Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
Para ver, clicar SFF.
Evangelho: Mt 22, 23-40
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Evangelho: Mt 22, 23-40
23 Naquele mesmo dia foram ter com Ele os
saduceus, que negam a ressurreição, e interrogaram-n'O, 24 dizendo:
«Mestre, Moisés disse: “Se morrer algum homem sem ter filhos, case-se o seu
irmão com a mulher dele, e dê descendência a seu irmão”. 25 Ora
havia entre nós sete irmãos. O primeiro, depois de casado, morreu, e, não tendo
descendência, deixou a mulher ao irmão. 26 O mesmo sucedeu ao
segundo e ao terceiro, até ao sétimo. 27 Depois de todos, morreu
também a mulher. 28 Na ressurreição, de qual dos sete será a mulher,
porque todos foram casados com ela?». 29 Jesus, respondeu-lhes:
«Errais, e não compreendeis as Escrituras, nem o poder de Deus. 30
Porque na ressurreição, nem os homens terão mulheres, nem as mulheres maridos,
mas serão como os anjos de Deus no céu. 31 Acerca da ressurreição
dos mortos, não lestes o que Deus vos disse: 32 “Eu sou o Deus de Abraão,
o Deus de Isaac, e o Deus de Jacob”? Ora Ele não é Deus dos mortos, mas dos
vivos». 33 As multidões, ouvindo isto, admiravam-se com a Sua
doutrina. 34 Os fariseus, tendo sabido que Jesus reduzira ao
silêncio os saduceus, reuniram-se. 35 E um deles, doutor da Lei,
querendo pô-l'O à prova, perguntou-Lhe: 36 «Mestre, qual é o maior
mandamento da Lei?». 37 Jesus disse-lhe: «”Amarás o Senhor teu Deus
com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento”. 38
Este é o maior e o primeiro mandamento. 39 O segundo é semelhante a
este: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”. 40 Destes dois
mandamentos depende toda a Lei e os Profetas».
Ioannes
Paulus PP. II
Evangelium vitae
aos
Presbíteros e Diáconos
aos
Religiosos e Religiosas
aos
Fiéis leigos e a todas as Pessoas de Boa Vontade
sobre
o Valor e a Inviolabilidade
da
Vida Humana
…/14
95.
«Comportai-vos como filhos da luz. (...) Procurai o que é agradável ao Senhor,
e não participeis das obras infrutuosas das trevas» (Ef 5, 8.10-11).
No contexto social de hoje, marcado por uma luta dramática entre a «cultura da
vida» e a «cultura da morte», importa maturar um forte sentido crítico, capaz
de discernir os verdadeiros valores e as autênticas exigências.
Urge
uma mobilização geral das consciências e um esforço ético comum, para se actuar
uma grande estratégia a favor da vida. Todos juntos devemos construir uma nova
cultura da vida: nova, porque em condições de enfrentar e resolver os problemas
inéditos de hoje acerca da vida do homem; nova, porque assumida com convicção
mais firme e laboriosa por todos os cristãos; nova, porque capaz de suscitar um
sério e corajoso confronto cultural com todos. A urgência desta viragem
cultural está ligada à situação histórica que estamos a atravessar, mas
radica-se sobretudo na própria missão evangelizadora confiada à Igreja. De
facto, o Evangelho visa «transformar a partir de dentro e fazer nova a própria
humanidade»; 123 é como o fermento
que leveda toda a massa (cf. Mt 13, 33) e, como tal, é destinado a
permear todas as culturas e a animá-las a partir de dentro, 124 para que exprimam a verdade integral
sobre o homem e sua vida.
Tem-se
de começar por renovar a cultura da vida no seio das próprias comunidades
cristãs. Muitas vezes os crentes, mesmo até os que participam activamente na
vida eclesial, caiem numa espécie de dissociação entre a fé cristã e as suas
exigências éticas a propósito da vida, chegando assim ao subjectivismo moral e
a certos comportamentos inaceitáveis. Devemos, pois, interrogar-nos, com grande
lucidez e coragem, acerca da cultura da vida que reina hoje entre os indivíduos
cristãos, as famílias, os grupos e as comunidades das nossas Dioceses. Com
igual clareza e decisão, teremos de individuar os passos que somos chamados a
dar para servir a vida na plenitude da sua verdade. Ao mesmo tempo, devemos
promover um confronto sério e profundo com todos, inclusive com os não crentes,
sobre os problemas fundamentais da vida humana, tanto nos lugares da elaboração
do pensamento, como nos diversos âmbitos profissionais e nas situações onde se
desenrola diariamente a existência de cada um.
96.
O primeiro e fundamental passo para realizar esta viragem cultural consiste na
formação da consciência moral acerca do valor incomensurável e inviolável de
cada vida humana. Suma importância tem aqui a descoberta do nexo indivisível
entre vida e liberdade. São bens inseparáveis: quando um é violado, o outro
acaba por o ser também. Não há liberdade verdadeira, onde a vida não é acolhida
nem amada; nem há vida plena senão na liberdade. Ambas as realidades têm, ainda,
um peculiar e natural ponto de referência que as une indissoluvelmente: a
vocação ao amor. Este, enquanto sincero dom de si, 125 é o sentido mais verdadeiro da vida e da liberdade da
pessoa.
Na
formação da consciência, igualmente decisiva é a descoberta do laço
constitutivo que une a liberdade à verdade. Como disse já várias vezes, o
desarraigar a liberdade da verdade objectiva torna impossível fundar os
direitos da pessoa sobre uma base racional sólida, e cria as premissas para se
afirmar, na sociedade, o arbítrio desenfreado dos indivíduos ou o totalitarismo
repressivo do poder público. 126
Então
é essencial que o homem reconheça a evidência primordial da sua condição de
criatura que recebe de Deus o ser e a vida como dom e tarefa: só admitindo esta
inata dependência no seu ser, pode o homem realizar em plenitude a vida e a
liberdade própria e, simultaneamente, respeitar em toda a sua profundidade a
vida e a liberdade alheia. É sobretudo aqui que se manifesta como, «no centro
de cada cultura, está o comportamento que o homem assume diante do mistério
maior: o mistério de Deus». 127
Quando se nega Deus e se vive como se Ele não existisse ou de qualquer modo não
se tem em conta os seus mandamentos, então facilmente se acaba por negar ou
comprometer também a dignidade da pessoa humana e a inviolabilidade da sua
vida.
97.
À formação da consciência está estritamente ligada a obra educativa, que ajuda
o homem a ser cada vez mais homem, introdu-lo sempre mais profundamente na
verdade, orienta-o para um crescente respeito da vida, forma-o nas justas
relações entre as pessoas.
De
modo particular, é necessário educar para o valor da vida, a começar das suas
próprias raízes. É uma ilusão pensar que se pode construir uma verdadeira
cultura da vida humana, se não se ajudam os jovens a compreender e a viver a
sexualidade, o amor e a existência inteira no seu significado verdadeiro e na
sua íntima correlação. A sexualidade, riqueza da pessoa toda, «manifesta o seu
significado íntimo ao levar a pessoa ao dom de si no amor». 128 A banalização da sexualidade conta-se
entre os principais factores que estão na origem do desprezo pela vida
nascente: só um amor verdadeiro sabe defender a vida. Não é possível, pois,
eximir-nos de oferecer, sobretudo aos adolescentes e aos jovens, uma autêntica
educação da sexualidade e do amor, educação essa que requer a formação para a
castidade, como virtude que favorece a maturidade da pessoa e a torna capaz de
respeitar o significado «esponsal» do corpo.
A
obra de educação para a vida comporta a formação dos cônjuges sobre a
procriação responsável. No seu verdadeiro significado, esta exige que os
esposos sejam dóceis ao chamamento do Senhor e vivam como fiéis intérpretes do
seu desígnio: este cumpre-se com a generosa abertura da família a novas vidas,
permanecendo em atitude de acolhimento e de serviço à vida, mesmo quando os
cônjuges, por sérios motivos e no respeito da lei moral, decidem evitar, com ou
sem limites de tempo, um novo nascimento. A lei moral obriga-os, em qualquer
caso, a dominar as tendências do instinto e das paixões e a respeitar as leis
biológicas inscritas na pessoa de ambos. É precisamente este respeito que torna
legítimo, ao serviço da procriação responsável, o recurso aos métodos naturais
de regulação da fertilidade: estes têm-se aperfeiçoado progressivamente sob o
ponto de vista científico e oferecem possibilidades concretas para decisões de
harmonia com os valores morais. Uma honesta ponderação dos resultados
conseguidos deveria fazer ruir preconceitos ainda demasiado difusos e convencer
os cônjuges, bem como os profissionais da saúde e da assistência social, sobre
a importância de uma adequada formação a tal respeito. A Igreja está agradecida
àqueles que, com sacrifício pessoal e dedicação frequentemente ignorada, se
empenham na pesquisa e na difusão de tais métodos, promovendo ao mesmo tempo
uma educação dos valores morais que o seu uso supõe.
A
obra educativa não pode deixar de tomar em consideração, ainda, o sofrimento e
a morte. Na realidade, ambos fazem parte da experiência humana, e é vão, para
além de ilusório, procurá-los reprimir ou ignorar. Ao contrário, cada um deve
ser ajudado a compreender, na concreta e dura realidade, o seu mistério
profundo. Também a dor e o sofrimento têm um sentido e um valor, quando são
vividos em estreita ligação com o amor recebido e dado. Nesta perspectiva, quis
que se celebrasse anualmente o Dia Mundial do Doente, fazendo ressaltar «a
índole salvífica da oferta do sofrimento, que, vivido em comunhão com Cristo,
pertence à própria essência da redenção». 129
Até a morte, aliás, não é de forma alguma aventura sem esperança: é a porta da
existência que se abre de par em par à eternidade e, para aqueles que a vivem
em Cristo, é experiência de participação no mistério da sua morte e
ressurreição.
98.
Em resumo, podemos dizer que a viragem cultural, aqui desejada, exige de todos
a coragem de assumir um novo estilo de vida que se exprime colocando, no
fundamento das decisões concretas — a nível pessoal, familiar, social e
internacional —, uma justa escala dos valores: o primado do ser sobre o ter, 130 da pessoa sobre as coisas. 131 Este novo estilo de vida implica também
a passagem da indiferença ao interesse pelo outro, a passagem da recusa ao seu
acolhimento: os outros não são concorrentes de quem temos de nos defender, mas
irmãos e irmãs de quem devemos ser solidários; hão-de ser amados por si mesmos;
enriquecem-nos pela sua própria presença.
Na
mobilização por um nova cultura da vida, que ninguém se sinta excluído: todos
têm um papel importante a desempenhar. Ao lado da tarefa das famílias, é particularmente
valiosa a missão dos professores e dos educadores. Deles está em larga medida
dependente a possibilidade de os jovens, formados para uma autêntica liberdade,
saberem preservar dentro de si e espalhar ao seu redor ideais autênticos de
vida, e saberem crescer no respeito e ao serviço de cada pessoa, em família e
na sociedade.
Também
os intelectuais muito podem fazer para construir uma nova cultura da vida
humana. Responsabilidade particular cabe aos intelectuais católicos, chamados a
estarem activamente presentes nas sedes privilegiadas da elaboração cultural,
ou seja, no mundo da escola e das universidades, nos ambientes da investigação
científica e técnica, nos lugares da criação artística e da reflexão humanista.
Alimentando o seu génio e acção na seiva límpida do Evangelho, devem comprometer-se
ao serviço de uma nova cultura da vida, através da produção de contributos
sérios, documentados e capazes de se imporem pelos seus méritos ao respeito e
interesse de todos. Precisamente nesta perspectiva, instituí a Pontifícia
Academia para a Vida, com a missão de «estudar, informar e formar acerca dos
principais problemas de biomedicina e de direito, relativos à promoção e à
defesa da vida, sobretudo na relação directa que eles têm com a moral cristã e
as directrizes do Magistério da Igreja». 132
Um contributo específico há-de vir das Universidades, em particular católicas,
e dos Centros, Institutos e Comissões de bioética.
Grande
e grave é a responsabilidade dos profissionais dos mass-media, chamados a pugnarem
por que as mensagens, transmitidas com tamanha eficácia, sejam um verdadeiro
contributo para a cultura da vida. Importa, por isso, apresentar exemplos altos
e nobres de vida e dar espaço aos testemunhos positivos e por vezes heróicos de
amor pelo homem; propor, com grande respeito, os valores da sexualidade e do
amor, sem contemporizar com nada daquilo que deturpa e degrada a dignidade do
homem. Na leitura da realidade, hão-de recusar-se a pôr em destaque tudo o que
possa inspirar ou fazer crescer sentimentos ou atitudes de indiferença,
desprezo ou rejeição da vida. Na escrupulosa fidelidade à verdade dos factos,
eles são chamados a conjugar num todo a liberdade de informação, o respeito por
cada pessoa e um profundo sentido de humanidade.
99.
Nessa viragem cultural a favor da vida, as mulheres têm um espaço de pensamento
e acção singular e talvez determinante: compete a elas fazerem-se promotoras de
um «novo feminismo» que, sem cair na tentação de seguir modelos «masculinizados»,
saiba reconhecer e exprimir o verdadeiro génio feminino em todas as manifestações
da convivência civil, trabalhando pela superação de toda a forma de
discriminação, violência e exploração.
Retomando
as palavras da mensagem conclusiva do Concílio
Vaticano II, também eu dirijo às mulheres este premente convite:
«Reconciliai os homens com a vida». 133
Vós sois chamadas a testemunhar o sentido do amor autêntico, daquele dom de si
e acolhimento do outro, que se realizam de modo específico na relação conjugal,
mas devem ser também a alma de qualquer outra relação interpessoal. A experiência
da maternidade proporciona-vos uma viva sensibilidade pela outra pessoa e
confere-vos, ao mesmo tempo, uma missão particular: «A maternidade comporta uma
comunhão especial com o mistério da vida, que amadurece no seio da mulher.
(...) Este modo único de contacto com o novo homem que se está formando, cria,
por sua vez, uma atitude tal para com o homem — não só para com o próprio
filho, mas para com o homem em geral — que caracteriza profundamente toda a
personalidade da mulher». 134 Com
efeito, a mãe acolhe e leva dentro de si um outro, proporciona-lhe forma de
crescer no seu seio, dá-lhe espaço, respeitando-o na sua diferença. Deste modo,
a mulher percebe e ensina que as relações humanas são autênticas quando se
abrem ao acolhimento da outra pessoa, reconhecida e amada pela dignidade que
lhe advém do facto mesmo de ser pessoa e não de outros factores, como a
utilidade, a força, a inteligência, a beleza, a saúde. Este é o contributo
fundamental que a Igreja e a humanidade esperam das mulheres. E é premissa
insubstituível para uma autêntica viragem cultural.
Um
pensamento especial quereria reservá-lo para vós, mulheres, que recorrestes ao
aborto. A Igreja está a par dos numerosos condicionalismos que poderiam ter
influído sobre a vossa decisão, e não duvida que, em muitos casos, se tratou de
uma decisão difícil, talvez dramática. Provavelmente a ferida no vosso espírito
ainda não está sarada. Na realidade, aquilo que aconteceu, foi e permanece profundamente
injusto. Mas não vos deixeis cair no desânimo, nem percais a esperança. Sabei,
antes, compreender o que se verificou e interpretai-o em toda a sua verdade. Se
não o fizestes ainda, abri-vos com humildade e confiança ao arrependimento: o
Pai de toda a misericórdia espera-vos para vos oferecer o seu perdão e a sua
paz no sacramento da Reconciliação. A este mesmo Pai e à sua misericórdia,
podeis com esperança confiar o vosso menino. Ajudadas pelo conselho e pela
solidariedade de pessoas amigas e competentes, podereis contar-vos, com o vosso
doloroso testemunho, entre os mais eloquentes defensores do direito de todos à
vida. Através do vosso compromisso a favor da vida, coroado eventualmente com o
nascimento de novos filhos e exercido através do acolhimento e atenção a quem
está mais carecido de solidariedade, sereis artífices de um novo modo de olhar
a vida do homem.
100.
Neste grande esforço por uma nova cultura da vida, somos sustentados e
fortalecidos pela confiança de quem sabe que o Evangelho da vida, como o Reino
de Deus, cresce e dá frutos abundantes (cf. Mc 4, 26-29). Certamente
é enorme a desproporção existente entre os meios numerosos e potentes, de que
estão dotadas as forças propulsoras da «cultura da morte», e os meios de que
dispõem os promotores de uma «cultura da vida e do amor». Mas nós sabemos que
podemos confiar na ajuda de Deus, para Quem nada é impossível (cf. Mt 19,
26).
Com
esta certeza no coração e movido de pungente solicitude pela sorte de cada
homem e mulher, repito hoje a todos aquilo que disse às famílias, empenhadas em
suas difíceis tarefas por entre as ciladas que as ameaçam: 135 é urgente uma grande oração pela vida,
que atravesse o mundo inteiro. Com iniciativas extraordinárias e na oração
habitual, de cada comunidade cristã, de cada grupo ou associação, de cada
família e do coração de cada crente eleve-se uma súplica veemente a Deus,
Criador e amante da vida. O próprio Jesus nos mostrou com o seu exemplo que a
oração e o jejum são as armas principais e mais eficazes contra as forças do
mal (cf. Mt 4, 1-11), e ensinou aos seus discípulos que alguns
demónios só desse modo se expulsam (cf. Mc 9, 29). Então,
encontremos novamente a humildade e a coragem de orar e jejuar, para conseguir
que a força que vem do Alto faça ruir os muros de enganos e mentiras que
escondem, aos olhos de muitos dos nossos irmãos e irmãs, a natureza perversa de
comportamentos e de leis contrárias à vida, e abra os seus corações a
propósitos e desígnios inspirados na civilização da vida e do amor.
«Escrevemo-vos estas coisas para que a
vossa alegria seja complet » (1 Jo 1, 4): o Evangelho da vida é para
bem da cidade dos homens
101.
«Escrevemos-vos estas coisas, para que a vossa alegria seja completa» (1
Jo 1, 4). A revelação do Evangelho da vida foi-nos confiada como um bem
que há-de ser comunicado a todos: para que todos os homens estejam em comunhão
connosco e com a Santíssima Trindade (cf. 1 Jo 1, 3). Nem nós
poderíamos viver em alegria plena, se não comunicássemos este Evangelho aos
outros, mas o guardássemos apenas para nós.
O
Evangelho da vida não é exclusivamente para os crentes: destina-se a todos. A
questão da vida e da sua defesa e promoção não é prerrogativa unicamente dos
cristãos. Mesmo se recebe uma luz e força extraordinária da fé, pertence a cada
consciência humana que aspira pela verdade e vive atenta e apreensiva pela
sorte da humanidade. Na vida, existe seguramente um valor sagrado e religioso,
mas de modo algum este interpela apenas os crentes: trata-se, com efeito, de um
valor que todo o ser humano pode enxergar, mesmo com a luz da razão, e, por
isso, diz necessariamente respeito a todos.
Por
isso, a nossa acção de «povo da vida e pela vida» pede para ser interpretada de
modo justo e acolhida com simpatia. Quando a Igreja declara que o respeito
incondicional do direito à vida de toda a pessoa inocente — desde a sua
concepção até à morte natural — é um dos pilares sobre o qual assenta toda a
sociedade, ela «quer simplesmente promover um Estado humano. Um Estado que
reconheça como seu dever primário a defesa dos direitos fundamentais da pessoa
humana, especialmente da mais débil». 136
O
Evangelho da vida é para bem da cidade dos homens. Actuar em favor da vida é
contribuir para o renovamento da sociedade, através da edificação do bem comum.
De facto, não é possível construir o bem comum sem reconhecer e tutelar o
direito à vida, sobre o qual se fundamentam e desenvolvem todos os restantes
direitos inalienáveis do ser humano. Nem pode ter sólidas bases uma sociedade
que se contradiz radicalmente, já que por um lado afirma valores como a
dignidade da pessoa, a justiça e a paz, mas por outro aceita ou tolera as mais
diversas formas de desprezo e violação da vida humana, sobretudo se débil e
marginalizada. Só o respeito da vida pode fundar e garantir bens tão preciosos
e necessários à sociedade como a democracia e a paz.
De
facto, não pode haver verdadeira democracia, se não é reconhecida a dignidade
de cada pessoa e não se respeitam os seus direitos.
Nem
pode haver verdadeira paz, se não se defende e promove a vida, como recordava
Paulo VI: «Todo o crime contra a vida é um atentado contra a paz, especialmente
se ele viola os costumes do povo (...), enquanto nos lugares onde os direitos
do homem são realmente professados e publicamente reconhecidos e defendidos, a
paz torna-se a atmosfera feliz e geradora de convivência social». 137
O
«povo da vida» alegra-se de poder partilhar o seu empenho com muitos outros, de
modo que seja cada vez mais numeroso o «povo pela vida», e a nova cultura do
amor e da solidariedade possa crescer para o verdadeiro bem da cidade dos homens.
CONCLUSÃO
102.
Chegados ao termo desta Encíclica, espontaneamente o olhar volta a fixar-se no
Senhor Jesus, o «Menino nascido para nós» (cf. Is 9, 5), a fim de
n'Ele contemplar «a Vida» que «se manifestou» (1 Jo 1, 2). No
mistério deste nascimento, realiza-se o encontro de Deus com o homem e tem
início o caminho do Filho de Deus sobre a terra, caminho esse que culminará com
o dom da vida na Cruz: com a sua morte, Ele vencerá a morte e tornar-Se-á para
a humanidade princípio de vida nova.
Quem
esteve a acolher «a vida» em nome e proveito de todos, foi Maria, a Virgem Mãe,
a qual, por isso mesmo, mantém laços pessoais estreitíssimos com o Evangelho da
vida. O consentimento de Maria, na Anunciação, e a sua maternidade situam-se na
própria fonte do mistério daquela vida, que Cristo veio dar aos homens (cf.
Jo 10, 10). Através do acolhimento e carinho que Ela prestou à vida do
Verbo feito carne, a vida do homem foi salva da condenação à morte definitiva e
eterna.
Por
isso, «como a Igreja, de que é figura, Maria é a Mãe de todos os que renascem
para a vida. Ela é verdadeiramente a Mãe da Vida que faz viver todos os homens;
ao gerar a Vida, gerou de certo modo todos aqueles que haviam de viver dessa
Vida». 138
Ao
contemplar a maternidade de Maria, a Igreja descobre o sentido da própria
maternidade e o modo como é chamada a exprimi-la. Ao mesmo tempo, a experiência
materna da Igreja entreabre uma perspectiva mais profunda para compreender a
experiência de Maria, qual modelo incomparável de acolhimento e cuidado da
vida.
«Apareceu um grande sinal no Céu: uma
mulher revestida de Sol» (Ap 12, 1): a maternidade de Maria e da
Igreja
103.
A relação recíproca entre Maria e o mistério da Igreja manifesta-se claramente
no «grande sinal» descrito no Apocalipse: «Apareceu um grande sinal no céu: uma
mulher revestida de Sol, tendo a Lua debaixo dos seus pés e uma coroa de doze
estrelas sobre a cabeça» (12, 1). Neste sinal, a Igreja reconhece
uma imagem do próprio mistério: apesar de imersa na história, ela está
consciente de a transcender, porquanto constitui na terra «o germe e o
princípio» do Reino de Deus. 139
Tal mistério, a Igreja vê-o realizado, de modo pleno e exemplar, em Maria. É
Ela a mulher gloriosa, na qual o desígnio de Deus se pôde actuar com a máxima
perfeição.
Aquela
«mulher revestida de Sol» — assinala o Livro do Apocalipse — «estava grávida» (12,
2). A Igreja está plenamente consciente de trazer em si o Salvador do
mundo, Cristo Senhor, e de ser chamada a dá-Lo ao mundo, regenerando os homens
para a própria vida de Deus. Mas não pode esquecer que esta sua missão
tornou-se possível pela maternidade de Maria, que concebeu e deu à luz Aquele
que é «Deus de Deus», «Deus verdadeiro de Deus verdadeiro». Maria é verdadeiramente
a Mãe de Deus, a Theotòkos, em cuja maternidade é exaltada, até ao grau
supremo, a vocação à maternidade inscrita por Deus em cada mulher. Assim Maria
apresenta-se como modelo para a Igreja, chamada a ser a «nova Eva», mãe dos
crentes, mãe dos «viventes» (cf. Gn 3, 20).
A
maternidade espiritual da Igreja só se realiza — também disto está ciente a
Igreja — no meio das ânsias e «dores de parto» (Ap 12, 2), isto é,
em perene tensão com as forças do mal, que continuam a sulcar o mundo e a
dominar o coração dos homens, que opõem resistência a Cristo: «N'Ele estava a
Vida e a Vida era a luz dos homens; a luz resplandece nas trevas, mas as trevas
não a acolheram» (Jo 1, 4-5).
À
semelhança da Igreja, também Maria teve de viver a sua maternidade sob o signo
do sofrimento: «Este Menino está aqui (...) para ser sinal de contradição; uma
espada trespassará a tua alma, a fim de se revelarem os pensamentos de muitos
corações» (Lc 2, 34-35). Nas palavras que Simeão dirige a Maria, já
no alvorecer da existência do Salvador, está sinteticamente representada aquela
rejeição de Jesus — e com Ele a rejeição de Maria —, que culmina no Calvário.
«Junto da cruz de Jesus» (Jo 19, 25), Maria participa no dom que o
Filho faz de Si mesmo: oferece Jesus, dá-O, gera-O definitivamente para nós. O
«sim» do dia da Anunciação amadurece plenamente no dia da Cruz, quando chega
para Maria o tempo de acolher e gerar como filho cada homem feito discípulo,
derramando sobre ele o amor redentor do Filho: «Então Jesus, ao ver sua mãe e
junto dela, o discípulo que Ele amava, Jesus disse a sua mãe: "Mulher, eis
aí o teu filho"» (Jo 19, 26).
«O dragão deteve-se diante da mulher
(...) para lhe devorar o filho que estava para nascer» (Ap 12, 4): a
vida ameaçada pelas forças do mal
104.
No Livro do Apocalipse, o «grande sinal» da «mulher» (12, 1) é
acompanhado por «outro sinal no céu»: «um grande dragão vermelho» (12, 3),
que representa Satanás, potência pessoal maléfica, e conjuntamente todas as
forças do mal que agem na história e contrariam a missão da Igreja.
Também
nisto, Maria ilumina a Comunidade dos Crentes: de facto, a hostilidade das
forças do mal é uma obstinada oposição que, antes de tocar os discípulos de
Jesus, se dirige contra a sua Mãe. Para salvar a vida do Filho daqueles que O
temem como se fosse uma perigosa ameaça, Maria tem de fugir com José e o Menino
para o Egipto (cf. Mt 2, 13-15).
Assim,
Maria ajuda a Igreja a tomar consciência de que a vida está sempre no centro de
uma grande luta entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas. O dragão queria
devorar «o filho que estava para nascer» (Ap 12, 4), figura de
Cristo, que Maria gera na «plenitude dos tempos» (Gal 4, 4) e que a
Igreja deve continuamente oferecer aos homens nas sucessivas épocas da
história. Mas é também, de algum modo, figura de cada homem, de cada criança,
sobretudo de cada criatura débil e ameaçada, porque — como recorda o Concílio —
«pela sua encarnação, Ele, o Filho de Deus, uniu-Se de certo modo a cada
homem». 140 Precisamente na
«carne» de cada homem, Cristo continua a revelar-Se e a entrar em comunhão
connosco, pelo que a rejeição da vida do homem, nas suas diversas formas, é
realmente rejeição de Cristo. Esta é a verdade fascinante mas exigente, que
Cristo nos manifesta e que a sua Igreja incansavelmente propõe: « Quem receber
um menino como este, em meu nome, é a Mim que recebe» (Mt 18, 5);
«Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais
pequeninos, a Mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40).
«Não mais haverá morte» (Ap 21,
4): o esplendor da ressurreição
105.
A anunciação do anjo a Maria está inserida no meio destas expressões
tranquilizadoras: «Não tenhas receio, Maria» e «Nada é impossível a Deus (Lc 1, 30.37). Na verdade, toda a
existência da Virgem Mãe está envolvida pela certeza de que Deus está com Ela e
A acompanha com a sua benevolência providente. O mesmo se passa também com a
existência da Igreja que encontra «um refúgio» (cf. Ap 12, 6) no
deserto, lugar da provação mas também da manifestação do amor de Deus pelo seu
povo (cf. Os 2, 16). Maria é uma mensagem de viva consolação para a
Igreja na sua luta contra a morte. Ao mostrar-nos o seu Filho, assegura-nos que
n'Ele as forças da morte já foram vencidas: «Morte e vida combateram, mas o
Príncipe da vida reina vivo após a morte». 141
O
Cordeiro imolado vive com os sinais da paixão, no esplendor da ressurreição. Só
Ele domina todos os acontecimentos da história: abre os seus «selos» (cf.
Ap 5, 1-10) e consolida, no tempo e para além dele, o poder da vida sobre
a morte. Na «nova Jerusalém», ou seja, no mundo novo para o qual tende a
história dos homens, «não mais haverá morte, nem pranto, nem gritos, nem dor,
por que as primeiras coisas passaram» (Ap 21, 4).
Como
povo peregrino, povo da vida e pela vida, enquanto caminhamos confiantes para
«um novo céu e uma nova terra» (Ap 21, 1), voltamos o olhar para
Aquela que é para nós «sinal de esperança segura e consolação». 142
Ó
Maria, aurora do mundo novo, Mãe dos viventes, confiamo-Vos a causa da vida:
olhai, Mãe, para o número sem fim de crianças a quem é impedido nascer, de
pobres para quem se torna difícil viver,
de
homens e mulheres vítimas de inumana violência, de idosos e doentes
assassinados pela indiferença ou por uma presumível compaixão.
Fazei
com que todos aqueles que crêem no vosso Filho saibam anunciar com desassombro
e amor aos homens do nosso tempo o Evangelho da vida.
Alcançai-lhes
a graça de o acolher como um dom sempre novo, a alegria de o celebrar com
gratidão em toda a sua existência, e a coragem para o testemunhar com laboriosa
tenacidade, para construírem,
juntamente
com todos os homens de boa vontade, a civilização da verdade e do amor, para
louvor e glória de Deus Criador e amante da vida.
Dado em Roma, junto de S. Pedro, no dia 25 de Março,
solenidade da Anunciação do Senhor, do ano 1995, décimo sétimo de Pontificado.
IOANNES PAULUS PP. II
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Notas:
(em italiano)
123 Paolo VI, Esort. ap. Evangelii nuntiandi (8 dicembre 1975), 18: AAS 68
(1976), 17.
124 Cf Ibid., 20, l.c., 18.
125 Cf Conc. Ecum. Vat. II, Cost. past. sulla Chiesa nel mondo
contemporaneo Gaudium et spes, 24.
126 Cf Lett. enc. Centesimus annus (1° maggio 1991), 17: AAS 83 (1991),
841; Lett. enc. Veritatis splendor (6 agosto 1993), 95-101: AAS 85 (1993),
1208-1213.
127 Giovanni Paolo II, Lett. enc. Centesimus annus (1° maggio 1991), 24:
AAS 83 (1991), 822.
128 Giovanni Paolo II, Esort. ap. post-sinodale Familiaris consortio (22
novembre 1981), 37: AAS 74 (1982), 128.
129 Lettera istitutiva della Giornata Mondiale del Malato (13 maggio 1992),
2: Insegnamenti XV, 1 (1992), 1410.
130 Cf Conc. Ecum. Vat. II, Cost. past. sulla Chiesa nel mondo
contemporaneo Gaudium et spes, 35; Paolo VI, Lett. enc. Populorum progressio
(26 marzo 1967), 15: AAS 59 (1967), 265.
131 Cf Giovanni Paolo II, Lettera alle famiglie Gratissimam sane (2 febbraio
1994), 13: AAS 86 (1994), 892.
132 Giovanni Paolo II, Motu proprio Vitae mysterium (11 febbraio 1994), 4:
AAS 86 (1994), 386-387.
133 Messaggi del Concilio all'umanità (8 dicembre 1965): Alle donne.
134 Giovanni Paolo II, Lett. ap. Mulieris dignitatem (15 agosto 1988), 18:
AAS 80 (1988), 1696.
135 Giovanni Paolo II, Lettera alle famiglie Gratissimam sane (2 febbraio
1994), 5: AAS 86 (1994), 872.
136 Giovanni Paolo II, Discorso ai partecipanti al Convegno di studio su
"Il diritto alla vita e l'Europa" (18 dicembre 1987): Insegnamenti X,
3 (1987), 1446.
137 Messaggio per la Giornata Mondiale della Pace 1977: AAS 68 (1976),
711-712.
138 B. Guerrico D'Igny, In Assumptione B. Mariae, sermo I, 2: PL 185, 188.
139 Conc. Ecum. Vat. II, Cost. dogm. sulla Chiesa Lumen gentium, 5.
140 Cost. past. sulla Chiesa nel mondo contemporaneo Gaudium et spes, 22.
141 Messale romano, Sequenza della domenica di Pasqua.
142 Conc. Ecum. Vat. II, Cost. dogm. sulla Chiesa Lumen gentium, 68.
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