Em seguida deve-se tratar do que se refere às potências da alma. Primeiro, em geral. Segundo, em especial.
Sobre
o primeiro ponto, oito artigos se discutem:
Art.
1 ― Se a essência mesma da alma é potência desta.
Art.
2 ― Se há várias potências activas da alma.
Art.
3 ― Se as potências activas se distinguem pelos seus actos e objectos.
Art.
4 ― Se há alguma ordem entre as potências da alma.
Art.
5 ― Se todas as potências da alma nela estão como no sujeito próprio.
Art.
6 ― Se as potências da alma defluem da essência da mesma.
Art.
7 ― Se uma potência da alma nasce da outra.
Art.
8 ― Se todas as potências da alma permanecem nela, quando separada do corpo.
Art. 1 ― Se a essência mesma da alma é
potência desta.
(Supra,
q. 54, a. 3: I Sent., dist. III. q, 4, a. 2; Se Spirit. Creat., a. 11; Quodl.
X. q. 3, a. 1; Qu. De Anima, a. 12).
O
primeiro discute-se assim. ― Parece que a essência própria da alma não é potência
activa desta.
1.
― Pois, diz Agostinho: o espírito, o conhecimento e o amor estão, na alma,
substancialmente, ou, por assim dizer, essencialmente; e ainda: a memória, a
inteligência e a vontade são uma só vida, uma só inteligência e uma só
essência.
2.
Demais. ― A alma é mais nobre que a matéria-prima. Ora, esta é potência de si
mesma. Logo, com maioria de razão, a alma.
3.
Demais. ― A forma substancial é mais simples que a acidental; e a prova é que
ela não aumenta nem diminui, mas permanece indivisível. Ora, a forma acidental
é virtude de si mesma. Logo, com maioria de razão, a substancial, que é a alma.
4.
Demais. ― Pela potência sensitiva, sentimos; e, pela intelectiva, inteligimos.
Ora é pela alma que, primariamente, sentimos e inteligimos, segundo o Filósofo.
Logo, a alma é potência de si mesma.
5.
Demais. ― O que não pertence à essência de uma coisa é acidente. Se, pois, a
potência da alma é ulterior à essência da mesma, segue-se que é acidente; o que
vai contra Agostinho, quando diz, que as qualidades preditas não estão na alma
como sujeito, ao modo da cor ou da figura, no corpo, ou doutra qualquer
qualidade ou quantidade; pois, tudo o que é desta natureza não excede o sujeito
em que está. Ora, o espírito pode também conhecer e amar outras coisas.
6.
Demais. ― A forma simples não pode ser sujeito. Ora, a alma, não sendo composta
de matéria e forma, como já se demonstrou antes (q. 75, a. 5), é
forma simples. Logo, a potência da alma não pode estar em si mesma como num
sujeito.
7.
Demais. ― O acidente não é princípio substancial da diferença. Ora, o sensível
e o racional são diferenças substanciais e se radicam no sentido e na razão,
potências da alma. Logo, estas não são acidentes e, portanto, são a essência da
mesma.
Mas,
em contrário, diz Dionísio: os espíritos celestes dividem-se em essências,
virtude e operação. Portanto, com maioria de razão, na alma, uma coisa é a
essência e outra, a virtude ou potência.
É impossível admitir que a essência da alma seja potência da mesma, embora alguns
assim o ensinassem. O que se demonstra de duplo modo, quanto ao ponto em
discussão. ― Primeiro, porque, dividindo-se o ser e qualquer género do ser em
potência e acto, é necessário que a potência e o acto sejam referidos ao mesmo género;
donde, se o acto não pertencer ao género da substância, a potência, que a ele
se refere, não pode pertencer a esse género. Ora, a operação da alma não está
no género da substância, salvo em Deus, do qual a operação é a própria
substância. Donde, a potência de Deus, princípio da operação, é a própria essência
dele. O que não pode ser verdadeiro, nem da alma, nem de qualquer criatura,
como já antes se disse também do anjo (q. 54, a. 3). ― Segundo, tal
é também impossível, quanto à alma, que é, por essência, acto. Se, pois, a
essência própria da alma fosse princípio imediato de operação, quem tivesse
sempre alma, exerceria em acto as operações da vida; assim como, quem sempre
têm alma é vivo em acto. Como forma, pois, a alma não é um acto ordenado a
outro acto ulterior, mas é o último termo da geração. Donde, não é pela
essência, enquanto forma, mas pela potência, que a alma é potencial em relação
a outro acto. E assim, enquanto submetida à sua potência, ela chama-se acto primeiro,
ordenado ao acto segundo; pois, como se verifica, quem tem alma nem sempre
exerce, em acto, as operações da vida. Donde, na definição da alma se diz que é
o acto do corpo tendo a vida em potência, cuja potência, todavia, não exclui a
alma. Logo, conclui-se que a essência da alma não é potência da mesma, pois
nada que seja acto pode estar em potência actual.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ― Agostinho refere-se ao espírito enquanto se
conhece e se ama. Assim, pois, o conhecimento e o amor, enquanto referidos à
alma, como conhecida e amada, nela estão substancial ou essencialmente; porque
a própria substância ou essência da alma é que é conhecida e amada. E do mesmo
modo se deve entender o que diz, noutro passo, que são a mesma vida, o mesmo
espírito, a mesma essência. ― Ou, como dizem alguns, essa maneira de falar é
verdadeira quanto ao modo pelo qual o todo potencial, meio entre o todo
universal e o integral, se predica das suas partes. Pois, o todo universal
está, na sua essência e virtude totais, em qualquer das partes, como p. ex.,
animal, no homem e no cavalo; e, por isso, ele se predica propriamente, de cada
parte. Porém, o todo integral não está em qualquer das partes, nem quanto à
essência nem quanto à virtude totais; e, portanto, de nenhum modo se predica de
cada parte; mas de certo modo, embora impropriamente, de todas simultaneamente;
como se p. ex., dissermos que a parede, o tecto e os alicerces são a casa. O
todo potencial, enfim, está em cada uma das partes quanto à essência total, mas
não quanto à virtude total; e, portanto, pode, de certo modo, predicar-se de
qualquer das partes, mas não tão propriamente como o todo universal. E deste
modo Agostinho diz, que a memória, a inteligência e a vontade são a própria essência
da alma.
RESPOSTA
À SEGUNDA. ― O acto, em relação ao qual a matéria-prima é potencial, é a forma
substancial; donde, a potência da matéria não difere da essência da mesma.
RESPOSTA
À TERCEIRA. ― A acção, bem como o ser, é próprio do composto; pois, age o que
existe. Ora, o composto tem pela forma substancial, o ser, substancialmente; e
pela virtude, resultante da forma substancial, opera. Donde, a forma acidental activa,
p. ex., o calor, está para a forma substancial do agente, a forma do fogo,
assim como a potência da alma está para a alma.
RESPOSTA
À QUARTA. ― O próprio facto de ser a forma acidental princípio de acção,
resulta da forma substancial; donde, esta é o princípio primeiro, embora não
próximo da acção. E neste sentido o Filósofo diz que a alma é que nos faz
inteligir e sentir.
RESPOSTA
À QUINTA. ― Se se entende por acidente o que se opõe, na divisão, à substância,
então não pode haver entre eles nenhum termo médio; pois, se dividem
relativamente à afirmação e à negação, isto é, relativamente ao estar e ao não
estar num sujeito. E, deste modo, não sendo a potência da alma a essência da
mesma, é necessário que seja acidente e se compreenda na segunda espécie da
qualidade. Se, porém, se se considerar o acidente como um dos cinco universais,
então, haverá entre ele e a substância um termo médio. Porque, à substância
pertence tudo o que é essencial à coisa. Ora, nem tudo o que for exterior à
essência se poderá considerar como acidente, neste sentido, mas só o que não
for causado pelos princípios essenciais da espécie. Assim, o próprio não é da
essência da coisa, mas é causado pelos princípios essenciais da espécie; e, por
isso, é meio-termo entre a essência e o acidente, no sentido presente. E, deste
modo, as potências da alma podem ser consideradas médias entre a substância e
acidente, sendo como que propriedades naturais à alma. ― E o dito de Agostinho,
que o conhecimento e o amor não estão na alma como os acidentes no sujeito,
entende-se ao modo supra referido, enquanto se comparam com a alma, sendo esta,
não amante e conhecente, mas amada e conhecida. E, neste sentido, a sua prova é
procedente; porque, se o amor estivesse na alma amada como num sujeito,
seguir-se-ia que o acidente transcenderia o seu sujeito, pois, há ainda outras
coisas amadas pela alma.
RESPOSTA
À SEXTA. ― A alma, embora não composta de matéria e forma, tem, contudo, algo
de mistura com a potencialidade, como já se disse antes (q. 75, a. 5 ad 4).
E, por isso, pode ser considerada sujeito do acidente. Porém, a proposição aí
empregada realiza-se em Deus, acto puro; e nesta matéria é que Boécio a usou.
RESPOSTA
À SÉTIMA. ― O racional e o sensível, como diferenças, não se radicam nas
potências do sentido e da razão, mas na própria alma sensitiva e racional.
Como, porém, as formas substanciais, em si, desconhecidas de nós, são
conhecidas pelos acidentes, nada impede que tomemos, por vezes, os acidentes
pelas diferenças substanciais.
Nota: Revisão da tradução para português por ama
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