 23-28; 3, 1-12
Para ver, clicar SFF.
Evangelho: Mc 2, 23-28; 3, 1-12
23 Sucedeu também que,
caminhando Jesus em dia de sábado, por entre campos de trigo, os discípulos
começaram a colher espigas, enquanto caminhavam. 24 Os fariseus
diziam-Lhe: «Como é que fazem ao sábado o que não é permitido?». 25
Ele respondeu: «Nunca lestes o que fez David, quando se viu necessitado, e teve
fome, ele e os que com ele estavam? 26 Como entrou na casa de Deus,
sendo sumo sacerdote Abiatar, e comeu os pães da proposição, dos quais não era
permitido comer, senão aos sacerdotes, e deu também aos que o acompanhavam?». 27
E acrescentou: «O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado. 28
Por isso o Filho do Homem é Senhor também do sábado».
3 1 Novamente entrou
Jesus na sinagoga, e encontrava-se lá um homem que tinha uma das mãos
atrofiada. 2 Observavam-n'O a ver se curaria em dia de sábado, para
O acusarem. 3 Jesus disse ao homem que tinha a mão atrofiada: «Vem
para o meio». 4 Depois disse-lhes: «É lícito em dia de sábado fazer
bem ou fazer mal? Salvar a vida a uma pessoa ou tirá-la?». Eles, porém,
calaram-se. 5 Então olhando-os com indignação, contristado da
cegueira de seus corações, disse ao homem: «Estende a tua mão». Ele estendeu-a,
e a mão ficou curada. 6 Mas os fariseus, retirando-se, reuniram-se
logo em conselho com os herodianos contra Ele para ver como O haviam de matar. 7
Jesus retirou-Se com Seus discípulos para o mar, e segiu-O uma grande multidão
do povo da Galileia; também da Judeia, 8 de Jerusalém, da Idumeia,
da Transjordânia e das vizinhanças de Tiro e de Sidónia, tendo ouvido as coisas
que fazia, foram em grande multidão ter com Ele. 9 Mandou aos Seus
discípulos que Lhe aprontassem uma barca para que a multidão não O apertasse. 10
Porque, como curava muitos, todos os que padeciam algum mal lançavam-se sobre
Ele para O tocarem. 11 E os espíritos imundos, quando O viam,
prostravam-se diante d'Ele e gritavam: «Tu és o Filho de Deus». 12
Mas Ele ordenava-lhes com severidade que não O manifestassem.
CARTA APOSTÓLICA
SOB FORMA DE MOTU PROPRIO
PORTA FIDEI
DO SUMO PONTÍFICE
BENTO XVI
COM A QUAL SE PROCLAMA O ANO DA FÉ
1. A PORTA DA FÉ (cf. Act 14, 27), que introduz na vida de
comunhão com Deus e permite a entrada na sua Igreja, está sempre aberta para
nós. É possível cruzar este limiar, quando a Palavra de Deus é anunciada e o
coração se deixa plasmar pela graça que transforma. Atravessar esta porta
implica embrenhar-se num caminho que dura a vida inteira. Este caminho tem
início no Baptismo (cf. Rm 6, 4), pelo qual podemos dirigir-nos a
Deus com o nome de Pai, e está concluído com a passagem através da morte para a
vida eterna, fruto da ressurreição do Senhor Jesus, que, com o dom do Espírito
Santo, quis fazer participantes da sua própria glória quantos crêem n’Ele (cf.
Jo 17, 22). Professar a fé na Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo –
equivale a crer num só Deus que é Amor (cf. 1 Jo 4, 8): o Pai, que
na plenitude dos tempos enviou seu Filho para a nossa salvação; Jesus Cristo,
que redimiu o mundo no mistério da sua morte e ressurreição; o Espírito Santo,
que guia a Igreja através dos séculos enquanto aguarda o regresso glorioso do
Senhor.
2. Desde o princípio do meu
ministério como Sucessor de Pedro, lembrei a necessidade de redescobrir o
caminho da fé para fazer brilhar, com evidência sempre maior, a alegria e o
renovado entusiasmo do encontro com Cristo. Durante a homilia da Santa Missa no
início do pontificado, disse: «A Igreja no seu conjunto, e os Pastores nela,
como Cristo devem pôr-se a caminho para conduzir os homens fora do deserto,
para lugares da vida, da amizade com o Filho de Deus, para Aquele que dá a
vida, a vida em plenitude» [1]. Sucede não poucas vezes
que os cristãos sintam maior preocupação com as consequências sociais,
culturais e políticas da fé do que com a própria fé, considerando esta como um
pressuposto óbvio da sua vida diária. Ora um tal pressuposto não só deixou de
existir, mas frequentemente acaba até negado. [2] Enquanto, no passado, era
possível reconhecer um tecido cultural unitário, amplamente compartilhado no
seu apelo aos conteúdos da fé e aos valores por ela inspirados, hoje parece que
já não é assim em grandes sectores da sociedade devido a uma profunda crise de
fé que atingiu muitas pessoas.
3. Não podemos aceitar que o
sal se torne insípido e a luz fique escondida (cf. Mt 5, 13-16).
Também o homem contemporâneo pode sentir de novo a necessidade de ir como a
samaritana ao poço, para ouvir Jesus que convida a crer n’Ele e a beber na sua
fonte, donde jorra água viva (cf. Jo 4, 14). Devemos readquirir o
gosto de nos alimentarmos da Palavra de Deus, transmitida fielmente pela
Igreja, e do Pão da vida, oferecidos como sustento de quantos são seus discípulos
(cf. Jo 6, 51). De facto, em nossos dias ressoa ainda, com a mesma
força, este ensinamento de Jesus: «Trabalhai, não pelo alimento que desaparece,
mas pelo alimento que perdura e dá a vida eterna» (Jo 6, 27). E a
questão, então posta por aqueles que O escutavam, é a mesma que colocamos nós
também hoje: «Que havemos nós de fazer para realizar as obras de Deus?» (Jo
6, 28). Conhecemos a resposta de Jesus: «A obra de Deus é esta: crer
n’Aquele que Ele enviou» (Jo 6, 29). Por isso, crer em Jesus Cristo
é o caminho para se poder chegar definitivamente à salvação.
4. À luz de tudo isto,
decidi proclamar um Ano da Fé. Este terá início a 11 de Outubro de 2012, no
cinquentenário da abertura do Concílio
Vaticano II, e terminará na Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do
Universo, a 24 de Novembro de 2013. Na referida data de 11 de Outubro de 2012,
completar-se-ão também vinte anos da publicação do Catecismo da Igreja Católica, texto promulgado pelo meu Predecessor,
o Beato Papa João Paulo II, [3] com o objectivo de ilustrar
a todos os fiéis a força e a beleza da fé. Esta obra, verdadeiro fruto do Concílio Vaticano II, foi desejada pelo
Sínodo Extraordinário dos Bispos de 1985 como instrumento ao serviço da
catequese [4] e foi realizado com a
colaboração de todo o episcopado da Igreja Católica. E uma Assembleia Geral do
Sínodo dos Bispos foi convocada por mim, precisamente para o mês de Outubro de
2012, tendo por tema A nova evangelização para a transmissão da fé cristã. Será
uma ocasião propícia para introduzir o complexo eclesial inteiro num tempo de
particular reflexão e redescoberta da fé. Não é a primeira vez que a Igreja é
chamada a celebrar um Ano da Fé. O
meu venerado Predecessor, o Servo de Deus Paulo VI, proclamou um ano
semelhante, em 1967, para comemorar o martírio dos apóstolos Pedro e Paulo no
décimo nono centenário do seu supremo testemunho. Idealizou-o como um momento
solene, para que houvesse, em toda a Igreja, «uma autêntica e sincera profissão
da mesma fé»; quis ainda que esta fosse confirmada de maneira «individual e
colectiva, livre e consciente, interior e exterior, humilde e franca». [5] Pensava que a Igreja
poderia assim retomar «exacta consciência da sua fé para a reavivar, purificar,
confirmar, confessar». [6] As grandes convulsões, que se
verificaram naquele Ano, tornaram ainda mais evidente a necessidade duma tal
celebração. Esta terminou com a Profissão de Fé do Povo de Deus, [7] para atestar como os
conteúdos essenciais, que há séculos constituem o património de todos os
crentes, necessitam de ser confirmados, compreendidos e aprofundados de maneira
sempre nova para se dar testemunho coerente deles em condições históricas
diversas das do passado.
5. Sob alguns aspectos, o
meu venerado Predecessor viu este Ano como uma «consequência e exigência
pós-conciliar» [8], bem ciente das graves
dificuldades daquele tempo sobretudo no que se referia à profissão da
verdadeira fé e da sua recta interpretação. Pareceu-me que fazer coincidir o
início do Ano da Fé com o cinquentenário da abertura do Concílio Vaticano II poderia ser uma ocasião propícia para compreender
que os textos deixados em herança pelos Padres Conciliares, segundo as palavras
do Beato João Paulo II, «não perdem o seu valor nem a sua beleza. É necessário
fazê-los ler de forma tal que possam ser conhecidos e assimilados como textos
qualificados e normativos do Magistério, no âmbito da Tradição da Igreja. Sinto
hoje ainda mais intensamente o dever de indicar o Concílio como a grande graça
de que beneficiou a Igreja no século XX: nele se encontra uma bússola segura
para nos orientar no caminho do século que começa». [9] Quero aqui repetir com
veemência as palavras que disse a propósito do Concílio poucos meses depois da
minha eleição para Sucessor de Pedro: «Se o lermos e recebermos guiados por uma
justa hermenêutica, o Concílio pode ser e tornar-se cada vez mais uma grande
força para a renovação sempre necessária da Igreja». [10]
6. A renovação da Igreja
realiza-se também através do testemunho prestado pela vida dos crentes: de
facto, os cristãos são chamados a fazer brilhar, com a sua própria vida no
mundo, a Palavra de verdade que o Senhor Jesus nos deixou. O próprio Concílio, na Constituição dogmática Lumen gentium, afirma: «Enquanto Cristo
“santo, inocente, imaculado” (Heb 7, 26), não conheceu o pecado (cf.
2 Cor 5, 21), mas veio apenas expiar os pecados do povo (cf. Heb 2,
17), a Igreja, contendo pecadores no seu próprio seio, simultaneamente
santa e sempre necessitada de purificação, exercita continuamente a penitência
e a renovação. A Igreja “prossegue a sua peregrinação no meio das perseguições
do mundo e das consolações de Deus”, anunciando a cruz e a morte do Senhor até
que Ele venha (cf. 1 Cor 11, 26). Mas é robustecida pela força do
Senhor ressuscitado, de modo a vencer, pela paciência e pela caridade, as suas
aflições e dificuldades tanto internas como externas, e a revelar, velada mas
fielmente, o seu mistério, até que por fim se manifeste em plena luz». [11]
Nesta perspectiva, o Ano da Fé é convite para uma autêntica
e renovada conversão ao Senhor, único Salvador do mundo. No mistério da sua
morte e ressurreição, Deus revelou plenamente o Amor que salva e chama os
homens à conversão de vida por meio da remissão dos pecados (cf. Act 5,
31). Para o apóstolo Paulo, este amor introduz o homem numa vida nova:
«Pelo Baptismo fomos sepultados com Ele na morte, para que, tal como Cristo foi
ressuscitado de entre os mortos pela glória do Pai, também nós caminhemos numa
vida nova» (Rm 6, 4). Em virtude da fé, esta vida nova plasma toda a
existência humana segundo a novidade radical da ressurreição. Na medida da sua
livre disponibilidade, os pensamentos e os afectos, a mentalidade e o
comportamento do homem vão sendo pouco a pouco purificados e transformados, ao
longo de um itinerário jamais completamente terminado nesta vida. A «fé, que
actua pelo amor» (Gl 5, 6), torna-se um novo critério de
entendimento e de acção, que muda toda a vida do homem (cf. Rm 12, 2; Cl
3, 9-10; Ef 4, 20-29; 2 Cor 5, 17).
7. «Caritas Christi urget
nos – o amor de Cristo nos impele» (2 Cor 5, 14): é o amor de Cristo
que enche os nossos corações e nos impele a evangelizar. Hoje, como outrora,
Ele envia-nos pelas estradas do mundo para proclamar o seu Evangelho a todos os
povos da terra (cf. Mt 28, 19). Com o seu amor, Jesus Cristo atrai a
Si os homens de cada geração: em todo o tempo, Ele convoca a Igreja
confiando-lhe o anúncio do Evangelho, com um mandato que é sempre novo. Por
isso, também hoje é necessário um empenho eclesial mais convicto a favor duma
nova evangelização, para descobrir de novo a alegria de crer e reencontrar o
entusiasmo de comunicar a fé. Na descoberta diária do seu amor, ganha força e
vigor o compromisso missionário dos crentes, que jamais pode faltar. Com
efeito, a fé cresce quando é vivida como experiência de um amor recebido e é
comunicada como experiência de graça e de alegria. A fé torna-nos fecundos,
porque alarga o coração com a esperança e permite oferecer um testemunho que é
capaz de gerar: de facto, abre o coração e a mente dos ouvintes para acolherem
o convite do Senhor a aderir à sua Palavra a fim de se tornarem seus
discípulos. Os crentes – atesta Santo Agostinho – «fortificam-se acreditando». [12] O Santo Bispo de Hipona
tinha boas razões para falar assim. Como sabemos, a sua vida foi uma busca
contínua da beleza da fé enquanto o seu coração não encontrou descanso em Deus.
[13] Os seus numerosos escritos,
onde se explica a importância de crer e a verdade da fé, permaneceram até aos
nossos dias como um património de riqueza incomparável e consentem ainda que
tantas pessoas à procura de Deus encontrem o justo percurso para chegar à
«porta da fé».
Por conseguinte, só
acreditando é que a fé cresce e se revigora; não há outra possibilidade de
adquirir certeza sobre a própria vida, senão abandonar-se progressivamente nas
mãos de um amor que se experimenta cada vez maior porque tem a sua origem em
Deus.
8. Nesta feliz ocorrência,
pretendo convidar os Irmãos Bispos de todo o mundo para que se unam ao Sucessor
de Pedro, no tempo de graça espiritual que o Senhor nos oferece, a fim de
comemorar o dom precioso da fé. Queremos celebrar este Ano de forma digna e
fecunda. Deverá intensificar-se a reflexão sobre a fé, para ajudar todos os
crentes em Cristo a tornarem mais consciente e revigorarem a sua adesão ao
Evangelho, sobretudo num momento de profunda mudança como este que a humanidade
está a viver. Teremos oportunidade de confessar a fé no Senhor Ressuscitado nas
nossas catedrais e nas igrejas do mundo inteiro, nas nossas casas e no meio das
nossas famílias, para que cada um sinta fortemente a exigência de conhecer
melhor e de transmitir às gerações futuras a fé de sempre. Neste Ano, tanto as
comunidades religiosas como as comunidades paroquiais e todas as realidades
eclesiais, antigas e novas, encontrarão forma de fazer publicamente profissão
do Credo.
9. Desejamos que este Ano
suscite, em cada crente, o anseio de confessar a fé plenamente e com renovada
convicção, com confiança e esperança. Será uma ocasião propícia também para
intensificar a celebração da fé na liturgia, particularmente na Eucaristia, que
é «a meta para a qual se encaminha a acção da Igreja e a fonte de onde promana
toda a sua força». [14] Simultaneamente esperamos
que o testemunho de vida dos crentes cresça na sua credibilidade. Descobrir novamente
os conteúdos da fé professada, celebrada, vivida e rezada [15] e reflectir sobre o próprio
acto com que se crê, é um compromisso que cada crente deve assumir, sobretudo
neste Ano.
Não foi sem razão que, nos
primeiros séculos, os cristãos eram obrigados a aprender de memória o Credo. É
que este servia-lhes de oração diária, para não esquecerem o compromisso
assumido com o Baptismo. Recorda-o, com palavras densas de significado, Santo
Agostinho quando afirma numa homilia sobre a redditio symboli (a entrega do
Credo): «O símbolo do santo mistério, que recebestes todos juntos e que hoje
proferistes um a um, reúne as palavras sobre as quais está edificada com
solidez a fé da Igreja, nossa Mãe, apoiada no alicerce seguro que é Cristo
Senhor. E vós recebeste-lo e proferiste-lo, mas deveis tê-lo sempre presente na
mente e no coração, deveis repeti-lo nos vossos leitos, pensar nele nas praças
e não o esquecer durante as refeições; e, mesmo quando o corpo dorme, o vosso
coração continue de vigília por ele». [16]
10. Queria agora delinear um
percurso que ajude a compreender de maneira mais profunda os conteúdos da fé e,
juntamente com eles, também o acto pelo qual decidimos, com plena liberdade,
entregar-nos totalmente a Deus. De facto, existe uma unidade profunda entre o
acto com que se crê e os conteúdos a que damos o nosso assentimento. O apóstolo
Paulo permite entrar dentro desta realidade quando escreve: «Acredita-se com o
coração e, com a boca, faz-se a profissão de fé» (Rm 10, 10). O
coração indica que o primeiro acto, pelo qual se chega à fé, é dom de Deus e
acção da graça que age e transforma a pessoa até ao mais íntimo dela própria.
A este respeito é muito
eloquente o exemplo de Lídia. Narra São Lucas que o apóstolo Paulo,
encontrando-se em Filipos, num sábado foi anunciar o Evangelho a algumas
mulheres; entre elas, estava Lídia. «O Senhor abriu-lhe o coração para aderir
ao que Paulo dizia» (Act 16, 14). O sentido contido na expressão é
importante. São Lucas ensina que o conhecimento dos conteúdos que se deve
acreditar não é suficiente, se depois o coração – autêntico sacrário da pessoa
– não for aberto pela graça, que consente ter olhos para ver em profundidade e
compreender que o que foi anunciado é a Palavra de Deus.
Por sua vez, o professar com
a boca indica que a fé implica um testemunho e um compromisso públicos. O
cristão não pode jamais pensar que o crer seja um facto privado. A fé é decidir
estar com o Senhor, para viver com Ele. E este «estar com Ele» introduz na compreensão
das razões pelas quais se acredita. A fé, precisamente porque é um acto da
liberdade, exige também assumir a responsabilidade social daquilo que se
acredita. No dia de Pentecostes, a Igreja manifesta, com toda a clareza, esta
dimensão pública do crer e do anunciar sem temor a própria fé a toda a gente. É
o dom do Espírito Santo que prepara para a missão e fortalece o nosso
testemunho, tornando-o franco e corajoso.
A própria profissão da fé é
um acto simultaneamente pessoal e comunitário. De facto, o primeiro sujeito da
fé é a Igreja. É na fé da comunidade cristã que cada um recebe o Baptismo,
sinal eficaz da entrada no povo dos crentes para obter a salvação. Como atesta
o Catecismo da Igreja Católica, «“Eu
creio”: é a fé da Igreja, professada pessoalmente por cada crente, principalmente
por ocasião do Baptismo. “Nós cremos”: é a fé da Igreja, confessada pelos
bispos reunidos em Concílio ou, de
modo mais geral, pela assembleia litúrgica dos crentes. “Eu creio”: é também a
Igreja, nossa Mãe, que responde a Deus pela sua fé e nos ensina a dizer: “Eu
creio”, “Nós cremos”». [17]
Como se pode notar, o
conhecimento dos conteúdos de fé é essencial para se dar o próprio
assentimento, isto é, para aderir plenamente com a inteligência e a vontade a
quanto é proposto pela Igreja. O conhecimento da fé introduz na totalidade do
mistério salvífico revelado por Deus. Por isso, o assentimento prestado implica
que, quando se acredita, se aceita livremente todo o mistério da fé, porque o
garante da sua verdade é o próprio Deus, que Se revela e permite conhecer o seu
mistério de amor. [18]
Por outro lado, não podemos
esquecer que, no nosso contexto cultural, há muitas pessoas que, embora não
reconhecendo em si mesmas o dom da fé, todavia vivem uma busca sincera do
sentido último e da verdade definitiva acerca da sua existência e do mundo.
Esta busca é um verdadeiro «preâmbulo» da fé, porque move as pessoas pela
estrada que conduz ao mistério de Deus. De facto, a própria razão do homem traz
inscrita em si mesma a exigência «daquilo que vale e permanece sempre». [19] Esta exigência constitui um
convite permanente, inscrito indelevelmente no coração humano, para caminhar ao
encontro d’Aquele que não teríamos procurado se Ele mesmo não tivesse já vindo
ao nosso encontro. [20] É precisamente a este
encontro que nos convida e abre plenamente a fé.
11. Para chegar a um
conhecimento sistemático da fé, todos podem encontrar um subsídio precioso e
indispensável no Catecismo da Igreja Católica. Este constitui um dos frutos
mais importantes do Concílio Vaticano II.
Na Constituição apostólica Fidei
depositum – não sem razão assinada na passagem do trigésimo aniversário da
abertura do Concílio Vaticano II – o
Beato João Paulo II escrevia: «Este catecismo dará um contributo muito
importante à obra de renovação de toda a vida eclesial (...). Declaro-o norma
segura para o ensino da fé e, por isso, instrumento válido e legítimo ao
serviço da comunhão eclesial». [21]
É precisamente nesta linha
que o Ano da Fé deverá exprimir um
esforço generalizado em prol da redescoberta e do estudo dos conteúdos
fundamentais da fé, que têm no Catecismo da Igreja Católica a sua síntese
sistemática e orgânica. Nele, de facto, sobressai a riqueza de doutrina que a
Igreja acolheu, guardou e ofereceu durante os seus dois mil anos de história.
Desde a Sagrada Escritura aos Padres da Igreja, desde os Mestres de teologia
aos Santos que atravessaram os séculos, o Catecismo oferece uma memória
permanente dos inúmeros modos em que a Igreja meditou sobre a fé e progrediu na
doutrina para dar certeza aos crentes na sua vida de fé.
Na sua própria estrutura, o Catecismo da Igreja Católica apresenta o
desenvolvimento da fé até chegar aos grandes temas da vida diária. Repassando
as páginas, descobre-se que o que ali se apresenta não é uma teoria, mas o
encontro com uma Pessoa que vive na Igreja. Na verdade, a seguir à profissão de
fé, vem a explicação da vida sacramental, na qual Cristo está presente e
operante, continuando a construir a sua Igreja. Sem a liturgia e os
sacramentos, a profissão de fé não seria eficaz, porque faltaria a graça que
sustenta o testemunho dos cristãos. Na mesma linha, a doutrina do Catecismo
sobre a vida moral adquire todo o seu significado, se for colocada em relação
com a fé, a liturgia e a oração.
12. Assim, no Ano em
questão, o Catecismo da Igreja Católica
poderá ser um verdadeiro instrumento de apoio da fé, sobretudo para quantos têm
a peito a formação dos cristãos, tão determinante no nosso contexto cultural.
Com tal finalidade, convidei a Congregação
para a Doutrina da Fé a redigir, de comum acordo com os competentes
Organismos da Santa Sé, uma Nota, através da qual se ofereçam à Igreja e aos
crentes algumas indicações para viver, nos moldes mais eficazes e apropriados,
este Ano da Fé ao serviço do crer e do evangelizar.
De facto, em nossos dias
mais do que no passado, a fé vê-se sujeita a uma série de interrogativos, que
provêm duma diversa mentalidade que, hoje de uma forma particular, reduz o
âmbito das certezas racionais ao das conquistas científicas e tecnológicas.
Mas, a Igreja nunca teve medo de mostrar que não é possível haver qualquer conflito
entre fé e ciência autêntica, porque ambas, embora por caminhos diferentes,
tendem para a verdade. [22]
13. Será decisivo repassar,
durante este Ano, a história da nossa fé, que faz ver o mistério insondável da
santidade entrelaçada com o pecado. Enquanto a primeira põe em evidência a
grande contribuição que homens e mulheres prestaram para o crescimento e o
progresso da comunidade com o testemunho da sua vida, o segundo deve provocar
em todos uma sincera e contínua obra de conversão para experimentar a
misericórdia do Pai, que vem ao encontro de todos.
Ao longo deste tempo,
manteremos o olhar fixo sobre Jesus Cristo, «autor e consumador da fé» (Heb
12, 2): n’Ele encontra plena realização toda a ânsia e anélito do coração
humano. A alegria do amor, a resposta ao drama da tribulação e do sofrimento, a
força do perdão face à ofensa recebida e a vitória da vida sobre o vazio da
morte, tudo isto encontra plena realização no mistério da sua Encarnação, do
seu fazer-Se homem, do partilhar connosco a fragilidade humana para a
transformar com a força da sua ressurreição. N’Ele, morto e ressuscitado para a
nossa salvação, encontram plena luz os exemplos de fé que marcaram estes dois
mil anos da nossa história de salvação.
Pela fé, Maria acolheu a
palavra do Anjo e acreditou no anúncio de que seria Mãe de Deus na obediência
da sua dedicação (cf. Lc 1, 38). Ao visitar Isabel, elevou o seu
cântico de louvor ao Altíssimo pelas maravilhas que realizava em quantos a Ele
se confiavam (cf. Lc 1, 46-55). Com alegria e trepidação, deu à luz
o seu Filho unigénito, mantendo intacta a sua virgindade (cf. Lc 2, 6-7).
Confiando em José, seu Esposo, levou Jesus para o Egipto a fim de O salvar da
perseguição de Herodes (cf. Mt 2, 13-15). Com a mesma fé, seguiu o
Senhor na sua pregação e permaneceu a seu lado mesmo no Gólgota (cf. Jo
19, 25-27). Com fé, Maria saboreou os frutos da ressurreição de Jesus e,
conservando no coração a memória de tudo (cf. Lc 2, 19.51), transmitiu-a
aos Doze reunidos com Ela no Cenáculo para receberem o Espírito Santo (cf.
Act 1, 14; 2, 1-4).
Pela fé, os Apóstolos
deixaram tudo para seguir o Mestre (cf. Mc 10, 28). Acreditaram nas
palavras com que Ele anunciava o Reino de Deus presente e realizado na Sua
Pessoa (cf. Lc 11, 20). Viveram em comunhão de vida com Jesus, que
os instruía com a sua doutrina, deixando-lhes uma nova regra de vida pela qual
haveriam de ser reconhecidos como seus discípulos depois da morte d’Ele (cf.
Jo 13, 34-35). Pela fé, foram pelo mundo inteiro, obedecendo ao mandato
de levar o Evangelho a toda a criatura (cf. Mc 16, 15) e, sem temor
algum, anunciaram a todos a alegria da ressurreição, de que foram fiéis
testemunhas.
Pela fé, os discípulos
formaram a primeira comunidade reunida à volta do ensino dos Apóstolos, na
oração, na celebração da Eucaristia, pondo em comum aquilo que possuíam para
acudir às necessidades dos irmãos (cf. Act 2, 42-47).
Pela fé, os mártires deram a
sua vida para testemunhar a verdade do Evangelho que os transformara,
tornando-os capazes de chegar até ao dom maior do amor com o perdão dos seus
próprios perseguidores.
Pela fé, homens e mulheres
consagraram a sua vida a Cristo, deixando tudo para viver em simplicidade
evangélica a obediência, a pobreza e a castidade, sinais concretos de quem
aguarda o Senhor, que não tarda a vir. Pela fé, muitos cristãos se fizeram
promotores de uma acção em prol da justiça, para tornar palpável a palavra do
Senhor, que veio anunciar a libertação da opressão e um ano de graça para todos
(cf. Lc 4, 18-19).
Pela fé, no decurso dos
séculos, homens e mulheres de todas as idades, cujo nome está escrito no Livro
da vida (cf. Ap 7, 9; 13, 8), confessaram a beleza de seguir o
Senhor Jesus nos lugares onde eram chamados a dar testemunho do seu ser
cristão: na família, na profissão, na vida pública, no exercício dos carismas e
ministérios a que foram chamados.
Pela fé, vivemos também nós,
reconhecendo o Senhor Jesus vivo e presente na nossa vida e na história.
14. O Ano da Fé será uma ocasião propícia também para intensificar o
testemunho da caridade. Recorda São Paulo: «Agora permanecem estas três coisas:
a fé, a esperança e a caridade; mas a maior de todas é a caridade» (1 Cor
13, 13). Com palavras ainda mais incisivas – que não cessam de empenhar
os cristãos –, afirmava o apóstolo Tiago: «De que aproveita, irmãos, que alguém
diga que tem fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo? Se um
irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem de alimento quotidiano, e um de
vós lhes disser: “Ide em paz, tratai de vos aquecer e de matar a fome”, mas não
lhes dais o que é necessário ao corpo, de que lhes aproveitará? Assim também a
fé: se ela não tiver obras, está completamente morta. Mais ainda! Poderá alguém
alegar sensatamente: “Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me então a tua
fé sem obras, que eu, pelas minhas obras, te mostrarei a minha fé”» (Tg 2,
14-18).
A fé sem a caridade não dá
fruto, e a caridade sem a fé seria um sentimento constantemente à mercê da
dúvida. Fé e caridade reclamam-se mutuamente, de tal modo que uma consente à
outra realizar o seu caminho. De facto, não poucos cristãos dedicam
amorosamente a sua vida a quem vive sozinho, marginalizado ou excluído,
considerando-o como o primeiro a quem atender e o mais importante a socorrer,
porque é precisamente nele que se espelha o próprio rosto de Cristo. Em virtude
da fé, podemos reconhecer naqueles que pedem o nosso amor o rosto do Senhor
ressuscitado. «Sempre que fizestes isto a um dos meus irmãos mais pequeninos, a
Mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40): estas palavras de Jesus são uma advertência
que não se deve esquecer e um convite perene a devolvermos aquele amor com que
Ele cuida de nós. É a fé que permite reconhecer Cristo, e é o seu próprio amor
que impele a socorrê-Lo sempre que Se faz próximo nosso no caminho da vida.
Sustentados pela fé, olhamos com esperança o nosso serviço no mundo, aguardando
«novos céus e uma nova terra, onde habite a justiça» (2 Ped 3, 13; cf. Ap
21, 1).
15. Já no termo da sua vida,
o apóstolo Paulo pede ao discípulo Timóteo que «procure a fé» (cf. 2 Tm 2,
22) com a mesma constância de quando era novo (cf. 2 Tm 3, 15).
Sintamos este convite dirigido a cada um de nós, para que ninguém se torne
indolente na fé. Esta é companheira de vida, que permite perceber, com um olhar
sempre novo, as maravilhas que Deus realiza por nós. Solícita a identificar os
sinais dos tempos no hoje da história, a fé obriga cada um de nós a tornar-se
sinal vivo da presença do Ressuscitado no mundo. Aquilo de que o mundo tem hoje
particular necessidade é o testemunho credível de quantos, iluminados na mente
e no coração pela Palavra do Senhor, são capazes de abrir o coração e a mente
de muitos outros ao desejo de Deus e da vida verdadeira, aquela que não tem
fim.
Que «a Palavra do Senhor
avance e seja glorificada» (2 Ts 3, 1)! Possa este Ano da Fé tornar
cada vez mais firme a relação com Cristo Senhor, dado que só n’Ele temos a
certeza para olhar o futuro e a garantia dum amor autêntico e duradouro. As
seguintes palavras do apóstolo Pedro lançam um último jorro de luz sobre a fé:
«É por isso que exultais de alegria, se bem que, por algum tempo, tenhais de
andar aflitos por diversas provações; deste modo, a qualidade genuína da vossa
fé – muito mais preciosa do que o ouro perecível, por certo também provado pelo
fogo – será achada digna de louvor, de glória e de honra, na altura da
manifestação de Jesus Cristo. Sem O terdes visto, vós O amais; sem O ver ainda,
credes n’Ele e vos alegrais com uma alegria indescritível e irradiante,
alcançando assim a meta da vossa fé: a salvação das almas» (1 Ped 1, 6-9).
A vida dos cristãos conhece a experiência da alegria e a do sofrimento. Quantos
Santos viveram na solidão! Quantos crentes, mesmo em nossos dias, provados pelo
silêncio de Deus, cuja voz consoladora queriam ouvir! As provas da vida, ao
mesmo tempo que permitem compreender o mistério da Cruz e participar nos
sofrimentos de Cristo (cf. Cl 1, 24), são prelúdio da alegria e da
esperança a que a fé conduz: «Quando sou fraco, então é que sou forte» (2
Cor 12, 10). Com firme certeza, acreditamos que o Senhor Jesus derrotou o
mal e a morte. Com esta confiança segura, confiamo-nos a Ele: Ele, presente no
meio de nós, vence o poder do maligno (cf. Lc 11, 20); e a Igreja,
comunidade visível da sua misericórdia, permanece n’Ele como sinal da
reconciliação definitiva com o Pai.
À Mãe de Deus, proclamada
«feliz porque acreditou» (cf. Lc 1, 45), confiamos este tempo de
graça.
Dado em Roma, junto de São Pedro, no
dia 11 de Outubro do ano 2011, sétimo de Pontificado.
BENEDICTUS PP. XVI
© Copyright 2011 - Libreria Editrice
Vaticana
Nota: Revisão da tradução portuguesa por AMA
[1] Homilia no início do ministério
petrino do Bispo de Roma (24 de Abril de 2005): AAS 97 (2005), 710.
[2] Cf. Bento XVI, Homilia da Santa Missa
no Terreiro do Paço (Lisboa – 11 de Maio de 2010): L’Osservatore Romano (ed.
port. de 15/V/2010), 3.
[3] Cf. João Paulo II, Const. ap. Fidei
depositum (11 de Outubro de 1992): AAS 86 (1994), 113-118.
[4] Cf. Relação final do Sínodo
Extraordinário dos Bispos (7 de Dezembro de 1985), II, B, a, 4: L’Osservatore
Romano (ed. port. de 22/XII/1985), 650.
[5] Paulo VI, Exort. ap. Petrum et Paulum Apostolos, no
XIX centenário do martírio dos Apóstolos São Pedro e São Paulo (22 de Fevereiro
de 1967): AAS 59 (1967), 196.
[6] Ibid.: o.c., 198.
[7] Paulo VI, Profissão Solene de Fé, Homilia durante a
Concelebração por ocasião do XIX centenário do martírio dos Apóstolos São Pedro
e São Paulo, no encerramento do «Ano da Fé» (30 de Junho de 1968): AAS 60
(1968), 433-445.
[8] Paulo VI, Audiência Geral (14 de Junho de 1967):
Insegnamenti, V (1967), 801.
[9] João Paulo II, Carta ap. Novo millennio ineunte (6 de
Janeiro de 2001), 57: AAS 93 (2001), 308.
[10] Discurso à Cúria Romana (22 de Dezembro de 2005): AAS
98 (2006), 52.
[11] Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a Igreja Lumen
gentium, 8.
[12] De utilitate credendi, 1, 2.
[13] Cf. Confissões, 1, 1.
[14] Conc. Ecum. Vat. II, Const. sobre a
Sagrada Liturgia Sacrosanctum Concilium, 10.
[15] Cf. João Paulo II, Const. ap. Fidei depositum (11 de
Outubro de 1992): AAS 86 (1994), 116.
[16] Santo Agostinho, Sermo 215, 1.
[17] Catecismo da Igreja Católica, 167.
[18] Cf. Conc. Ecum. Vat. I, Const. dogm. sobre a fé
católica Dei Filius, cap. III: DS 3008-3009; Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm.
sobre a Revelação divina Dei Verbum, 5.
[19] Bento XVI, Discurso no «Collège des Bernardins»
(Paris, 12 de Setembro de 2008): AAS 100 (2008), 722.
[20] Cf. Santo Agostinho, Confissões, 13, 1.
[21] Const. ap. Fidei depositum (11 de
Outubro de 1992): AAS 86 (1994), 115 e 117.
[22] Cf. João Paulo II, Carta enc. Fides et ratio (14 de
Setembro de 1998), 34.106: AAS 91 (1999), 31-32.86-87.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.