Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
Para ver, clicar SFF.
Evangelho: Mt 25, 14-30
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Evangelho: Mt 25, 14-30
14 «Será também como um homem que, estando para
empreender uma viagem, chamou os seus servos, e lhes entregou os seus bens. 15
Deu a um cinco talentos, a outro dois e a outro um, a cada qual segundo a sua
capacidade, e partiu. 16 O que tinha recebido cinco talentos, logo
em seguida, foi, negociou com eles, e ganhou outros cinco. 17 Do
mesmo modo, o que tinha recebido dois, ganhou outros dois. 18 Mas o
que tinha recebido um só, foi fazer uma cova na terra, e nela escondeu o
dinheiro do seu senhor.1 9 «Muito tempo depois, voltou o senhor
daqueles servos e chamou-os a contas. 20 Aproximando-se o que tinha
recebido cinco talentos, apresentou-lhe outros cinco, dizendo: “Senhor,
entregaste-me cinco talentos, eis outros cinco que lucrei”. 21 Seu
senhor disse-lhe: “Está bem, servo bom e fiel, já que foste fiel em poucas
coisas, dar-te-ei a intendência de muitas; entra no gozo do teu senhor”. 22
Apresentou-se também o que tinha recebido dois talentos, e disse: “Senhor,
entregaste-me dois talentos, eis que lucrei outros dois”. 23 Seu
senhor disse-lhe: “Está bem, servo bom e fiel, já que foste fiel em poucas
coisas, dar-te-ei a intendência de muitas; entra no gozo do teu senhor”.24
«Apresentando-se também o que tinha recebido um só talento, disse: “Senhor, sei
que és um homem duro, que colhes onde não semeaste e recolhes onde não
espalhaste. 25 Tive receio e fui esconder o teu talento na terra;
eis o que é teu”. 26 Então, o seu senhor disse-lhe: “Servo mau e
preguiçoso, sabias que eu colho onde não semeei, e que recolho onde não
espalhei. 27 Devias pois dar o meu dinheiro aos banqueiros e, à
minha volta, eu teria recebido certamente com juro o que era meu. 28
Tirai-lhe, pois, o talento, e dai-o ao que tem dez talentos, 29
porque ao que tem, dar-se-lhe-á, e terá em abundância; mas ao que não tem,
tirar-se-lhe-á até o que tem. 30 E a esse servo inútil lançai-o nas
trevas exteriores; ali haverá choro e ranger de dentes”.
Ioannes Paulus PP.
II
Fides et ratio
aos Bispos da
Igreja Católica
sobre as relações
entre Fé e Razão
…/6
58. São conhecidas as felizes consequências
que este convite pontifício teve. Os estudos sobre o pensamento de S. Tomás e
doutros autores escolásticos receberam novo incentivo. Foi dado um forte
impulso aos estudos históricos, de que resultou uma nova descoberta das
riquezas do pensamento medieval, até então amplamente desconhecidas, e
constituíram-se novas escolas tomistas. Com a aplicação da metodologia
histórica, fizeram-se grandes progressos no conhecimento da obra de S. Tomás, e
muitos foram os estudiosos que corajosamente introduziram a tradição tomista
nas discussões dos problemas filosóficos e teológicos daquele tempo. Os
teólogos católicos mais influentes deste século, a cuja reflexão e pesquisa
muito deve o Concílio Vaticano II, são filhos de tal renovação da filosofia
tomista. E assim a Igreja pôde, no decurso do século XX, dispor dum vigoroso
grupo de pensadores, formados na escola do Doutor Angélico.
59. Contudo, a renovação tomista e
neotomista não foi o único sinal de retoma do pensamento filosófico na cultura
de inspiração cristã. Já antes, e contemporâneamente ao convite do Papa Leão
XIII, tinham surgido vários filósofos católicos que, valendo-se de correntes de
pensamento mais recentes e com uma metodologia própria, geraram obras
filosóficas de grande influência e valor duradouro. Houve quem tivesse
organizado sínteses de nível tão alto que nada tinham a invejar aos grandes
sistemas do idealismo, e quem pusesse as bases epistemológicas para uma nova exposição
da fé, à luz de uma renovada compreensão da consciência moral; houve quem
tivesse elaborado uma filosofia que, partindo da análise da imanência, abria o
caminho para o transcendente, e quem tentasse traduzir as exigências da fé no
horizonte da metodologia fenomenológica. Em suma, partindo de diversas
perspectivas, continuou-se a elaborar formas de reflexão filosófica, que
visavam manter viva a grande tradição do pensamento cristão na unidade de fé e
razão.
60. O Concílio
Ecuménico Vaticano II, por sua vez, apresenta uma doutrina muito rica e
fecunda a propósito da filosofia. Não posso esquecer, sobretudo no contexto
desta carta encíclica, que um capítulo inteiro da Constituição Gaudium et spes constitui uma espécie de compêndio de
antropologia bíblica, fonte de inspiração também para a filosofia. Naquelas
páginas, trata-se do valor da pessoa humana criada à imagem de Deus, indicam-se
os motivos da sua dignidade e superioridade relativamente ao resto da criação,
e mostra-se a capacidade transcendente da sua razão. 80 Na referida Constituição conciliar,
considera-se também o problema do ateísmo e denunciam-se, juntamente com suas
causas, os erros desta visão filosófica, sobretudo no que diz respeito à
dignidade inalienável da pessoa e da sua liberdade. 81 E um profundo significado filosófico
reveste também o ponto culminante daquelas páginas, que transcrevia já na minha
primeira carta encíclica, a Redemptor hominis, e mantive como um dos pontos de
referência constante no meu magistério: «Na realidade, o mistério do homem só
no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente. Adão, o primeiro
homem, era efectivamente figura do futuro, isto é, de Cristo Senhor. Cristo,
novo Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem
a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime». 82
O Concílio ocupou-se também do estudo da
filosofia, ao qual se devem dedicar os candidatos ao sacerdócio; são
recomendações que se podem generalizar a todo o ensino cristão. Afirma-se num
dos documentos conciliares: «As disciplinas filosóficas sejam ensinadas de
forma que os alunos possam adquirir, antes de mais, um conhecimento sólido e
coerente do homem, do mundo e de Deus, apoiados num património filosófico
perenemente válido, tendo em conta as investigações filosóficas dos tempos actuais»
83
Estas directrizes foram depois retomadas e
especificadas noutros documentos do Magistério, com o intuito de garantir uma
sólida formação filosófica sobretudo àqueles que se preparam para os estudos
teológicos. Também eu sublinhei, em várias ocasiões, a importância desta
formação filosófica para todos os que, um dia, terão de enfrentar, na vida
pastoral, as questões do mundo actual e individuar as causas de determinados
comportamentos, a fim de lhes dar pronta resposta. 84
61. Se foi necessário intervir, em diversas
circunstâncias, sobre este tema, reiterando o valor das intuições do Doutor
Angélico e insistindo a favor da aquisição do seu pensamento, isso ficou a
dever-se também ao facto de não terem sido sempre observadas as directrizes do
Magistério, com a solicitude desejada. De facto, nos anos posteriores ao Concílio Vaticano II, pôde observar-se,
em muitas escolas católicas, um certo declínio nesta matéria, devido à menor
estima sentida não apenas pela filosofia escolástica, mas pelo estudo da
filosofia em geral. Com surpresa e mágoa, tenho de constatar que vários
teólogos compartilham este desinteresse pelo estudo da filosofia.
Na base desta indiferença, há diversas
razões. Em primeiro lugar, aquela falta de confiança na razão que se manifesta
em grande parte da filosofia contemporânea, abandonando em larga escala a
investigação metafísica das questões últimas do homem para concentrar a sua
atenção sobre problemas particulares e regionais, às vezes puramente formais.
Depois, há que acrescentar o equívoco que se gerou sobretudo a respeito das «ciências
humanas». O Concílio Vaticano II
afirmou, várias vezes, o valor positivo da pesquisa científica para um
conhecimento mais profundo do mistério do homem. 85
Mas, o convite dirigido aos teólogos para conhecerem estas ciências e, se vier
a propósito, aplicá-las correctamente nos seus estudos, não deve ser
interpretado como uma implícita autorização para marginalizar a filosofia,
pondo-a de parte na formação pastoral e na præparatio
fidei. E, finalmente, não se pode esquecer o interesse novamente sentido
pela inculturação da fé. Em particular, a vida das jovens Igrejas permitiu
descobrir, ao lado de formas elevadas de pensamento, a presença de múltiplas
expressões de sabedoria popular. Isto constitui um autêntico património de
cultura e de tradições. Todavia, o estudo dos costumes tradicionais deve ser
acompanhado simultaneamente pela pesquisa filosófica. Será esta que
possibilitará fazer sobressair os traços positivos da sabedoria popular,
criando a necessária ligação com o anúncio do Evangelho. 86
62. Desejo insistir novamente que o estudo
da filosofia reveste um carácter fundamental e indispensável na estrutura dos
estudos teológicos e na formação dos candidatos ao sacerdócio. Não é por acaso
que o currículo dos estudos teológicos é antecedido por um período de tempo
especialmente consagrado ao estudo da filosofia. Esta decisão, confirmada pelo Concílio Ecuménico Lateranense V, 87 tem as suas raízes na experiência
maturada durante a Idade Média, quando foi posta em relevo a importância de uma
harmonia construtiva entre o saber filosófico e o teológico. Esta organização
dos estudos influenciou, facilitou e promoveu, embora de forma indirecta, uma
boa parte do progresso da filosofia moderna. Temos um exemplo significativo na
influência exercida pelas Disputationes metaphysicæ de Francisco Suárez, que
eram seguidas até mesmo nas universidades luteranas da Alemanha. Pelo
contrário, o abandono desta metodologia foi causa de graves carências, tanto na
formação sacerdotal como na investigação teológica. Basta considerar, por
exemplo, como a sua negligência no âmbito do pensamento e da cultura moderna
levou ao encerramento de toda a forma de diálogo ou à recepção indiscriminada
de qualquer filosofia.
Nutro profunda esperança de que estas
dificuldades serão superadas mercê de uma sábia formação filosófica e
teológica, que nunca deve faltar na Igreja.
63. Em virtude das razões aduzidas, senti a
urgência de confirmar, por meio desta carta encíclica, o grande interesse que a
Igreja tem pela filosofia; ou melhor, a ligação íntima do trabalho teológico
com a investigação filosófica da verdade. Daqui nasce o dever que o Magistério
tem de discernir e estimular um pensamento filosófico que não esteja em
dissonância com a fé. A minha missão é propor alguns princípios e pontos de
referência, que considero necessários para se poder instaurar uma relação
harmoniosa e eficaz entre a teologia e a filosofia. À luz deles, será possível
discernir com maior clareza se e como deve a teologia relacionar-se com os
diversos sistemas ou asserções filosóficas que o mundo actual apresenta.
CAPÍTULO
VI - INTERACÇÃO DA TEOLOGIA COM A FILOSOFIA
1. A
ciência da fé e as exigências da razão filosófica
64. A palavra de Deus destina-se a todo o
homem, de qualquer época e lugar da terra; e o homem, por natureza, é filósofo.
Por sua vez, a teologia, enquanto elaboração reflexiva e científica da
compreensão da palavra divina à luz da fé, não pode deixar de recorrer às
filosofias que vão surgindo ao longo da história, tanto para algumas das suas
formas de proceder como para realizar funções mais específicas. Sem pretender
indicar aos teólogos metodologias particulares — porque tal não compete ao
Magistério —, desejo, porém, lembrar algumas funções próprias da teologia,
onde, por causa da própria natureza da Palavra revelada, se exige o recurso ao
pensamento filosófico.
65. A teologia está organizada, enquanto
ciência da fé, à luz dum duplo princípio metodológico: auditus fidei e
intellectus fidei. Com o primeiro, recolhe os conteúdos da Revelação tal como
se foram explicitando progressivamente na Sagrada Tradição, na Sagrada
Escritura e no Magistério vivo da Igreja. 88
Pelo segundo, a teologia quer responder às exigências próprias do pensamento,
através da reflexão especulativa.
Quanto à preparação para um correcto
auditus fidei, a filosofia proporciona à teologia a sua ajuda peculiar, quando
examina a estrutura do conhecimento e da comunicação pessoal, e sobretudo as
várias formas e funções da linguagem. Igualmente importante é a contribuição da
filosofia para uma compreensão mais coerente da Tradição eclesial, das
intervenções do Magistério e das sentenças dos grandes mestres da teologia:
estes, de facto, exprimem-se frequentemente por conceitos e formas de
pensamento conotados com determinada tradição filosófica. Neste caso, pede-se
ao teólogo não só que exponha conceitos e termos através dos quais a Igreja
possa reflectir e elaborar a sua doutrina, mas que conheça profundamente também
os sistemas filosóficos que tenham, porventura, influenciado as noções e a
terminologia, a fim de se chegar a interpretações correctas e coerentes.
66. Relativamente ao intellectus fidei, importa
considerar, antes de mais, que a Verdade divina, «que nos é proposta nas
Sagradas Escrituras, interpretadas correctamente pela doutrina da Igreja», 89 goza de uma inteligibilidade própria,
logicamente tão coerente que se deve propor como um autêntico saber. O
intellectus fidei explicita esta verdade, não só quando investiga as estruturas
lógicas e conceptuais das proposições em que se articula a doutrina da Igreja,
mas também e sobretudo quando põe em realce o significado salvífico de tais
proposições para o indivíduo e para a humanidade. É pelo conjunto destas
proposições que o crente chega a conhecer a história da salvação, que culmina
na pessoa de Jesus Cristo e no seu mistério pascal; ele participa deste
mistério, com a sua adesão de fé.
A teologia dogmática deve ser capaz de
articular o sentido universal do mistério de Deus, Uno e Trino, e da economia
da salvação, quer de modo narrativo, quer sobretudo de forma argumentativa. Por
outras palavras, deve fazê-lo mediante expressões conceptuais, formuladas de
modo crítico e universalmente acessível. De facto, sem o contributo da
filosofia não seria possível ilustrar certos conteúdos teológicos como, por
exemplo, a linguagem sobre Deus, as relações pessoais no seio da Santíssima
Trindade, a acção criadora de Deus no mundo, a relação entre Deus e o homem, a
identidade de Cristo que é verdadeiro Deus e verdadeiro homem. E o mesmo se
diga de diversos temas da teologia moral, onde é preciso recorrer, de imediato,
a conceitos como lei moral, consciência, liberdade, responsabilidade pessoal,
culpa, etc., cuja definição provém da ética filosófica.
Por isso, é necessário que a razão do
crente tenha um conhecimento natural, verdadeiro e coerente das coisas criadas,
do mundo e do homem, que são também objecto da revelação divina; mais ainda,
ela deve ser capaz de articular este conhecimento de maneira conceptual e
argumentativa. Assim, a teologia dogmática especulativa pressupõe e implica uma
filosofia do homem, do mundo e, mais radicalmente, do próprio ser, fundada
sobre a verdade objectiva.
67. A teologia fundamental, pelo seu
próprio carácter de disciplina que tem por função dar razão da fé (cf. 1
Ped 3, 15), deverá procurar justificar e explicitar a relação entre a fé
e a reflexão filosófica. Já o Concílio Vaticano
I, reafirmando o ensinamento paulino (cf. Rom 1, 19-20), chamara
a atenção para o facto de existirem verdades que se podem conhecer de modo
natural e, consequentemente, filosófico. O seu conhecimento constitui um
pressuposto necessário para acolher a revelação de Deus. Quando a teologia
fundamental estuda a Revelação e a sua credibilidade com o relativo acto de fé,
deverá mostrar como emergem, à luz do conhecimento pela fé, algumas verdades
que a razão, autonomamente, já encontra ao longo do seu caminho de pesquisa. A
essas verdades, a Revelação confere-lhes plenitude de sentido, orientando-as
para a riqueza do mistério revelado, onde encontram o seu fim último. Basta
pensar, por exemplo, ao conhecimento natural de Deus, à possibilidade de
distinguir a revelação divina de outros fenómenos, ou ao conhecimento da sua
credibilidade, à capacidade que tem a linguagem humana de falar, de modo
significativo e verdadeiro, mesmo do que ultrapassa a experiência humana. Por
todas estas verdades, a mente é levada a reconhecer a existência duma via
realmente propedêutica à fé, que pode desembocar no acolhimento da Revelação,
sem faltar minimamente aos seus próprios princípios e autonomia. 90
Da mesma forma, a teologia fundamental
deverá manifestar a compatibilidade intrínseca entre a fé e a sua exigência
essencial de se explicitar através de uma razão capaz de dar com plena
liberdade o seu consentimento. Assim, a fé saberá «mostrar plenamente o caminho
a uma razão em busca sincera da verdade. Deste modo a fé, dom de Deus, apesar
de não se basear na razão, decerto não pode existir sem ela; ao mesmo tempo,
surge a necessidade de que a razão se fortifique na fé, para descobrir os
horizontes aos quais, sozinha, não poderia chegar». 91
68. A teologia moral tem, possivelmente,
uma necessidade ainda maior do contributo filosófico. Na Nova Aliança, a vida
humana está efectivamente muito menos regulada por prescrições do que na Antiga.
A vida no Espírito conduz os crentes a uma liberdade e responsabilidade que
ultrapassam a própria Lei. No entanto, o Evangelho e os escritos apostólicos
não deixam de propor ora princípios gerais de conduta cristã, ora ensinamentos
e preceitos específicos; para aplicá-los às circunstâncias concretas da vida
individual e social, o cristão tem necessidade de valer-se plenamente da sua
consciência e da força do seu raciocínio. Por outras palavras, a teologia moral
deve recorrer a uma visão filosófica correcta tanto da natureza humana e da
sociedade, como dos princípios gerais duma decisão ética.
69. Talvez se possa objectar que, na
situação actual, o teólogo, mais do que à filosofia, deveria recorrer à ajuda
de outras formas do saber humano, concretamente à história e sobretudo às
ciências, de que todos admiram os progressos extraordinários recentemente
alcançados. Outros, impelidos por uma maior sensibilidade à relação entre fé e
culturas, defendem que a teologia deveria dar preferência às sabedorias
tradicionais, em vez de uma filosofia de origem grega e eurocêntrica. Outros
ainda, partindo duma concepção errada do pluralismo de culturas, negam
simplesmente o valor universal do património filosófico abraçado pela Igreja.
Os aspectos sublinhados, já presentes aliás
na doutrina conciliar, 92 contêm
uma parte de verdade. O referimento às ciências, útil em muitos casos porque
permite um conhecimento mais completo do objecto de estudo, não deve, porém,
fazer esquecer a necessidade que há da mediação duma reflexão tipicamente
filosófica, crítica e aberta ao universal, solicitada também por um fecundo
intercâmbio entre as culturas. A minha preocupação é pôr em destaque o dever de
não se ficar pelo caso isolado e concreto, descuidando assim a tarefa primária
que é manifestar o carácter universal do conteúdo de fé. Além disso, não se
deve esquecer que a peculiar contribuição do pensamento filosófico permite
discernir, tanto nas diversas concepções da vida como nas culturas, «não o que
os homens pensam, mas qual é a verdade objectiva». 93 Não as diversas opiniões humanas, mas somente a
verdade pode servir de ajuda à filosofia.
70. Além do mais, o tema da relação com as
culturas merece uma reflexão específica, apesar de necessariamente não
exaustiva, pelas implicações que daí derivam para as vertentes filosófica e
teológica. O processo de encontro e comparação com as culturas é uma experiência
que a Igreja viveu desde os começos da pregação do Evangelho. O mandato de
Cristo aos discípulos para irem, a toda a parte «até aos confins do mundo» (Act
1, 8), transmitir a verdade revelada por Ele, fez com que a comunidade
cristã pudesse bem cedo dar-se conta da universalidade do anúncio e dos
obstáculos resultantes da diversidade das culturas. Um trecho da carta de S.
Paulo aos cristãos de Éfeso oferece uma válida ajuda para compreender como a
Comunidade Primitiva enfrentou este problema. Escreve o Apóstolo: «Agora porém,
vós, que outrora estáveis longe, pelo Sangue de Cristo vos aproximastes. Ele é
a nossa paz, Ele que de dois povos fez um só, destruindo o muro de inimizade
que os separava» (2, 13-14).
Iluminada por este texto, a nossa reflexão
pode debruçar-se sobre a transformação que se operou nos gentios quando
abraçaram a fé. As barreiras que separam as diversas culturas caem diante da
riqueza da salvação, realizada por Cristo. Agora, em Cristo, a promessa de Deus
torna-se uma oferta universal: não limitada já à dimensão particular de um
povo, da sua língua ou dos seus costumes, mas alargada a todos, como um
património ao qual cada um pode livremente ter acesso. Dos mais diversos
lugares e tradições, todos são chamados, em Cristo, a participar na unidade da
família dos filhos de Deus. Cristo faz com que dois povos se tornem «um só». Os
que «estavam longe» ficaram «próximo», graças à novidade gerada pelo mistério
pascal. Jesus abate os muros de divisão e realiza a unificação, de um modo
original e supremo, por meio da participação no seu mistério. Esta unidade é
tão profunda que a Igreja pode dizer com S. Paulo: «Já não sois hóspedes nem
peregrinos, mas sois concidadãos dos santos e membros da família de Deus» (Ef
2, 19).
Nesta asserção tão simples, está contida
uma grande verdade: o encontro da fé com as diversas culturas deu vida a uma
nova realidade. Na verdade, quando as culturas estão profundamente radicadas na
natureza humana, contêm em si mesmas o testemunho da abertura, própria do
homem, ao universal e à transcendência. É por isso que elas apresentam
perspectivas distintas da verdade, que são de evidente utilidade para o homem,
porque lhe fazem vislumbrar valores capazes de tornar a sua existência sempre
mais humana. 94 Por outro lado, na medida em que evocam os valores das
tradições antigas, as culturas trazem consigo — embora de modo implícito, mas
nem por isso menos real — a referência à manifestação de Deus na natureza, como
se viu antes nos textos sapienciais e no ensinamento de S. Paulo.
71. Uma vez que as culturas estão
intimamente relacionadas com os homens e a sua história, partilham das mesmas
dinâmicas do tempo humano. E, consequentemente, registam transformações e
progressos com os encontros que os homens promovem e com as recíprocas
transmissões dos seus modelos de vida. As culturas alimentam-se com a
comunicação de valores, e a sua vitalidade e subsistência dependem da sua capacidade
de permanecerem abertas para acolher a novidade. Como se explicam tais
dinâmicas? Todo o homem está integrado numa cultura; depende dela, e sobre ela
influi. É simultaneamente filho e pai da cultura onde está inserido. Em cada
manifestação da sua vida, o homem traz consigo algo que o caracteriza no meio
da criação: a sua constante abertura ao mistério e o seu desejo inexaurível de
conhecimento. Em consequência, cada cultura traz gravada em si mesma e deixa
transparecer a tensão para uma plenitude. Pode-se, portanto, dizer que a
cultura contém em si própria a possibilidade de acolher a revelação divina.
Também o modo como os cristãos vivem a fé,
está imbuído da cultura do ambiente circundante, e vai progressivamente
contribuindo, por sua vez, para modelar as características do mesmo. Os
cristãos transmitem, a cada cultura, a verdade imutável que Deus revelou na
história e na cultura dum povo. Ao longo dos séculos, continua a reproduzir-se
o mesmo fenómeno testemunhado pelos peregrinos presentes em Jerusalém, no dia
de Pentecostes. Ao escutarem os Apóstolos, perguntavam-se: «Mas quê! Essa gente
que está a falar não é da Galileia? Que se passa, então, para que cada um de
nós os oiça falar na nossa língua materna? Partos, medos, elamitas, habitantes
da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia, do Ponto e da Ásia, da Frígia e da
Panfília, do Egipto e das regiões da Líbia, vizinha de Cirene, colonos de Roma,
judeus e prosélitos, cretenses e árabes, ouvimo-los anunciar nas nossas línguas
as maravilhas de Deus!» (Act 2, 7-11). O anúncio do Evangelho nas
diversas culturas, ao exigir de cada um dos destinatários a adesão da fé, não
os impede de conservar a própria identidade cultural. Isto não provoca qualquer
divisão, pois o povo dos baptizados distingue-se por uma universalidade que é
capaz de acolher todas as culturas, fazendo com que aquilo que nelas está
implícito se desenvolva até à sua explanação plena na verdade.
Em consequência disto, uma cultura nunca
pode servir de critério de juízo e, menos ainda, de critério último de verdade
a respeito da revelação de Deus. O Evangelho não é contrário a esta ou àquela
cultura, como se quisesse, ao encontrar-se com ela, privá-la daquilo que lhe
pertence, e a obrigasse a assumir formas extrínsecas que lhe são estranhas. Pelo
contrário, o anúncio que o crente leva ao mundo e às culturas é uma forma real
de libertação de toda a desordem introduzida pelo pecado e, simultaneamente,
uma chamada à verdade plena. Neste encontro, as culturas não são privadas de
nada, antes são estimuladas a abrirem-se à novidade da verdade evangélica, de
que recebem impulso para novos progressos.
72. O facto da missão evangelizadora ter
encontrado em primeiro lugar no seu caminho a filosofia grega, não constitui de
forma alguma impedimento para outros relacionamentos. Hoje, à medida que o
Evangelho entra em contacto com áreas culturais que estiveram até agora fora do
âmbito de irradiação do cristianismo, novas tarefas se abrem à inculturação.
Colocam-se à nossa geração problemas análogos aos que a Igreja teve de
enfrentar nos primeiros séculos.
O meu pensamento vai espontaneamente até às
terras do Oriente, tão ricas de tradições religiosas e filosóficas muito
antigas. Entre elas, ocupa um lugar especial a Índia. Um grande ímpeto
espiritual leva o pensamento indiano a procurar uma experiência que, libertando
o espírito dos condicionamentos de tempo e espaço, tenha valor de absoluto. No
dinamismo desta busca de libertação, situam-se grandes sistemas metafísicos.
Compete aos cristãos de hoje, sobretudo aos
da Índia, a tarefa de extrair deste rico património os elementos compatíveis
com a sua fé, para se obter um enriquecimento do pensamento cristão. Nesta obra
de discernimento, que tem a sua fonte de inspiração na Declaração Conciliar Nostra aetate, deverão ter em consideração um
certo número de critérios. O primeiro é a universalidade do espírito humano,
cujas exigências fundamentais são idênticas nas mais distintas culturas. O
segundo, derivado do anterior, consiste no seguinte: quando a Igreja entra em
contacto com grandes culturas que nunca tinha encontrado antes, não pode pôr de
parte o que adquiriu pela inculturação no pensamento greco-latino. Rejeitar uma
tal herança seria contrariar o desígnio providencial de Deus, que conduz a sua
Igreja pelos caminhos do tempo e da história. Aliás, este critério é válido
para a Igreja de todos os tempos — também para a Igreja de amanhã, que se
sentirá enriquecida com as aquisições resultantes do encontro em nossos dias
com as culturas orientais, e desta herança há-de tirar, por sua vez, indicações
novas para entrar frutuosamente em diálogo com as culturas que a humanidade
fizer florir no seu caminho rumo ao futuro. Em terceiro lugar, há-de
precaver-se por não confundir a legítima reivindicação de especificidade e
originalidade do pensamento indiano, com a ideia de que uma tradição cultural
deve enclausurar-se na sua diferença e afirmar-se pela sua oposição às outras
tradições — ideia essa que seria contrária precisamente à natureza do espírito
humano.
O que fica dito para a Índia, vale também
para a herança das grandes culturas da China, do Japão e demais países da Ásia,
bem como das riquezas das culturas tradicionais da África, transmitidas sobretudo
por via oral.
Revisão da tradução portuguesa por ama
___________________________
Notas:
80 Cf. Carta enc. ÆTERNI PATRIS (4 de
Agosto de 1879): ASS 11 (1878-1879), nn. 14-15.
81 Cf. ibid., 20-21.
82 Ibid., 22; cf. João Paulo II, Carta enc.
Redemptor hominis (4 de Março de 1979), 8: AAS 71 (1979), 271-272.
83 Decr. sobre a formação sacerdotal
Optatam totius, 15.
84 Cf. João Paulo II, Const. ap. Sapientia
christiana (15 de Abril de 1979), arts. 79-80: AAS 71 (1979), 495-496; Exort.
ap. pós-sinodal Pastores dabo vobis (25 de Março de 1992), 52: AAS 84 (1992), 750-751.
Vejam-se também algumas reflexões sobre a filosofia de S. Tomás: Discurso na
Pontifícia Universidade de S. Tomás (17 de Novembro de 1979): L'Osservatore
Romano (ed. portuguesa de 25 de Novembro de 1979), 1; Discurso aos participantes
no VIII Congresso Tomista Internacional (13 de Setembro de 1980): L'Osservatore
Romano (ed. portuguesa de 28 de Setembro de 1980), 4; Discurso aos
participantes no Congresso Internacional da Sociedade S. Tomás de Aquino sobre
« A doutrina tomista da alma » (4 de Janeiro de 1986): L'Osservatore Romano
(ed. portuguesa de 12 de Janeiro de 1986), 9. E ainda: S. Congr. da Educação
Católica, Ratio fundamentalis institutionis sacerdotalis (6 de Janeiro de
1970), 70-75: AAS 62 (1970), 366-368; Decr. Sacra theologia (20 de Janeiro de
1972): AAS 64 (1972), 583-586.
85 Cf. Const. past. sobre a Igreja no mundo
contemporâneo Gaudium et spes, 57.62.
86 Cf. ibid., 44.
87 Cf. Bula Apostolici regimini
sollicitudo, Sessão VIII: Conc. Rcum. Decreta (1991), 605-606.
88 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm.
sobre a revelação divina Dei Verbum, 10.
89 S. Tomás de Aquino, Summa theologiæ,
II-II, 5, 3 ad 2.
90 « A busca das condições, nas quais o
homem faz por si próprio as primeiras perguntas fundamentais acerca do sentido
da vida, do fim que lhe deseja dar e daquilo que o espera depois da morte,
constitui para a Teologia Fundamental o preâmbulo necessário, para que, também
hoje, a fé possa mostrar plenamente o caminho a uma razão em busca sincera da
verdade » [João Paulo II, Carta aos participantes no Congresso Internacional de
Teologia Fundamental por ocasião do 125o aniversário da promulgação da Const.
dogm. « Dei Filius » (30 de Setembro de 1995), 4: L'Osservatore Romano, (ed.
portuguesa de 7 de Outubro de 1995), 10].
91 Ibid., 4: o.c., 10.
92 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past.
sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 15; Decr. sobre a
actividade missionária da Igreja Ad gentes, 22.
93 S. Tomás de Aquino, De Cœlo 1, 22.
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