Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
Para ver, clicar SFF.
Evangelho: Mt 22, 41; 23, 12
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Evangelho: Mt 22, 41; 23, 12
41 Estando
reunidos os fariseus, Jesus interrogou-os: 42 «Que vos parece do
Cristo? De quem é Ele filho?». Responderam-Lhe: «De David». 43 Jesus
disse-lhes: «Como é, pois, que David Lhe chama Senhor, inspirado pelo Espírito,
dizendo: 44 “Disse o Senhor ao Meu Senhor: Senta-te à Minha direita,
até que Eu ponha os Teus inimigos debaixo dos Teus pés”? 45 Se, pois, David Lhe chama
Senhor, como pode ser seu filho?». 46 Ninguém era capaz de Lhe
responder uma só palavra. E daquele dia em diante ninguém mais ousou
interrogá-l'O.
1 Então, Jesus falou às multidões e aos Seus
discípulos, 2 dizendo: «Sobre a cadeira de Moisés sentaram-se os
escribas e os fariseus. 3 Observai, pois, e fazei tudo o que eles
vos disserem, mas não imiteis as suas acções, porque dizem e não fazem. 4
Atam cargas pesadas e impossíveis de levar, e as põem sobre os ombros dos
outros homens, mas nem com um dedo as querem mover. 5 Fazem todas as
suas obras para serem vistos pelos homens. Trazem mais largas as filactérias, e
mais compridas as franjas dos seus mantos. 6 Gostam de ter os
primeiros lugares nos banquetes, e as primeiras cadeiras nas sinagogas, 7
das saudações na praça, e de serem chamados rabi pelos homens. 8 Mas
vós não vos façais chamar rabis, porque um só é o vosso Mestre, e vós sois
todos irmãos. 9 A ninguém chameis pai sobre a terra, porque um só é
o vosso Pai, O que está nos céus. 10 Nem façais que vos chamem
mestres, porque um só é o vosso Mestre, Cristo. 11 Quem entre vós
for o maior, seja vosso servo. 12 Aquele que se exaltar será
humilhado, e quem se humilhar será exaltado.
Ioannes Paulus PP.
II
Fides et ratio
aos Bispos da
Igreja Católica
sobre as relações
entre Fé e Razão
1998.09.14
Bênção
Venerados Irmãos no Episcopado, saúde e
Bênção Apostólica!
A fé e a razão (fides et ratio) constituem
como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a
contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de
conhecer a verdade e, em última análise, de O conhecer a Ele, para que,
conhecendo-O e amando-O, possa chegar também à verdade plena sobre si próprio (cf.
Ex 33, 18; Sal 2726, 8-9; 6362, 2-3; Jo 14, 8; 1 Jo 3, 2).
INTRODUÇÃO
- «CONHECE-TE A TI MESMO»
1. Tanto no Oriente como no Ocidente, é
possível entrever um caminho que, ao longo dos séculos, levou a humanidade a
encontrar-se progressivamente com a verdade e a confrontar-se com ela. É um
caminho que se realizou — nem podia ser de outro modo — no âmbito da auto-consciência
pessoal: quanto mais o homem conhece a realidade e o mundo, tanto mais se
conhece a si mesmo na sua unicidade, ao mesmo tempo que nele se torna cada vez
mais premente a questão do sentido das coisas e da sua própria existência. O
que chega a ser objecto do nosso conhecimento, torna-se por isso mesmo parte da
nossa vida. A recomendação conhece-te a ti mesmo estava esculpida no dintel do
templo de Delfos, para testemunhar uma verdade basilar que deve ser assumida
como regra mínima de todo o homem que deseje distinguir-se, no meio da criação
inteira, pela sua qualificação de «homem, ou seja, enquanto «conhecedor de si
mesmo».
Aliás, basta um simples olhar pela história
antiga para ver com toda a clareza como surgiram simultaneamente, em diversas
partes da terra animadas por culturas diferentes, as questões fundamentais que
caracterizam o percurso da existência humana: Quem sou eu? Donde venho e para
onde vou? Porque existe o mal? O que é que existirá depois desta vida? Estas
perguntas encontram-se nos escritos sagrados de Israel, mas aparecem também nos
Vedas e no Avestá; achamo-las tanto nos escritos de Confúcio e Lao-Tze, como na
pregação de Tirtankara e de Buda; e assomam ainda quer nos poemas de Homero e
nas tragédias de Eurípides e Sófocles, quer nos tratados filosóficos de Platão
e Aristóteles. São questões que têm a sua fonte comum naquela exigência de
sentido que, desde sempre, urge no coração do homem: da resposta a tais
perguntas depende efectivamente a orientação que se imprime à existência.
2. A Igreja não é alheia, nem pode sê-lo, a
este caminho de pesquisa. Desde que recebeu, no Mistério Pascal, o dom da
verdade última sobre a vida do homem, ela fez-se peregrina pelas estradas do mundo,
para anunciar que Jesus Cristo é «o caminho, a verdade e a vida» (Jo 14,
6). De entre os vários serviços que ela deve oferecer à humanidade, há um
cuja responsabilidade lhe cabe de modo absolutamente peculiar: é a diaconia da
verdade. 1 Por um lado, esta
missão torna a comunidade crente participante do esforço comum que a humanidade
realiza para alcançar a verdade, 2
e, por outro, obriga-a a empenhar-se no anúncio das certezas adquiridas, ciente
todavia de que cada verdade alcançada é apenas mais uma etapa rumo àquela
verdade plena que se há--de manifestar na última revelação de Deus: «Hoje vemos
como por um espelho, de maneira confusa, mas então veremos face a face. Hoje
conheço de maneira imperfeita, então conhecerei exactamente» (1 Cor 13,
12).
3. Variados são os recursos que o homem
possui para progredir no conhecimento da verdade, tornando assim cada vez mais
humana a sua existência. De entre eles sobressai a filosofia, cujo contributo
específico é colocar a questão do sentido da vida e esboçar a resposta:
constitui, pois, uma das tarefas mais nobres da humanidade. O termo filosofia
significa, segundo a etimologia grega, «amor à sabedoria». Efectivamente a
filosofia nasceu e começou a desenvolver-se quando o homem principiou a
interrogar-se sobre o porquê das coisas e o seu fim. Ela demonstra, de
diferentes modos e formas, que o desejo da verdade pertence à própria natureza
do homem. Interrogar-se sobre o porquê das coisas é uma propriedade natural da
sua razão, embora as respostas, que esta aos poucos vai dando, se integrem num
horizonte que evidencia a complementaridade das diferentes culturas onde o
homem vive.
A grande incidência que a filosofia teve na
formação e desenvolvimento das culturas do Ocidente não deve fazer-nos esquecer
a influência que a mesma exerceu também nos modos de conceber a existência
presente no Oriente. Na realidade, cada povo possui a sua própria sabedoria
natural, que tende, como autêntica riqueza das culturas, a exprimir-se e a
maturar em formas propriamente filosóficas. Prova da verdade de tudo isto é a
existência duma forma basilar de conhecimento filosófico, que perdura até aos
nossos dias e que se pode constatar nos próprios postulados em que as várias
legislações nacionais e internacionais se inspiram para regular a vida social.
4. Deve-se assinalar, porém, que, por
detrás dum único termo, se escondem significados diferentes. Por isso, é
necessária uma explicitação preliminar. Impelido pelo desejo de descobrir a
verdade última da existência, o homem procura adquirir aqueles conhecimentos universais
que lhe permitam uma melhor compreensão de si mesmo e progredir na sua
realização. Os conhecimentos fundamentais nascem da maravilha que nele suscita
a contemplação da criação: o ser humano enche-se de encanto ao descobrir-se
incluído no mundo e relacionado com outros seres semelhantes, com quem partilha
o destino. Parte daqui o caminho que o levará, depois, à descoberta de
horizontes de conhecimentos sempre novos. Sem tal assombro, o homem
tornar-se-ia repetitivo e, pouco a pouco, incapaz de uma existência
verdadeiramente pessoal.
A capacidade reflexiva própria do intelecto
humano permite elaborar, através da actividade filosófica, uma forma de pensamento
rigoroso, e assim construir, com coerência lógica entre as afirmações e coesão
orgânica dos conteúdos, um conhecimento sistemático. Graças a tal processo,
alcançaram-se, em contextos culturais diversos e em diferentes épocas
históricas, resultados que levaram à elaboração de verdadeiros sistemas de
pensamento. Historicamente isto gerou muitas vezes a tentação de identificar
uma única corrente com o pensamento filosófico inteiro. Mas, nestes casos, é
claro que entra em jogo uma certa «soberba filosófica», que pretende arvorar em
leitura universal a própria perspectiva e visão imperfeita. Na realidade, cada
sistema filosófico, sempre no respeito da sua integridade e livre de qualquer
instrumentalização, deve reconhecer a prioridade do pensar filosófico de que
teve origem e ao qual deve coerentemente servir.
Neste sentido, é possível, não obstante a
mudança dos tempos e os progressos do saber, reconhecer um núcleo de
conhecimentos filosóficos, cuja presença é constante na história do pensamento.
Pense-se, só como exemplo, nos princípios de não-contradição, finalidade,
causalidade, e ainda na concepção da pessoa como sujeito livre e inteligente, e
na sua capacidade de conhecer Deus, a verdade, o bem; pense-se, além disso, em
algumas normas morais fundamentais que geralmente são aceites por todos. Estes
e outros temas indicam que, para além das correntes de pensamento, existe um
conjunto de conhecimentos, nos quais é possível ver uma espécie de património
espiritual da humanidade. É como se nos encontrássemos perante uma filosofia
implícita, em virtude da qual cada um sente que possui estes princípios, embora
de forma genérica e não reflectida. Estes conhecimentos, precisamente porque
partilhados em certa medida por todos, deveriam constituir uma espécie de ponto
de referência para as diversas escolas filosóficas. Quando a razão consegue
intuir e formular os princípios primeiros e universais do ser, e deles deduzir
correcta e coerentemente conclusões de ordem lógica e deontológica, então
pode-se considerar uma razão recta, ou, como era chamada pelos antigos, orthos
logos, recta ratio.
5. A Igreja, por sua vez, não pode deixar
de apreciar o esforço da razão na consecução de objectivos que tornem cada vez
mais digna a existência pessoal. Na verdade, ela vê, na filosofia, o caminho
para conhecer verdades fundamentais relativas à existência do homem. Ao mesmo
tempo, considera a filosofia uma ajuda indispensável para aprofundar a
compreensão da fé e comunicar a verdade do Evangelho a quantos não a conhecem
ainda.
Na sequência de iniciativas análogas dos
meus Predecessores, desejo também eu debruçar-me sobre esta actividade peculiar
da razão. Faço-o movido pela constatação, sobretudo em nossos dias, de que a
busca da verdade última aparece muitas vezes ofuscada. A filosofia moderna
possui, sem dúvida, o grande mérito de ter concentrado a sua atenção sobre o
homem. Partindo daí, uma razão cheia de interrogativos levou por diante o seu
desejo de conhecer sempre mais ampla e profundamente. Desta forma, foram
construídos sistemas de pensamento complexos, que deram os seus frutos nos
diversos âmbitos do conhecimento, favorecendo o progresso da cultura e da história.
A antropologia, a lógica, as ciências da natureza, a história, a linguística,
de algum modo, todo o universo do saber foi abarcado. Todavia, os resultados
positivos alcançados não devem levar a transcurar o facto de que essa mesma
razão, porque ocupada a investigar de maneira unilateral o homem como objecto,
parece ter-se esquecido de que este é sempre chamado a voltar-se também para
uma realidade que o transcende. Sem referência a esta, cada um fica ao sabor do
livre arbítrio, e a sua condição de pessoa acaba por ser avaliada com critérios
pragmáticos baseados essencialmente sobre o dado experimental, na errada
convicção de que tudo deve ser dominado pela técnica. Foi assim que a razão,
sob o peso de tanto saber, em vez de exprimir melhor a tensão para a verdade,
curvou-se sobre si mesma, tornando-se incapaz, com o passar do tempo, de
levantar o olhar para o alto e de ousar atingir a verdade do ser. A filosofia
moderna, esquecendo-se de orientar a sua pesquisa para o ser, concentrou a
própria investigação sobre o conhecimento humano. Em vez de se apoiar sobre a
capacidade que o homem tem de conhecer a verdade, preferiu sublinhar as suas
limitações e condicionalismos.
Daí provieram várias formas de agnosticismo
e relativismo, que levaram a investigação filosófica a perder-se nas areias
movediças dum cepticismo geral. E, mais recentemente, ganharam relevo diversas doutrinas
que tendem a desvalorizar até mesmo aquelas verdades que o homem estava certo
de ter alcançado. A legítima pluralidade de posições cedeu o lugar a um
pluralismo indefinido, fundado no pressuposto de que todas as posições são
equivalentes: trata-se de um dos sintomas mais difusos, no contexto actual, de
desconfiança na verdade. E esta ressalva vale também para certas concepções de
vida originárias do Oriente: é que negam à verdade o seu carácter exclusivo, ao
partirem do pressuposto de que ela se manifesta de modo igual em doutrinas
diversas ou mesmo contraditórias entre si. Neste horizonte, tudo fica reduzido
a mera opinião. Dá a impressão de um movimento ondulatório: enquanto, por um
lado, a razão filosófica conseguiu avançar pela estrada que a torna cada vez
mais atenta à existência humana e às suas formas de expressão, por outro tende
a desenvolver considerações existenciais, hermenêuticas ou linguísticas, que
prescindem da questão radical relativa à verdade da vida pessoal, do ser e de
Deus. Como consequência, despontaram, não só em alguns filósofos mas no homem
contemporâneo em geral, atitudes de desconfiança generalizada quanto aos
grandes recursos cognoscitivos do ser humano. Com falsa modéstia, contentam-se
de verdades parciais e provisórias, deixando de tentar pôr as perguntas
radicais sobre o sentido e o fundamento último da vida humana, pessoal e
social. Em suma, esmoreceu a esperança de se poder receber da filosofia
respostas definitivas a tais questões.
6. Credenciada pelo facto de ser depositária
da revelação de Jesus Cristo, a Igreja deseja reafirmar a necessidade da
reflexão sobre a verdade. Foi por este motivo que decidi dirigir-me a vós,
venerados Irmãos no Episcopado, com quem partilho a missão de anunciar
«abertamente a verdade» (2 Cor 4, 2), e dirigir-me também aos
teólogos e filósofos a quem compete o dever de investigar os diversos aspectos
da verdade, e ainda a quantos andam à procura duma resposta, para comunicar
algumas reflexões sobre o caminho que conduz à verdadeira sabedoria, a fim de
que todo aquele que tiver no coração o amor por ela possa tomar a estrada certa
para a alcançar, e nela encontrar repouso para a sua fadiga e também satisfação
espiritual.
Tomo esta iniciativa, impelido, antes de
mais, pela certeza de que os Bispos, como assinala o Concílio Vaticano II, são «testemunhas da verdade divina e
católica» 3. Por isso,
testemunhar a verdade é um encargo que nos foi confiado a nós, os Bispos; não
podemos renunciar a ele, sem faltar ao ministério que recebemos. Reafirmando a
verdade da fé, podemos restituir ao homem de hoje uma genuína confiança nas
suas capacidades cognoscitivas e oferecer à filosofia um estímulo para poder
recuperar e promover a sua plena dignidade.
Há um segundo motivo que me induz a
escrever estas reflexões Na carta encíclica Veritatis splendor, chamei a
atenção para «algumas verdades fundamentais da doutrina católica que, no
contexto actual, correm o risco de serem deformadas ou negadas». 4 Com este novo documento, desejo continuar
aquela reflexão, concentrando a atenção precisamente sobre o tema da verdade e
sobre o seu fundamento em relação com a fé. De facto, não se pode negar que
este período, de mudanças rápidas e complexas, deixa sobretudo os jovens, a
quem pertence e de quem depende o futuro, na sensação de estarem privados de
pontos de referência autênticos. A necessidade de um alicerce sobre o qual
construir a existência pessoal e social faz-se sentir de maneira premente,
principalmente quando se é obrigado a constatar o carácter fragmentário de
propostas que elevam o efémero ao nível de valor, iludindo assim a
possibilidade de se alcançar o verdadeiro sentido da existência. Deste modo,
muitos arrastam a sua vida quase até à borda do precipício, sem saber o que os
espera. Isto depende também do facto de, às vezes, quem era chamado por vocação
a exprimir em formas culturais o fruto da sua reflexão, ter desviado o olhar da
verdade, preferindo o sucesso imediato ao esforço duma paciente investigação
sobre aquilo que merece ser vivido. A filosofia, que tem a grande
responsabilidade de formar o pensamento e a cultura através do apelo perene à
busca da verdade, deve recuperar vigorosamente a sua vocação originária. É por
isso que senti a necessidade e o dever de intervir sobre este tema, para que, no
limiar do terceiro milénio da era cristã, a humanidade tome consciência mais
clara dos grandes recursos que lhe foram concedidos, e se empenhe com renovada
coragem no cumprimento do plano de salvação, no qual está inserida a sua
história.
CAPÍTULO
I - A REVELAÇÃO DA SABEDORIA DE DEUS
1.
Jesus, revelador do Pai
7. Na base de toda a reflexão feita pela
Igreja, está a consciência de ser depositária duma mensagem, que tem a sua
origem no próprio Deus (cf. 2 Cor 4, 1-2). O conhecimento que ela
propõe ao homem, não provém de uma reflexão sua, nem sequer da mais alta, mas
de ter acolhido na fé a palavra de Deus (cf. 1 Tes 2, 13). Na origem
do nosso ser crentes existe um encontro, único no seu género, que assinala a
abertura de um mistério escondido durante tantos séculos (cf. 1 Cor 2, 7;
Rom 16, 25-26), mas agora revelado: «Aprouve a Deus, na sua bondade e
sabedoria, revelar-Se a Si mesmo e dar a conhecer o mistério da sua vontade (cf.
Ef 1, 9), segundo o qual os homens, por meio de Cristo, Verbo encarnado,
têm acesso ao Pai no Espírito Santo e se tornam participantes da natureza
divina». 5 Trata-se de uma
iniciativa completamente gratuita, que parte de Deus e vem ao encontro da humanidade
para a salvar. Enquanto fonte de amor, Deus deseja dar-Se a conhecer, e o
conhecimento que o homem adquire d'Ele leva à plenitude qualquer outro
conhecimento verdadeiro que a sua mente seja capaz de alcançar sobre o sentido
da própria existência.
8. Retomando quase literalmente a doutrina
presente na Constituição Dei Filius do
Concílio Vaticano I e tendo em conta
os princípios propostos pelo Concílio de Trento, a Constituição Dei Verbum do Vaticano
II continuou aquele caminho plurissecular de compreensão da fé, reflectindo
sobre a Revelação à luz da doutrina bíblica e de toda a tradição patrística. No
primeiro Concílio do Vaticano, os Padres tinham sublinhado o carácter
sobrenatural da revelação de Deus. A crítica racionalista que então se fazia
sentir contra a fé, baseada em teses erradas mas muito difusas, insistia sobre
a negação de qualquer conhecimento que não fosse fruto das capacidades naturais
da razão. Isto obrigara o Concílio a reafirmar vigorosamente que, além do
conhecimento da razão humana, por sua natureza, capaz de chegar ao Criador,
existe um conhecimento que é peculiar da fé. Este conhecimento exprime uma
verdade que se funda precisamente no facto de Deus que Se revela, e é uma
verdade certíssima porque Deus não Se engana nem quer enganar. 6
9. Por isso, o Concílio Vaticano I ensina que a verdade alcançada pela via da
reflexão filosófica e a verdade da Revelação não se confundem, nem uma torna a
outra supérflua: «Existem duas ordens de conhecimento, diversas não apenas pelo
seu princípio, mas também pelo objecto. Pelo seu princípio, porque, se num
conhecemos pela razão natural, no outro fazemo-lo por meio da fé divina; pelo
objecto, porque, além das verdades que a razão natural pode compreender, é-nos
proposto ver os mistérios escondidos em Deus, que só podem ser conhecidos se nos
forem revelados do Alto». 7 A fé,
que se fundamenta no testemunho de Deus e conta com a ajuda sobrenatural da
graça, pertence efectivamente a uma ordem de conhecimento diversa da do
conhecimento filosófico. De facto, este assenta sobre a percepção dos sentidos,
sobre a experiência, e move-se apenas com a luz do intelecto. A filosofia e as
ciências situam-se na ordem da razão natural, enquanto a fé, iluminada e guiada
pelo Espírito, reconhece na mensagem da salvação a «plenitude de graça e de
verdade» (cf. Jo 1, 14) que Deus quis revelar na história, de
maneira definitiva, por meio do seu Filho Jesus Cristo (cf. 1 Jo 5, 9; Jo
5, 31-32).
10. No Concílio
Vaticano II, os Padres, fixando a atenção sobre Jesus revelador, ilustraram
o carácter salvífico da revelação de Deus na história e exprimiram a sua
natureza do seguinte modo: «Em virtude desta revelação, Deus invisível (cf.
Col 1, 15; 1 Tim 1, 17), na riqueza do seu amor, fala aos homens como
amigos (cf. Ex 33, 11; Jo 15, 14-15) e convive com eles (cf. Bar
3, 38), para os convidar e admitir à comunhão com Ele. Esta economia da
Revelação realiza-se por meio de acções e palavras intimamente relacionadas
entre si, de tal maneira que as obras, realizadas por Deus na história da
salvação, manifestam e confirmam a doutrina e as realidades significadas pelas
palavras; e as palavras, por sua vez, declaram as obras e esclarecem o mistério
nelas contido. Porém, a verdade profunda tanto a respeito de Deus como a
respeito da salvação dos homens manifesta-se-nos, por esta Revelação, em
Cristo, que é simultaneamente o mediador e a plenitude de toda a revelação». 8
11. Assim, a revelação de Deus entrou no
tempo e na história. Mais, a encarnação de Jesus Cristo realiza-se na
«plenitude dos tempos» (Gal 4, 4). À distância de dois mil anos
deste acontecimento, sinto o dever de reafirmar intensamente que, «no
cristianismo, o tempo tem uma importância fundamental». 9 Com efeito, é nele que tem lugar toda a
obra da criação e da salvação, e sobretudo merece destaque o facto de que, com
a encarnação do Filho de Deus, vivemos e antecipamos desde já aquilo que se
seguirá ao fim dos tempos (cf. Heb 1, 2).
A verdade que Deus confiou ao homem a
respeito de Si mesmo e da sua vida insere-se, portanto, no tempo e na história.
Sem dúvida, aquela foi pronunciada uma vez por todas no mistério de Jesus de
Nazaré. Afirma-o, com palavras muito expressivas, a constituição Dei Verbum:
«Depois de ter falado muitas vezes e de muitos modos pelos profetas, falou-nos
Deus nestes nossos dias, que são os últimos, através de seu Filho (Heb 1,
1-2). Com efeito, enviou o seu Filho, isto é, o Verbo eterno, que ilumina
todos os homens, para habitar entre os homens e manifestar-lhes a vida íntima
de Deus (cf. Jo 1, 1-18). Jesus Cristo, Verbo feito carne, enviado
como homem para os homens, "fala, portanto, as palavras de Deus" (Jo
3, 34) e consuma a obra de salvação que o Pai Lhe mandou realizar (cf.
Jo 5, 36; 17, 4). Por isso, Ele — vê-l'O a Ele é ver o Pai (cf. Jo
14, 9) —, com toda a sua presença e manifestação da sua pessoa, com
palavras e obras, sinais e milagres, e sobretudo com a sua morte e gloriosa
ressurreição, e enfim, com o envio do Espírito de verdade, completa totalmente
e confirma com o testemunho divino a Revelação». 10
Assim, a história constitui um caminho que
o Povo de Deus há-de percorrer inteiramente, de tal modo que a verdade revelada
possa exprimir em plenitude os seus conteúdos, graças à acção incessante do
Espírito Santo (cf. Jo 16, 13). Ensina-o também a Constituição Dei Verbum, quando afirma
que « a Igreja, no decurso dos séculos, tende continuamente para a plenitude da
verdade divina, até que nela se realizem as palavras de Deus». 11
Revisão da tradução portuguesa por ama
___________________________
Notas:
1 Na minha primeira encíclica, a Redemptor
hominis, já tinha escrito: « Tornámo-nos participantes de tal missão de Cristo
profeta, e, em virtude desta mesma missão e juntamente com Ele, servimos a
verdade divina na Igreja. A responsabilidade por esta verdade implica também amá-la
e procurar obter a sua mais exacta compreensão, a fim de a tornarmos mais
próxima de nós mesmos e dos outros, com toda a sua força salvífica, com o seu
esplendor, com a sua profundidade e simultaneamente a sua simplicidade» [N. 19:
AAS 71 (1979), 306].
2 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. past.
sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 16.
3 Const. dogm. sobre a Igreja Lumen
gentium, 25.
4 N. 4: AAS 85 (1993), 1136.
5 Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. sobre a
revelação divina Dei Verbum, 2.
6 Cf. Const. dogm. sobre a fé católica Dei
Filius, III: DS 3008.
7 Ibid., IV: DS 3015; citado também em
Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium
et spes, 59.
8 Const. dogm. sobre a revelação divina Dei
Verbum, 2.
9 João Paulo II, Carta ap. Tertio millennio
adveniente (10 de Novembro de 1994), 10: AAS 87 (1995), 11.
10 N. 4.
11 João Paulo II, Carta ap. Tertio
millennio adveniente (10 de Novembro de 1994), 10: AAS 87 (1995), 8.
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