14/07/2012

Lleitura espiritual para 14 Jul 2012


Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemariaCaminho 116)


Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.




Para ver, clicar SFF.
Evangelho: Mt 25, 14-30


14 «Será também como um homem que, estando para empreender uma viagem, chamou os seus servos, e lhes entregou os seus bens. 15 Deu a um cinco talentos, a outro dois e a outro um, a cada qual segundo a sua capacidade, e partiu. 16 O que tinha recebido cinco talentos, logo em seguida, foi, negociou com eles, e ganhou outros cinco. 17 Do mesmo modo, o que tinha recebido dois, ganhou outros dois. 18 Mas o que tinha recebido um só, foi fazer uma cova na terra, e nela escondeu o dinheiro do seu senhor.1 9 «Muito tempo depois, voltou o senhor daqueles servos e chamou-os a contas. 20 Aproximando-se o que tinha recebido cinco talentos, apresentou-lhe outros cinco, dizendo: “Senhor, entregaste-me cinco talentos, eis outros cinco que lucrei”. 21 Seu senhor disse-lhe: “Está bem, servo bom e fiel, já que foste fiel em poucas coisas, dar-te-ei a intendência de muitas; entra no gozo do teu senhor”. 22 Apresentou-se também o que tinha recebido dois talentos, e disse: “Senhor, entregaste-me dois talentos, eis que lucrei outros dois”. 23 Seu senhor disse-lhe: “Está bem, servo bom e fiel, já que foste fiel em poucas coisas, dar-te-ei a intendência de muitas; entra no gozo do teu senhor”.24 «Apresentando-se também o que tinha recebido um só talento, disse: “Senhor, sei que és um homem duro, que colhes onde não semeaste e recolhes onde não espalhaste. 25 Tive receio e fui esconder o teu talento na terra; eis o que é teu”. 26 Então, o seu senhor disse-lhe: “Servo mau e preguiçoso, sabias que eu colho onde não semeei, e que recolho onde não espalhei. 27 Devias pois dar o meu dinheiro aos banqueiros e, à minha volta, eu teria recebido certamente com juro o que era meu. 28 Tirai-lhe, pois, o talento, e dai-o ao que tem dez talentos, 29 porque ao que tem, dar-se-lhe-á, e terá em abundância; mas ao que não tem, tirar-se-lhe-á até o que tem. 30 E a esse servo inútil lançai-o nas trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes”.





Ioannes Paulus PP. II
Fides et ratio
aos Bispos da Igreja Católica
sobre as relações
entre Fé e Razão

…/6


58. São conhecidas as felizes consequências que este convite pontifício teve. Os estudos sobre o pensamento de S. Tomás e doutros autores escolásticos receberam novo incentivo. Foi dado um forte impulso aos estudos históricos, de que resultou uma nova descoberta das riquezas do pensamento medieval, até então amplamente desconhecidas, e constituíram-se novas escolas tomistas. Com a aplicação da metodologia histórica, fizeram-se grandes progressos no conhecimento da obra de S. Tomás, e muitos foram os estudiosos que corajosamente introduziram a tradição tomista nas discussões dos problemas filosóficos e teológicos daquele tempo. Os teólogos católicos mais influentes deste século, a cuja reflexão e pesquisa muito deve o Concílio Vaticano II, são filhos de tal renovação da filosofia tomista. E assim a Igreja pôde, no decurso do século XX, dispor dum vigoroso grupo de pensadores, formados na escola do Doutor Angélico.

59. Contudo, a renovação tomista e neotomista não foi o único sinal de retoma do pensamento filosófico na cultura de inspiração cristã. Já antes, e contemporâneamente ao convite do Papa Leão XIII, tinham surgido vários filósofos católicos que, valendo-se de correntes de pensamento mais recentes e com uma metodologia própria, geraram obras filosóficas de grande influência e valor duradouro. Houve quem tivesse organizado sínteses de nível tão alto que nada tinham a invejar aos grandes sistemas do idealismo, e quem pusesse as bases epistemológicas para uma nova exposição da fé, à luz de uma renovada compreensão da consciência moral; houve quem tivesse elaborado uma filosofia que, partindo da análise da imanência, abria o caminho para o transcendente, e quem tentasse traduzir as exigências da fé no horizonte da metodologia fenomenológica. Em suma, partindo de diversas perspectivas, continuou-se a elaborar formas de reflexão filosófica, que visavam manter viva a grande tradição do pensamento cristão na unidade de fé e razão.

60. O Concílio Ecuménico Vaticano II, por sua vez, apresenta uma doutrina muito rica e fecunda a propósito da filosofia. Não posso esquecer, sobretudo no contexto desta carta encíclica, que um capítulo inteiro da Constituição Gaudium et spes constitui uma espécie de compêndio de antropologia bíblica, fonte de inspiração também para a filosofia. Naquelas páginas, trata-se do valor da pessoa humana criada à imagem de Deus, indicam-se os motivos da sua dignidade e superioridade relativamente ao resto da criação, e mostra-se a capacidade transcendente da sua razão. 80 Na referida Constituição conciliar, considera-se também o problema do ateísmo e denunciam-se, juntamente com suas causas, os erros desta visão filosófica, sobretudo no que diz respeito à dignidade inalienável da pessoa e da sua liberdade. 81 E um profundo significado filosófico reveste também o ponto culminante daquelas páginas, que transcrevia já na minha primeira carta encíclica, a Redemptor hominis, e mantive como um dos pontos de referência constante no meu magistério: «Na realidade, o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente. Adão, o primeiro homem, era efectivamente figura do futuro, isto é, de Cristo Senhor. Cristo, novo Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime». 82

O Concílio ocupou-se também do estudo da filosofia, ao qual se devem dedicar os candidatos ao sacerdócio; são recomendações que se podem generalizar a todo o ensino cristão. Afirma-se num dos documentos conciliares: «As disciplinas filosóficas sejam ensinadas de forma que os alunos possam adquirir, antes de mais, um conhecimento sólido e coerente do homem, do mundo e de Deus, apoiados num património filosófico perenemente válido, tendo em conta as investigações filosóficas dos tempos actuais» 83

Estas directrizes foram depois retomadas e especificadas noutros documentos do Magistério, com o intuito de garantir uma sólida formação filosófica sobretudo àqueles que se preparam para os estudos teológicos. Também eu sublinhei, em várias ocasiões, a importância desta formação filosófica para todos os que, um dia, terão de enfrentar, na vida pastoral, as questões do mundo actual e individuar as causas de determinados comportamentos, a fim de lhes dar pronta resposta. 84

61. Se foi necessário intervir, em diversas circunstâncias, sobre este tema, reiterando o valor das intuições do Doutor Angélico e insistindo a favor da aquisição do seu pensamento, isso ficou a dever-se também ao facto de não terem sido sempre observadas as directrizes do Magistério, com a solicitude desejada. De facto, nos anos posteriores ao Concílio Vaticano II, pôde observar-se, em muitas escolas católicas, um certo declínio nesta matéria, devido à menor estima sentida não apenas pela filosofia escolástica, mas pelo estudo da filosofia em geral. Com surpresa e mágoa, tenho de constatar que vários teólogos compartilham este desinteresse pelo estudo da filosofia.

Na base desta indiferença, há diversas razões. Em primeiro lugar, aquela falta de confiança na razão que se manifesta em grande parte da filosofia contemporânea, abandonando em larga escala a investigação metafísica das questões últimas do homem para concentrar a sua atenção sobre problemas particulares e regionais, às vezes puramente formais. Depois, há que acrescentar o equívoco que se gerou sobretudo a respeito das «ciências humanas». O Concílio Vaticano II afirmou, várias vezes, o valor positivo da pesquisa científica para um conhecimento mais profundo do mistério do homem. 85 Mas, o convite dirigido aos teólogos para conhecerem estas ciências e, se vier a propósito, aplicá-las correctamente nos seus estudos, não deve ser interpretado como uma implícita autorização para marginalizar a filosofia, pondo-a de parte na formação pastoral e na præparatio fidei. E, finalmente, não se pode esquecer o interesse novamente sentido pela inculturação da fé. Em particular, a vida das jovens Igrejas permitiu descobrir, ao lado de formas elevadas de pensamento, a presença de múltiplas expressões de sabedoria popular. Isto constitui um autêntico património de cultura e de tradições. Todavia, o estudo dos costumes tradicionais deve ser acompanhado simultaneamente pela pesquisa filosófica. Será esta que possibilitará fazer sobressair os traços positivos da sabedoria popular, criando a necessária ligação com o anúncio do Evangelho. 86

62. Desejo insistir novamente que o estudo da filosofia reveste um carácter fundamental e indispensável na estrutura dos estudos teológicos e na formação dos candidatos ao sacerdócio. Não é por acaso que o currículo dos estudos teológicos é antecedido por um período de tempo especialmente consagrado ao estudo da filosofia. Esta decisão, confirmada pelo Concílio Ecuménico Lateranense V, 87 tem as suas raízes na experiência maturada durante a Idade Média, quando foi posta em relevo a importância de uma harmonia construtiva entre o saber filosófico e o teológico. Esta organização dos estudos influenciou, facilitou e promoveu, embora de forma indirecta, uma boa parte do progresso da filosofia moderna. Temos um exemplo significativo na influência exercida pelas Disputationes metaphysicæ de Francisco Suárez, que eram seguidas até mesmo nas universidades luteranas da Alemanha. Pelo contrário, o abandono desta metodologia foi causa de graves carências, tanto na formação sacerdotal como na investigação teológica. Basta considerar, por exemplo, como a sua negligência no âmbito do pensamento e da cultura moderna levou ao encerramento de toda a forma de diálogo ou à recepção indiscriminada de qualquer filosofia.

Nutro profunda esperança de que estas dificuldades serão superadas mercê de uma sábia formação filosófica e teológica, que nunca deve faltar na Igreja.

63. Em virtude das razões aduzidas, senti a urgência de confirmar, por meio desta carta encíclica, o grande interesse que a Igreja tem pela filosofia; ou melhor, a ligação íntima do trabalho teológico com a investigação filosófica da verdade. Daqui nasce o dever que o Magistério tem de discernir e estimular um pensamento filosófico que não esteja em dissonância com a fé. A minha missão é propor alguns princípios e pontos de referência, que considero necessários para se poder instaurar uma relação harmoniosa e eficaz entre a teologia e a filosofia. À luz deles, será possível discernir com maior clareza se e como deve a teologia relacionar-se com os diversos sistemas ou asserções filosóficas que o mundo actual apresenta.

CAPÍTULO VI - INTERACÇÃO DA TEOLOGIA COM A FILOSOFIA

1. A ciência da fé e as exigências da razão filosófica

64. A palavra de Deus destina-se a todo o homem, de qualquer época e lugar da terra; e o homem, por natureza, é filósofo. Por sua vez, a teologia, enquanto elaboração reflexiva e científica da compreensão da palavra divina à luz da fé, não pode deixar de recorrer às filosofias que vão surgindo ao longo da história, tanto para algumas das suas formas de proceder como para realizar funções mais específicas. Sem pretender indicar aos teólogos metodologias particulares — porque tal não compete ao Magistério —, desejo, porém, lembrar algumas funções próprias da teologia, onde, por causa da própria natureza da Palavra revelada, se exige o recurso ao pensamento filosófico.

65. A teologia está organizada, enquanto ciência da fé, à luz dum duplo princípio metodológico: auditus fidei e intellectus fidei. Com o primeiro, recolhe os conteúdos da Revelação tal como se foram explicitando progressivamente na Sagrada Tradição, na Sagrada Escritura e no Magistério vivo da Igreja. 88 Pelo segundo, a teologia quer responder às exigências próprias do pensamento, através da reflexão especulativa.

Quanto à preparação para um correcto auditus fidei, a filosofia proporciona à teologia a sua ajuda peculiar, quando examina a estrutura do conhecimento e da comunicação pessoal, e sobretudo as várias formas e funções da linguagem. Igualmente importante é a contribuição da filosofia para uma compreensão mais coerente da Tradição eclesial, das intervenções do Magistério e das sentenças dos grandes mestres da teologia: estes, de facto, exprimem-se frequentemente por conceitos e formas de pensamento conotados com determinada tradição filosófica. Neste caso, pede-se ao teólogo não só que exponha conceitos e termos através dos quais a Igreja possa reflectir e elaborar a sua doutrina, mas que conheça profundamente também os sistemas filosóficos que tenham, porventura, influenciado as noções e a terminologia, a fim de se chegar a interpretações correctas e coerentes.

66. Relativamente ao intellectus fidei, importa considerar, antes de mais, que a Verdade divina, «que nos é proposta nas Sagradas Escrituras, interpretadas correctamente pela doutrina da Igreja», 89 goza de uma inteligibilidade própria, logicamente tão coerente que se deve propor como um autêntico saber. O intellectus fidei explicita esta verdade, não só quando investiga as estruturas lógicas e conceptuais das proposições em que se articula a doutrina da Igreja, mas também e sobretudo quando põe em realce o significado salvífico de tais proposições para o indivíduo e para a humanidade. É pelo conjunto destas proposições que o crente chega a conhecer a história da salvação, que culmina na pessoa de Jesus Cristo e no seu mistério pascal; ele participa deste mistério, com a sua adesão de fé.

A teologia dogmática deve ser capaz de articular o sentido universal do mistério de Deus, Uno e Trino, e da economia da salvação, quer de modo narrativo, quer sobretudo de forma argumentativa. Por outras palavras, deve fazê-lo mediante expressões conceptuais, formuladas de modo crítico e universalmente acessível. De facto, sem o contributo da filosofia não seria possível ilustrar certos conteúdos teológicos como, por exemplo, a linguagem sobre Deus, as relações pessoais no seio da Santíssima Trindade, a acção criadora de Deus no mundo, a relação entre Deus e o homem, a identidade de Cristo que é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. E o mesmo se diga de diversos temas da teologia moral, onde é preciso recorrer, de imediato, a conceitos como lei moral, consciência, liberdade, responsabilidade pessoal, culpa, etc., cuja definição provém da ética filosófica.

Por isso, é necessário que a razão do crente tenha um conhecimento natural, verdadeiro e coerente das coisas criadas, do mundo e do homem, que são também objecto da revelação divina; mais ainda, ela deve ser capaz de articular este conhecimento de maneira conceptual e argumentativa. Assim, a teologia dogmática especulativa pressupõe e implica uma filosofia do homem, do mundo e, mais radicalmente, do próprio ser, fundada sobre a verdade objectiva.

67. A teologia fundamental, pelo seu próprio carácter de disciplina que tem por função dar razão da fé (cf. 1 Ped 3, 15), deverá procurar justificar e explicitar a relação entre a fé e a reflexão filosófica. Já o Concílio Vaticano I, reafirmando o ensinamento paulino (cf. Rom 1, 19-20), chamara a atenção para o facto de existirem verdades que se podem conhecer de modo natural e, consequentemente, filosófico. O seu conhecimento constitui um pressuposto necessário para acolher a revelação de Deus. Quando a teologia fundamental estuda a Revelação e a sua credibilidade com o relativo acto de fé, deverá mostrar como emergem, à luz do conhecimento pela fé, algumas verdades que a razão, autonomamente, já encontra ao longo do seu caminho de pesquisa. A essas verdades, a Revelação confere-lhes plenitude de sentido, orientando-as para a riqueza do mistério revelado, onde encontram o seu fim último. Basta pensar, por exemplo, ao conhecimento natural de Deus, à possibilidade de distinguir a revelação divina de outros fenómenos, ou ao conhecimento da sua credibilidade, à capacidade que tem a linguagem humana de falar, de modo significativo e verdadeiro, mesmo do que ultrapassa a experiência humana. Por todas estas verdades, a mente é levada a reconhecer a existência duma via realmente propedêutica à fé, que pode desembocar no acolhimento da Revelação, sem faltar minimamente aos seus próprios princípios e autonomia. 90

Da mesma forma, a teologia fundamental deverá manifestar a compatibilidade intrínseca entre a fé e a sua exigência essencial de se explicitar através de uma razão capaz de dar com plena liberdade o seu consentimento. Assim, a fé saberá «mostrar plenamente o caminho a uma razão em busca sincera da verdade. Deste modo a fé, dom de Deus, apesar de não se basear na razão, decerto não pode existir sem ela; ao mesmo tempo, surge a necessidade de que a razão se fortifique na fé, para descobrir os horizontes aos quais, sozinha, não poderia chegar». 91

68. A teologia moral tem, possivelmente, uma necessidade ainda maior do contributo filosófico. Na Nova Aliança, a vida humana está efectivamente muito menos regulada por prescrições do que na Antiga. A vida no Espírito conduz os crentes a uma liberdade e responsabilidade que ultrapassam a própria Lei. No entanto, o Evangelho e os escritos apostólicos não deixam de propor ora princípios gerais de conduta cristã, ora ensinamentos e preceitos específicos; para aplicá-los às circunstâncias concretas da vida individual e social, o cristão tem necessidade de valer-se plenamente da sua consciência e da força do seu raciocínio. Por outras palavras, a teologia moral deve recorrer a uma visão filosófica correcta tanto da natureza humana e da sociedade, como dos princípios gerais duma decisão ética.

69. Talvez se possa objectar que, na situação actual, o teólogo, mais do que à filosofia, deveria recorrer à ajuda de outras formas do saber humano, concretamente à história e sobretudo às ciências, de que todos admiram os progressos extraordinários recentemente alcançados. Outros, impelidos por uma maior sensibilidade à relação entre fé e culturas, defendem que a teologia deveria dar preferência às sabedorias tradicionais, em vez de uma filosofia de origem grega e eurocêntrica. Outros ainda, partindo duma concepção errada do pluralismo de culturas, negam simplesmente o valor universal do património filosófico abraçado pela Igreja.

Os aspectos sublinhados, já presentes aliás na doutrina conciliar, 92 contêm uma parte de verdade. O referimento às ciências, útil em muitos casos porque permite um conhecimento mais completo do objecto de estudo, não deve, porém, fazer esquecer a necessidade que há da mediação duma reflexão tipicamente filosófica, crítica e aberta ao universal, solicitada também por um fecundo intercâmbio entre as culturas. A minha preocupação é pôr em destaque o dever de não se ficar pelo caso isolado e concreto, descuidando assim a tarefa primária que é manifestar o carácter universal do conteúdo de fé. Além disso, não se deve esquecer que a peculiar contribuição do pensamento filosófico permite discernir, tanto nas diversas concepções da vida como nas culturas, «não o que os homens pensam, mas qual é a verdade objectiva». 93 Não as diversas opiniões humanas, mas somente a verdade pode servir de ajuda à filosofia.

70. Além do mais, o tema da relação com as culturas merece uma reflexão específica, apesar de necessariamente não exaustiva, pelas implicações que daí derivam para as vertentes filosófica e teológica. O processo de encontro e comparação com as culturas é uma experiência que a Igreja viveu desde os começos da pregação do Evangelho. O mandato de Cristo aos discípulos para irem, a toda a parte «até aos confins do mundo» (Act 1, 8), transmitir a verdade revelada por Ele, fez com que a comunidade cristã pudesse bem cedo dar-se conta da universalidade do anúncio e dos obstáculos resultantes da diversidade das culturas. Um trecho da carta de S. Paulo aos cristãos de Éfeso oferece uma válida ajuda para compreender como a Comunidade Primitiva enfrentou este problema. Escreve o Apóstolo: «Agora porém, vós, que outrora estáveis longe, pelo Sangue de Cristo vos aproximastes. Ele é a nossa paz, Ele que de dois povos fez um só, destruindo o muro de inimizade que os separava» (2, 13-14).

Iluminada por este texto, a nossa reflexão pode debruçar-se sobre a transformação que se operou nos gentios quando abraçaram a fé. As barreiras que separam as diversas culturas caem diante da riqueza da salvação, realizada por Cristo. Agora, em Cristo, a promessa de Deus torna-se uma oferta universal: não limitada já à dimensão particular de um povo, da sua língua ou dos seus costumes, mas alargada a todos, como um património ao qual cada um pode livremente ter acesso. Dos mais diversos lugares e tradições, todos são chamados, em Cristo, a participar na unidade da família dos filhos de Deus. Cristo faz com que dois povos se tornem «um só». Os que «estavam longe» ficaram «próximo», graças à novidade gerada pelo mistério pascal. Jesus abate os muros de divisão e realiza a unificação, de um modo original e supremo, por meio da participação no seu mistério. Esta unidade é tão profunda que a Igreja pode dizer com S. Paulo: «Já não sois hóspedes nem peregrinos, mas sois concidadãos dos santos e membros da família de Deus» (Ef 2, 19).

Nesta asserção tão simples, está contida uma grande verdade: o encontro da fé com as diversas culturas deu vida a uma nova realidade. Na verdade, quando as culturas estão profundamente radicadas na natureza humana, contêm em si mesmas o testemunho da abertura, própria do homem, ao universal e à transcendência. É por isso que elas apresentam perspectivas distintas da verdade, que são de evidente utilidade para o homem, porque lhe fazem vislumbrar valores capazes de tornar a sua existência sempre mais humana. 94 Por outro lado, na medida em que evocam os valores das tradições antigas, as culturas trazem consigo — embora de modo implícito, mas nem por isso menos real — a referência à manifestação de Deus na natureza, como se viu antes nos textos sapienciais e no ensinamento de S. Paulo.

71. Uma vez que as culturas estão intimamente relacionadas com os homens e a sua história, partilham das mesmas dinâmicas do tempo humano. E, consequentemente, registam transformações e progressos com os encontros que os homens promovem e com as recíprocas transmissões dos seus modelos de vida. As culturas alimentam-se com a comunicação de valores, e a sua vitalidade e subsistência dependem da sua capacidade de permanecerem abertas para acolher a novidade. Como se explicam tais dinâmicas? Todo o homem está integrado numa cultura; depende dela, e sobre ela influi. É simultaneamente filho e pai da cultura onde está inserido. Em cada manifestação da sua vida, o homem traz consigo algo que o caracteriza no meio da criação: a sua constante abertura ao mistério e o seu desejo inexaurível de conhecimento. Em consequência, cada cultura traz gravada em si mesma e deixa transparecer a tensão para uma plenitude. Pode-se, portanto, dizer que a cultura contém em si própria a possibilidade de acolher a revelação divina.

Também o modo como os cristãos vivem a fé, está imbuído da cultura do ambiente circundante, e vai progressivamente contribuindo, por sua vez, para modelar as características do mesmo. Os cristãos transmitem, a cada cultura, a verdade imutável que Deus revelou na história e na cultura dum povo. Ao longo dos séculos, continua a reproduzir-se o mesmo fenómeno testemunhado pelos peregrinos presentes em Jerusalém, no dia de Pentecostes. Ao escutarem os Apóstolos, perguntavam-se: «Mas quê! Essa gente que está a falar não é da Galileia? Que se passa, então, para que cada um de nós os oiça falar na nossa língua materna? Partos, medos, elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia, do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília, do Egipto e das regiões da Líbia, vizinha de Cirene, colonos de Roma, judeus e prosélitos, cretenses e árabes, ouvimo-los anunciar nas nossas línguas as maravilhas de Deus!» (Act 2, 7-11). O anúncio do Evangelho nas diversas culturas, ao exigir de cada um dos destinatários a adesão da fé, não os impede de conservar a própria identidade cultural. Isto não provoca qualquer divisão, pois o povo dos baptizados distingue-se por uma universalidade que é capaz de acolher todas as culturas, fazendo com que aquilo que nelas está implícito se desenvolva até à sua explanação plena na verdade.

Em consequência disto, uma cultura nunca pode servir de critério de juízo e, menos ainda, de critério último de verdade a respeito da revelação de Deus. O Evangelho não é contrário a esta ou àquela cultura, como se quisesse, ao encontrar-se com ela, privá-la daquilo que lhe pertence, e a obrigasse a assumir formas extrínsecas que lhe são estranhas. Pelo contrário, o anúncio que o crente leva ao mundo e às culturas é uma forma real de libertação de toda a desordem introduzida pelo pecado e, simultaneamente, uma chamada à verdade plena. Neste encontro, as culturas não são privadas de nada, antes são estimuladas a abrirem-se à novidade da verdade evangélica, de que recebem impulso para novos progressos.

72. O facto da missão evangelizadora ter encontrado em primeiro lugar no seu caminho a filosofia grega, não constitui de forma alguma impedimento para outros relacionamentos. Hoje, à medida que o Evangelho entra em contacto com áreas culturais que estiveram até agora fora do âmbito de irradiação do cristianismo, novas tarefas se abrem à inculturação. Colocam-se à nossa geração problemas análogos aos que a Igreja teve de enfrentar nos primeiros séculos.

O meu pensamento vai espontaneamente até às terras do Oriente, tão ricas de tradições religiosas e filosóficas muito antigas. Entre elas, ocupa um lugar especial a Índia. Um grande ímpeto espiritual leva o pensamento indiano a procurar uma experiência que, libertando o espírito dos condicionamentos de tempo e espaço, tenha valor de absoluto. No dinamismo desta busca de libertação, situam-se grandes sistemas metafísicos.

Compete aos cristãos de hoje, sobretudo aos da Índia, a tarefa de extrair deste rico património os elementos compatíveis com a sua fé, para se obter um enriquecimento do pensamento cristão. Nesta obra de discernimento, que tem a sua fonte de inspiração na Declaração Conciliar Nostra aetate, deverão ter em consideração um certo número de critérios. O primeiro é a universalidade do espírito humano, cujas exigências fundamentais são idênticas nas mais distintas culturas. O segundo, derivado do anterior, consiste no seguinte: quando a Igreja entra em contacto com grandes culturas que nunca tinha encontrado antes, não pode pôr de parte o que adquiriu pela inculturação no pensamento greco-latino. Rejeitar uma tal herança seria contrariar o desígnio providencial de Deus, que conduz a sua Igreja pelos caminhos do tempo e da história. Aliás, este critério é válido para a Igreja de todos os tempos — também para a Igreja de amanhã, que se sentirá enriquecida com as aquisições resultantes do encontro em nossos dias com as culturas orientais, e desta herança há-de tirar, por sua vez, indicações novas para entrar frutuosamente em diálogo com as culturas que a humanidade fizer florir no seu caminho rumo ao futuro. Em terceiro lugar, há-de precaver-se por não confundir a legítima reivindicação de especificidade e originalidade do pensamento indiano, com a ideia de que uma tradição cultural deve enclausurar-se na sua diferença e afirmar-se pela sua oposição às outras tradições — ideia essa que seria contrária precisamente à natureza do espírito humano.

O que fica dito para a Índia, vale também para a herança das grandes culturas da China, do Japão e demais países da Ásia, bem como das riquezas das culturas tradicionais da África, transmitidas sobretudo por via oral.

Revisão da tradução portuguesa por ama
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Notas:
80 Cf. Carta enc. ÆTERNI PATRIS (4 de Agosto de 1879): ASS 11 (1878-1879), nn. 14-15.
81 Cf. ibid., 20-21.
82 Ibid., 22; cf. João Paulo II, Carta enc. Redemptor hominis (4 de Março de 1979), 8: AAS 71 (1979), 271-272.
83 Decr. sobre a formação sacerdotal Optatam totius, 15.
84 Cf. João Paulo II, Const. ap. Sapientia christiana (15 de Abril de 1979), arts. 79-80: AAS 71 (1979), 495-496; Exort. ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis (25 de Março de 1992), 52: AAS 84 (1992), 750-751. Vejam-se também algumas reflexões sobre a filosofia de S. Tomás: Discurso na Pontifícia Universidade de S. Tomás (17 de Novembro de 1979): L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 25 de Novembro de 1979), 1; Discurso aos participantes no VIII Congresso Tomista Internacional (13 de Setembro de 1980): L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 28 de Setembro de 1980), 4; Discurso aos participantes no Congresso Internacional da Sociedade S. Tomás de Aquino sobre « A doutrina tomista da alma » (4 de Janeiro de 1986): L'Osservatore Romano (ed. portuguesa de 12 de Janeiro de 1986), 9. E ainda: S. Congr. da Educação Católica, Ratio fundamentalis institutionis sacerdotalis (6 de Janeiro de 1970), 70-75: AAS 62 (1970), 366-368; Decr. Sacra theologia (20 de Janeiro de 1972): AAS 64 (1972), 583-586.
85 Cf. Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 57.62.
86 Cf. ibid., 44.
87 Cf. Bula Apostolici regimini sollicitudo, Sessão VIII: Conc. Rcum. Decreta (1991), 605-606.
88 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a revelação divina Dei Verbum, 10.
89 S. Tomás de Aquino, Summa theologiæ, II-II, 5, 3 ad 2.
90 « A busca das condições, nas quais o homem faz por si próprio as primeiras perguntas fundamentais acerca do sentido da vida, do fim que lhe deseja dar e daquilo que o espera depois da morte, constitui para a Teologia Fundamental o preâmbulo necessário, para que, também hoje, a fé possa mostrar plenamente o caminho a uma razão em busca sincera da verdade » [João Paulo II, Carta aos participantes no Congresso Internacional de Teologia Fundamental por ocasião do 125o aniversário da promulgação da Const. dogm. « Dei Filius » (30 de Setembro de 1995), 4: L'Osservatore Romano, (ed. portuguesa de 7 de Outubro de 1995), 10].
91 Ibid., 4: o.c., 10.
92 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 15; Decr. sobre a actividade missionária da Igreja Ad gentes, 22.
93 S. Tomás de Aquino, De Cœlo 1, 22.

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