Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
Para ver, clicar SFF.
Evangelho: Mt 20, 17-34
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Evangelho: Mt 20, 17-34
17 Ao subir
Jesus para Jerusalém, tomou à parte os doze discípulos, e disse-lhes pelo caminho:
18 «Eis que subimos a Jerusalém, e o Filho do Homem será entregue
aos príncipes dos sacerdotes e aos escribas, e O condenarão à morte, 19
e O entregarão aos gentios para ser escarnecido, açoitado e crucificado, e ao
terceiro dia ressuscitará». 20 Então, aproximou-se d'Ele a mãe dos
filhos de Zebedeu com seus filhos, prostrando-se, para Lhe fazer um pedido. 21
Ele disse-lhe: «Que queres?». Ela respondeu: «Ordena que estes meus dois filhos
se sentem no Teu reino, um à Tua direita e outro à Tua esquerda». 22
Jesus disse: «Não sabeis o que pedis. Podeis beber o cálice que Eu hei-de
beber?». Eles responderam-Lhe: «Podemos». 23 Disse-lhes:
«Efectivamente haveis de beber o Meu cálice, mas, quanto a sentar-se à Minha
direita ou à Minha esquerda, não pertence a Mim concedê-lo; será para aqueles
para quem está reservado por Meu Pai». 24 Os outros dez, ouvindo
isto, indignaram-se contra os dois irmãos. 25 Mas Jesus chamou-os e
disse-lhes: «Vós sabeis que os príncipes das nações as subjugam e que os
grandes as governam com autoridade.26 Não seja assim entre vós, mas
todo aquele que quiser ser entre vós o maior, seja vosso servo, 27 e
quem quiser ser entre vós o primeiro, seja vosso escravo. 28 Assim
como o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a Sua
vida para resgate de todos». 29 Ao saírem de Jericó, seguiu-O muita
gente. 30 Eis que dois cegos, que estavam sentados à beira da
estrada, ouviram dizer que Jesus passava e começaram a gritar: «Senhor, Filho
de David, tem piedade de nós!». 31 O povo repreendia-os para que se
calassem. Eles, porém, cada vez gritavam mais: «Senhor, Filho de David, tem
piedade de nós!». 32 Jesus parou, chamou-os e disse-lhes: «Que
quereis que Eu vos faça?». 33 «Senhor, responderam eles, queremos
que se abram os nossos olhos!». 34 Jesus, compadecido, tocou-lhes
nos olhos, e no mesmo instante recuperaram a vista e O seguiram.
Ioannes
Paulus PP. II
Evangelium vitae
aos
Presbíteros e Diáconos
aos
Religiosos e Religiosas
aos
Fiéis leigos e a todas as Pessoas de Boa Vontade
sobre
o Valor e a Inviolabilidade
da
Vida Humana
…/10
64.
No outro topo da existência, o homem encontra-se diante do mistério da morte.
Hoje, na sequência dos progressos da medicina e num contexto cultural
frequentemente fechado à transcendência, a experiência do morrer apresenta-se
com algumas características novas. Com efeito, quando prevalece a tendência
para apreciar a vida só na medida em que proporciona prazer e bem-estar, o
sofrimento aparece como um contratempo insuportável, de que é preciso
libertar-se a todo o custo. A morte, considerada como «absurda» quando interrompe
inesperadamente uma vida ainda aberta para um futuro rico de possíveis
experiências interessantes, torna-se, pelo contrário, uma «libertação
reivindicada», quando a existência é tida como já privada de sentido porque
mergulhada na dor e inexoravelmente votada a um sofrimento sempre mais intenso.
Além
disso, recusando ou esquecendo o seu relacionamento fundamental com Deus, o
homem pensa que é critério e norma de si mesmo e julga que tem inclusive o
direito de pedir à sociedade que lhe garanta possibilidades e modos de decidir
da própria vida com plena e total autonomia. Em particular, o homem que vive
nos países desenvolvidos é que assim se comporta: a tal se sente impelido,
entre outras coisas, pelos contínuos progressos da medicina e das suas técnicas
cada vez mais avançadas. Por meio de sistemas e aparelhagens extremamente
sofisticadas, hoje a ciência e a prática médica são capazes de resolver casos
anteriormente insolúveis e de aliviar ou eliminar a dor, como também de
sustentar e prolongar a vida até em situações de debilidade extrema, de
reanimar artificialmente pessoas cujas funções biológicas elementares sofreram
danos imprevistos, de intervir para tornar disponíveis órgãos para transplante.
Num
tal contexto, torna-se cada vez mais forte a tentação da eutanásia, isto é, de
apoderar-se da morte, provocando-a antes do tempo e, deste modo, pondo fim
«docemente» à vida própria ou alheia. Na realidade, aquilo que poderia parecer
lógico e humano, quando visto em profundidade, apresenta-se absurdo e desumano.
Estamos aqui perante um dos sintomas mais alarmantes da «cultura de morte» que
avança sobretudo nas sociedades do bem-estar, caracterizadas por uma
mentalidade eficientista que faz aparecer demasiadamente gravoso e insuportável
o número crescente das pessoas idosas e debilitadas. Com muita frequência,
estas acabam por ser isoladas da família e da sociedade, organizada quase
exclusivamente sobre a base de critérios de eficiência produtiva, segundo os
quais uma vida irremediavelmente incapaz não tem mais qualquer valor.
65.
Para um correcto juízo moral da eutanásia, é preciso, antes de mais, defini-la
claramente. Por eutanásia, em sentido verdadeiro e próprio, deve-se entender
uma acção ou uma omissão que, por sua natureza e nas intenções, provoca a morte
com o objectivo de eliminar o sofrimento. «A eutanásia situa-se, portanto, ao
nível das intenções e ao nível dos métodos empregues». 76
Distinta
da eutanásia é a decisão de renunciar ao chamado «excesso terapêutico», ou
seja, a certas intervenções médicas já inadequadas à situação real do doente,
porque não proporcionadas aos resultados que se poderiam esperar ou ainda
porque demasiado gravosas para ele e para a sua família. Nestas situações,
quando a morte se anuncia iminente e inevitável, pode-se em consciência
«renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso
da vida, sem, contudo, interromper os cuidados normais devidos ao doente em
casos semelhantes». 77 Há, sem
dúvida, a obrigação moral de se tratar e procurar curar-se, mas essa obrigação
há-de medir-se segundo as situações concretas, isto é, impõe-se avaliar se os
meios terapêuticos à disposição são objectivamente proporcionados às
perspectivas de melhoramento. A renúncia a meios extraordinários ou
desproporcionados não equivale ao suicídio ou à eutanásia; exprime, antes, a
aceitação da condição humana defronte à morte. 78
Na
medicina actual, têm adquirido particular importância os denominados «cuidados
paliativos», destinados a tornar o sofrimento mais suportável na fase aguda da
doença e assegurar ao mesmo tempo ao paciente um adequado acompanhamento
humano. Neste contexto, entre outros problemas, levanta-se o da licitude do
recurso aos diversos tipos de analgésicos e sedativos para aliviar o doente da
dor, quando isso comporta o risco de lhe abreviar a vida. Ora, se pode
realmente ser considerado digno de louvor quem voluntariamente aceita sofrer
renunciando aos meios lenitivos da dor, para conservar a plena lucidez e, se
crente, participar, de maneira consciente, na Paixão do Senhor, tal
comportamento «heróico» não pode ser considerado obrigatório para todos. Já Pio
XII afirmara que é lícito suprimir a dor por meio de narcóticos, mesmo com a
consequência de limitar a consciência e abreviar a vida, «se não existem outros
meios e se, naquelas circunstâncias, isso em nada impede o cumprimento de
outros deveres religiosos e morais». 79
É que, neste caso, a morte não é querida ou procurada, embora por motivos
razoáveis se corra o risco dela: pretende- -se simplesmente aliviar a dor de
maneira eficaz, recorrendo aos analgésicos postos à disposição pela medicina.
Contudo, «não se deve privar o moribundo da consciência de si mesmo, sem motivo
grave»: 80 quando se aproxima a
morte, as pessoas devem estar em condições de poder satisfazer as suas
obrigações morais e familiares, e devem sobretudo poder-se preparar com plena
consciência para o encontro definitivo com Deus.
Feitas
estas distinções, em conformidade com o Magistério dos meus Predecessores 81 e em comunhão com os Bispos da Igreja
Católica, confirmo que a eutanásia é uma violação grave da Lei de Deus,
enquanto morte deliberada moralmente inaceitável de uma pessoa humana. Tal
doutrina está fundada sobre a lei natural e sobre a Palavra de Deus escrita, é
transmitida pela Tradição da Igreja e ensinada pelo Magistério ordinário e
universal. 82
A
eutanásia comporta, segundo as circunstâncias, a malícia própria do suicídio ou
do homicídio.
66.
Ora, o suicídio é sempre moralmente inaceitável, tal como o homicídio. A
tradição da Igreja sempre o recusou, como opção gravemente má. 83 Embora certos condicionalismos
psicológicos, culturais e sociais possam levar a realizar um gesto que tão
radicalmente contradiz a inclinação natural de cada um à vida, atenuando ou anulando
a responsabilidade subjectiva, o suicídio, sob o perfil objectivo, é um acto
gravemente imoral, porque comporta a recusa do amor por si mesmo e a renúncia
aos deveres de justiça e caridade para com o próximo, com as várias comunidades
de que se faz parte, e com a sociedade no seu conjunto. 84 No seu núcleo mais profundo, o suicídio
constitui uma rejeição da soberania absoluta de Deus sobre a vida e sobre a
morte, deste modo proclamada na oração do antigo Sábio de Israel: «Vós, Senhor,
tendes o poder da vida e da morte, e conduzis os fortes à porta do Hades e de
lá os tirais» (Sab 16, 13; cf. Tob 13, 2).
Compartilhar
a intenção suicida de outrem e ajudar a realizá-la mediante o chamado «suicídio
assistido», significa fazer-se colaborador e, por vezes, autor em primeira
pessoa de uma injustiça que nunca pode ser justificada, nem sequer quando
requerida. «Nunca é lícito — escreve com admirável actualidade Santo Agostinho
— matar o outro: ainda que ele o quisesse, mesmo se ele o pedisse, porque,
suspenso entre a vida e a morte, suplica ser ajudado a libertar a alma que luta
contra os laços do corpo e deseja desprender-se; nem é lícito sequer quando o
doente já não estivesse em condições de sobreviver». 85 Mesmo quando não é motivada pela recusa
egoísta de cuidar da vida de quem sofre, a eutanásia deve designar-se uma falsa
compaixão, antes uma preocupante «perversão» da mesma: a verdadeira
«compaixão», de facto, torna solidário com a dor alheia, não suprime aquele de
quem não se pode suportar o sofrimento. E mais perverso ainda se manifesta o
gesto da eutanásia, quando é realizado por aqueles que — como os parentes —
deveriam assistir com paciência e amor o seu familiar, ou por quantos — como os
médicos —, pela sua específica profissão, deveriam tratar o doente, inclusive
nas condições terminais mais penosas.
A
decisão da eutanásia torna-se mais grave, quando se configura como um homicídio,
que os outros praticam sobre uma pessoa que não a pediu de modo algum nem deu
nunca qualquer consentimento para a mesma. Atinge-se, enfim, o cúmulo do
arbítrio e da injustiça, quando alguns, médicos ou legisladores, se arrogam o
poder de decidir quem deve viver e quem deve morrer. Aparece assim reproposta a
tentação do Éden: tornar-se como Deus «conhecendo o bem e o mal» (cf. Gn
3, 5). Mas, Deus é o único que tem o poder de fazer morrer e de fazer
viver: «Só Eu é que dou a vida e dou a morte» (Dt 32, 39; cf. 2 Re 5, 7; 1
Sam 2, 6). Ele exerce o seu poder sempre e apenas segundo um desígnio de
sabedoria e amor. Quando o homem usurpa tal poder, subjugado por uma lógica
insensata e egoísta, usa-o inevitavelmente para a injustiça e a morte. Assim, a
vida do mais fraco é abandonada às mãos do mais forte; na sociedade, perde-se o
sentido da justiça e fica minada pela raiz a confiança mútua, fundamento de
qualquer relação autêntica entre as pessoas.
67.
Ao contrário, bem diverso é o caminho do amor e da verdadeira compaixão, que
nos é imposto pela nossa comum humanidade e que a fé em Cristo Redentor, morto
e ressuscitado, ilumina com novas razões. A súplica que brota do coração do
homem no confronto supremo com o sofrimento e a morte, especialmente quando é
tentado a fechar-se no desespero e como que a aniquilar-se nele, é sobretudo
uma petição de companhia, solidariedade e apoio na prova. É um pedido de ajuda
para continuar a esperar, quando falham todas as esperanças humanas. Como nos
recordou o Concílio Vaticano II, «é
em face da morte que o enigma da condição humana mais se adensa» para o homem;
e, todavia, «a intuição do próprio coração fá-lo acertar, quando o leva a
aborrecer e a recusar a ruína total e o desaparecimento definitivo da sua
pessoa. O germe de eternidade que nele existe, irredutível à pura matéria,
insurge-se contra a morte». 86
Esta
repugnância natural da morte e este germe de esperança na imortalidade são
iluminadas e levadas à plenitude pela fé cristã, que promete e oferece a
participação na vitória de Cristo Ressuscitado: é a vitória d'Aquele que, pela
sua morte redentora, libertou o homem da morte, «salário do pecado» (Rm 6,
23), e lhe deu o Espírito, penhor de ressurreição e de vida (cf. Rm
8, 11). A certeza da imortalidade futura e a esperança na ressurreição
prometida projectam uma luz nova sobre o mistério do sofrimento e da morte e
infundem no crente uma força extraordinária para se abandonar ao desígnio de
Deus.
O
apóstolo Paulo exprimiu esta novidade em termos de pertença total ao Senhor que
abraça qualquer condição humana: «Nenhum de nós vive para si mesmo, e nenhum de
nós morre para si mesmo. Se vivemos, para o Senhor vivemos; se morremos, para o
Senhor morremos. Quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor» (Rm
14, 7-8). Morrer para o Senhor significa viver a própria morte como acto
supremo de obediência ao Pai (cf. Fil 2, 8), aceitando encontrá-la
na « hora » querida e escolhida por Ele (cf. Jo 13, 1), o único que
pode dizer quando está cumprido o caminho terreno. Viver para o Senhor significa
também reconhecer que o sofrimento, embora permaneça em si mesmo um mal e uma
prova, sempre se pode tornar fonte de bem. E torna-se tal se é vivido por amor
e com amor, na participação, por dom gratuito de Deus e por livre opção pessoal,
no próprio sofrimento de Cristo crucificado. Deste modo, quem vive o seu
sofrimento no Senhor fica mais plenamente configurado com Ele (cf. Fil 3,
10; 1 Ped 2, 21) e intimamente associado à sua obra redentora a favor da
Igreja e da humanidade. 87 É esta experiência do Apóstolo, que toda
a pessoa que sofre é chamada a viver: «Alegro-me nos sofrimentos suportados por
vossa causa e completo na minha carne o que falta aos sofrimentos de Cristo
pelo seu Corpo, que é a Igreja» (Col 1, 24).
«Importa mais obedecer a Deus do que
aos homens» (Act 5, 29): a lei civil e a lei moral
68.
Uma das características dos actuais atentados à vida humana — como já se disse
várias vezes — é a tendência para exigir a sua legitimação jurídica, como se
fossem direitos que o Estado deveria, pelo menos em certas condições,
reconhecer aos cidadãos e, consequentemente, a pretensão da execução dos mesmos
com a assistência segura e gratuita dos médicos e restantes profissionais da
saúde.
Considera-se,
não raro, que a vida daquele que ainda não nasceu ou está gravemente
debilitado, seria um bem simplesmente relativo: teria de ser confrontada e
ponderada com outros bens, segundo uma lógica proporcionalista ou de puro
cálculo. Igualmente pensa-se que só quem se encontra na situação concreta e
nela está pessoalmente implicado é que poderia realizar uma justa ponderação
dos bens em jogo: por conseguinte, unicamente essa pessoa poderia decidir sobre
a moralidade da sua escolha. Por isso, e no interesse da convivência civil e da
harmonia social, o Estado deveria respeitar essa escolha, chegando mesmo a
admitir o aborto e a eutanásia.
Outras
vezes, julga-se que a lei civil não poderia exigir que todos os cidadãos
vivessem segundo um grau de moralidade mais elevado do que aquele que eles mesmos
reconhecem e co dividem. Por isso, a lei deveria exprimir sempre a opinião e a
vontade da maioria dos cidadãos e reconhecer-lhes também, pelo menos em certos
casos extremos, o direito ao aborto e à eutanásia. Nesses casos, aliás, a proibição
e a punição dos referidos actos conduziria inevitavelmente — assim o dizem — a
um aumento de práticas clandestinas: e estas escapariam ao necessário controlo
social e seriam realizadas sem a devida segurança médica. E interrogam-se, além
disso, se o apoiar uma lei que não é concretamente aplicável não significaria,
em última análise, minar também a autoridade de qualquer outra lei.
Nas
opiniões mais radicais, chega-se mesmo a defender que, numa sociedade moderna e
pluralista, deveria ser reconhecida a cada pessoa total autonomia para dispor
da própria vida e da vida de quem ainda não nasceu: não seria competência da
lei fazer a escolha entre as diversas opiniões morais, e menos ainda poderia
ela pretender impor uma opinião particular em detrimento das outras.
69.
Certo é que, na cultura democrática do nosso tempo, se acha amplamente
generalizada a opinião, segundo a qual o ordenamento jurídico de uma sociedade
haveria de limitar-se a registar e acolher as convicções da maioria e,
consequentemente, dever-se-ia construir apenas sobre aquilo que a própria
maioria reconhece e vive como moral. Se, depois, se chega a pensar que uma
verdade comum e objectiva seria realmente inacessível, então o respeito pela
liberdade dos cidadãos — que, num regime democrático, são considerados os
verdadeiros soberanos — exigiria que, a nível legislativo, se reconhecesse a
autonomia da consciência de cada um e, por conseguinte, ao estabelecer aquelas
normas que são absolutamente necessárias à convivência social, se adequassem
exclusivamente à vontade da maioria, fosse ela qual fosse. Desta maneira, todo
o político deveria separar claramente, no seu agir, o âmbito da consciência
privada e o do comportamento público.
Em
consequência disto, registam-se duas tendências que na aparência são diametralmente
opostas. Por um lado, os indivíduos reivindicam para si a mais completa
autonomia moral de decisão, e pedem que o Estado não assuma nem imponha
qualquer concepção ética, mas se limite a garantir o espaço mais amplo possível
à liberdade de cada um, tendo como único limite externo não lesar o espaço de
autonomia a que cada um dos outros cidadãos também tem direito. Mas por outro
lado, pensa-se que, no desempenho das funções públicas e profissionais, o
respeito pela liberdade alheia de escolha obrigaria cada qual a prescindir das
próprias convicções para se colocar ao serviço de qualquer petição dos
cidadãos, que as leis reconhecem e tutelam, aceitando como único critério moral
no exercício das próprias funções aquilo que está estabelecido pelas mesmas
leis. Deste modo, a responsabilidade da pessoa é delegada na lei civil com a
abdicação da própria consciência moral, pelo menos no âmbito da acção pública.
70.
Raiz comum de todas estas tendências é o relativismo ético, que caracteriza
grande parte da cultura contemporânea. Não falta quem pense que tal relativismo
seja uma condição da democracia, visto que só ele garantiria tolerância,
respeito recíproco entre as pessoas e adesão às decisões da maioria, enquanto
as normas morais, consideradas objectivas e vinculantes, conduziriam ao
autoritarismo e à intolerância.
Mas
é exactamente a problemática conexa com o respeito da vida que mostra os
equívocos e contradições, com terríveis resultados práticos, que se escondem
nesta posição.
É
verdade que a história regista casos de crimes cometidos em nome da «verdade».
Mas crimes não menos graves e negações radicais da liberdade foram também
cometidos e cometem-se em nome do «relativismo ético». Quando uma maioria
parlamentar ou social decreta a legitimidade da eliminação, mesmo sob certas
condições, da vida humana ainda não nascida, porventura não assume uma decisão
«tirânica» contra o ser humano mais débil e indefeso? Justamente reage a
consciência universal diante dos crimes contra a humanidade, de que o nosso
século viveu tão tristes experiências. Porventura deixariam de ser crimes, se,
em vez de terem sido cometidos por tiranos sem escrúpulos, fossem legitimados
por consenso popular?
Não
se pode mitificar a democracia até fazer dela o substituto da moralidade ou a
panaceia da imoralidade. Fundamentalmente, é um «ordenamento» e, como tal, um
instrumento, não um fim. O seu carácter «moral» não é automático, mas depende
da conformidade com a lei moral, à qual se deve submeter como qualquer outro comportamento
humano: por outras palavras, depende da moralidade dos fins que persegue e dos
meios que usa. Regista-se hoje um consenso quase universal sobre o valor da
democracia, o que há-de ser considerado um positivo «sinal dos tempos, como o Magistério da Igreja já várias vezes
assinalou. 88 Mas, o valor da
democracia vive ou morre nos valores que ela encarna e promove: fundamentais e
imprescindíveis são certamente a dignidade de toda a pessoa humana, o respeito
dos seus direitos intangíveis e inalienáveis, e bem assim a assunção do «bem
comum» como fim e critério regulador da vida política.
Na
base destes valores, não podem estar «maiorias» de opinião provisórias e
mutáveis, mas só o reconhecimento de uma lei moral objectiva que, enquanto «lei
natural inscrita no coração do homem,
seja ponto normativo de referência para a própria lei civil. Quando, por um
trágico obscurecimento da consciência colectiva, o cepticismo chegasse a pôr em
dúvida mesmo os princípios fundamentais da lei moral, então o próprio
ordenamento democrático seria abalado nos seus fundamentos, ficando reduzido a
puro mecanismo de regulação empírica dos diversos e contrapostos interesses. 89
Alguém
poderia pensar que, na falta de melhor, já esta função reguladora fosse de
apreciar em vista da paz social. Mesmo reconhecendo qualquer ponto de verdade
em tal avaliação, é difícil não ver que, sem um ancoradouro moral objectivo, a
democracia não pode assegurar uma paz estável, até porque é ilusória a paz não
fundada sobre os valores da dignidade de cada homem e da solidariedade entre
todos os homens. Nos próprios regimes de democracia representativa, de facto, a
regulação dos interesses é frequentemente feita a favor dos mais fortes, sendo
estes os mais competentes para manobrar não apenas as rédeas do poder, mas
também a formação dos consensos. Em tal situação, facilmente a democracia se
torna uma palavra vazia.
Nota: Revisão da tradução para português
por ama
_________________________________________
Notas:
(em italiano)
76 Congregazione per la Dottrina della Fede, Dich. sull'eutanasia Iura et
bona (5 maggio 1980), II: AAS 72 (1980), 546.
77 Ibid., IV, l. c., 551.
78 Cf Ibid.
79 Discorso ad un gruppo
internazionale di medici (24 febbraio 1957), III: AAS 49 (1957), 147; cf
Congregazione per la Dottrina della Fede, Dich. sull'eutanasia Iura et bona,
III: AAS 72 (1980), 547-548.
80 Pio XII, Discorso ad un gruppo internazionale di medici (24 febbraio
1957), III: AAS 49 (1957), 145.
81 Cf Pio XII, Discorso ad un gruppo internazionale di medici (24 febbraio
1957): AAS 49 (1957), 129-147; Congregazione Del Sant'Uffizio, Decretum de
directa insontium occisione (2 dicembre 1940): AAS 32 (1940), 553-554; Paolo
VI, Messaggio alla televisione francese: "Ogni vita è sacra" (27
gennaio 1971): Insegnamenti IX (1971), 57-58; Discorso all'International
College of Surgeons (1 giugno 1972): AAS 64 (1972), 432-436; Conc. Ecum. Vat. II,
Cost. past. sulla Chiesa nel mondo contemporaneo Gaudium et spes, 27.
82 Cf Conc. Ecum. Vat. II, Cost. dogm. sulla Chiesa Lumen gentium, 25.
83 Cf S. Agostino, De civitate Dei I, 20: CCL 47, 22; S. Tommaso D'Aquino,
Summa Theologiae, II-II, q. 6, a. 5.
84 Cf Congregazione per la Dottrina della Fede, Dich. sull'eutanasia Iura
et bona (5 maggio 1980), I: AAS 72 (1980), 545; Catechismo della Chiesa
Cattolica, nn. 2281-2283.
85 Epistula 204, 5: CSEL 57, 320.
86 Cost. past. sulla Chiesa nel mondo contemporaneo Gaudium et spes, 18.
87 Cf Giovanni Paolo II, Lett. ap. Salvifici doloris (11 febbraio 1984),
14-24: AAS 76 (1984), 214-234.
88 Cf Giovanni Paolo II, Lett. enc. Centesimus annus (1 maggio 1991), 46:
AAS 83 (1991), 850; Pio XII, Radiomessaggio natalizio (24 dicembre 1944): AAS
37 (1945), 10-20.
89 Cf Giovanni Paolo II,
Lett. enc. Veritatis splendor (6 agosto 1993), 97 e 99: AAS 85 (1993),
1209-1211.
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