Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
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Evangelho: Mt 26, 1-29
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Evangelho: Mt 26, 1-29
1 Aconteceu que, tendo Jesus acabado todos estes
discursos, disse aos Seus discípulos: 2
«Vós sabeis que daqui a dois dias será celebrada a Páscoa e o Filho do Homem será
entregue para ser crucificado». 3 Foi então que se reuniram os
príncipes dos sacerdotes e os anciãos do povo no palácio do sumo pontífice, que
se chamava Caifás, 4 e tiveram conselho acerca dos meios de
prenderem a Jesus por astúcia, e de O matarem. 5 Mas eles diziam:
«Não se faça isto durante a festa, para que não suceda levantar-se algum
tumulto entre o povo». 6 Estando Jesus em Betânia, em casa de Simão
o leproso, 7 aproximou-se d'Ele uma mulher com um frasco de
alabastro, cheio de um perfume precioso, e o derramou sobre a Sua cabeça,
quando Ele estava à mesa. 8 Vendo isto, os discípulos indignaram-se,
dizendo: «Para quê este desperdício? 9 Porque este perfume podia
vender-se por bom preço, e dar-se aos pobres». 10 Jesus, sabendo
isto, disse-lhes: «Porque molestais esta mulher? Ela fez-Me verdadeiramente uma
obra boa. 11 Porque vós tereis sempre convosco pobres, mas a Mim nem
sempre Me tereis. 12 Derramando ela este perfume sobre o Meu corpo,
fê-lo como para a Minha sepultura. 13 Em verdade vos digo que onde
quer que for pregado este Evangelho, em todo o mundo, publicar-se-á também para
sua memória o que ela fez». 14 Então um dos doze, que se chamava
Judas Iscariotes, foi ter com os príncipes dos sacerdotes, 15 e
disse-lhes: «Que me quereis dar e eu vo-l'O entregarei?». Eles prometeram-lhe
trinta moedas de prata. 16 E desde então buscava oportunidade para O
entregar. 17 No primeiro dia dos ázimos, aproximaram-se de Jesus os
discípulos, dizendo: «Onde queres que Te preparemos o que é necessário para
comer a Páscoa?». 18 Jesus disse-lhes: «Ide à cidade, a casa de um
tal, e dizei-lhe: “O Mestre manda dizer: O Meu tempo está próximo, quero
celebrar a Páscoa em tua casa com os Meus discípulos”». 19 Os discípulos
fizeram como Jesus tinha ordenado e prepararam a Páscoa. 20 Ao
entardecer, pôs-se Jesus à mesa com os doze. 21 Enquanto comiam, disse-lhes:
«Em verdade vos digo que um de vós Me há-de trair». 22 Eles, muito
tristes, cada um começou a dizer: «Porventura sou eu, Senhor?» 23
Ele respondeu: «O que mete comigo a mão no prato, esse é que Me há-de trair. 24
O Filho do Homem vai certamente, como está escrito d'Ele, mas ai daquele homem
por quem será entregue o Filho do Homem! Melhor fora a tal homem não ter
nascido». 25 Judas, o traidor, tomou a palavra e disse: «Porventura,
sou eu, Mestre?». Jesus respondeu-lhe: «Tu o disseste». 26 Enquanto
comiam, tomou Jesus o pão, pronunciou a bênção, e partiu-o, e deu-o aos Seus
discípulos, dizendo: «Tomai e comei, isto é o Meu corpo». 27 Tomando
depois o cálice, deu graças, e deu-lho, dizendo: «Bebei dele todos. 28
Porque isto é o Meu sangue, o sangue da nova aliança, que será derramado por
todos para remissão dos pecados. 29 Digo-vos, porém: desta hora em
diante não beberei mais deste fruto da videira, até àquele dia em que o beberei
de novo convosco no reino de Meu Pai».
Fides et ratio
aos Bispos da
Igreja Católica
sobre as relações
entre Fé e Razão
…/8
84. A importância da instância metafísica
torna-se ainda mais evidente, quando se considera o progresso actual das
ciências hermenêuticas e das diferentes análises da linguagem. Os resultados
alcançados por estes estudos podem ser muito úteis para a compreensão da fé,
enquanto manifestam a estrutura do nosso pensar e falar, e o sentido presente
na linguagem. Existem, porém, especialistas destas ciências que tendem, nas
suas pesquisas, a deter-se no modo como se compreende e exprime a realidade,
prescindindo de verificar a possibilidade de a razão descobrir a essência da
mesma. Como não individuar neste comportamento uma confirmação da crise de
confiança, que a nossa época está a atravessar, acerca das capacidades da
razão? Além disso, quando estas teses, baseando-se em convicções apriorísticas,
tendem a ofuscar os conteúdos da fé ou a negar a sua validade universal, então
não só humilham a razão, mas colocam-se por si mesmas fora de jogo. De facto, a
fé pressupõe claramente que a linguagem humana seja capaz de exprimir de modo
universal — embora em termos analógicos, mas nem por isso menos significativos
— a realidade divina e transcendente. 103
Se assim não fosse, a palavra de Deus, que é sempre palavra divina em linguagem
humana, não seria capaz de exprimir nada sobre Deus. A interpretação desta
Palavra não pode remeter-nos apenas de uma interpretação para outra, sem nunca
nos fazer chegar a uma afirmação absolutamente verdadeira; caso contrário, não
haveria revelação de Deus, mas só a expressão de noções humanas sobre Ele e sobre
aquilo que presumivelmente Ele pensa de nós.
85. Bem sei que, aos olhos de muitos dos
que actualmente se entregam à pesquisa filosófica, podem parecer árduas estas
exigências postas pela palavra de Deus à filosofia. Por isso mesmo, retomando
aquilo que, já há algumas gerações, os Sumos Pontífices não cessam de ensinar e
que o próprio Concílio Vaticano II
confirmou, quero exprimir vigorosamente a convicção de que o homem é capaz de
alcançar uma visão unitária e orgânica do saber. Esta é uma das tarefas que o
pensamento cristão deverá assumir durante o próximo milénio da era cristã. A
subdivisão do saber, enquanto comporta uma visão parcial da verdade com a
consequente fragmentação do seu sentido, impede a unidade interior do homem de
hoje. Como poderia a Igreja deixar de preocupar-se? Os Pastores recebem esta
função sapiencial directamente do Evangelho, e não podem eximir-se do dever de
concretizá-la.
Considero que todos os que actualmente
desejam responder, como filósofos, às exigências que a palavra de Deus põe ao
pensamento humano, deveriam elaborar o seu raciocínio sobre a base destes postulados,
numa coerente continuidade com aquela grande tradição que, partindo dos
antigos, passa pelos Padres da Igreja e os mestres da escolástica até chegar a
englobar as conquistas fundamentais do pensamento moderno e contemporâneo. Se
conseguir recorrer a esta tradição e inspirar-se nela, o filósofo não deixará
de se mostrar fiel à exigência de autonomia do pensamento filosófico.
Neste sentido, é muito importante que, no
contexto actual, alguns filósofos se façam promotores da descoberta do papel
determinante que tem a tradição para uma forma correcta de conhecimento. De
facto, o recurso à tradição não é uma mera lembrança do passado; mas constitui
sobretudo o reconhecimento dum património cultural que pertence a toda a
humanidade. Poder-se-ia mesmo dizer que somos nós que pertencemos à tradição, e
por isso não podemos dispor dela a nosso bel-prazer. É precisamente este
enraizamento na tradição que hoje nos permite poder exprimir um pensamento original,
novo e aberto para o futuro. Esta observação é ainda mais pertinente para a
teologia, não só porque ela possui a Tradição viva da Igreja como fonte
originária, 104 mas também porque
ela, em virtude disso mesmo, deve ser capaz de recuperar quer a profunda
tradição teológica que marcou as épocas precedentes, quer a tradição perene
daquela filosofia que, pela sua real sabedoria, conseguiu superar as fronteiras
do espaço e do tempo.
86. A insistência sobre a necessidade duma
estreita relação de continuidade entre a reflexão filosófica actual e a
reflexão elaborada na tradição cristã visa prevenir do perigo que se esconde em
algumas correntes de pensamento, hoje particularmente difusas. Embora brevemente,
considero oportuno deter-me sobre elas, para pôr em relevo os seus erros e
consequentes riscos para a actividade filosófica.
A primeira aparece sob o nome de ecletismo,
termo com o qual se designa o comportamento de quem, na pesquisa, na doutrina e
na argumentação, mesmo teológica, costuma assumir ideias tomadas isoladamente
de distintas filosofias, sem se preocupar com a sua coerência e conexão
sistemática, nem com o seu contexto histórico. Deste modo, a pessoa fica
impossibilitada de discernir entre a parte de verdade dum pensamento e aquilo
que nele pode ser errado ou inadequado. Também é possível individuar uma forma
extrema de ecletismo no abuso retórico dos termos filosóficos, às vezes
praticado por alguns teólogos. Este género de instrumentalização não favorece a
busca da verdade, nem educa a razão — tanto teológica, como filosófica — a
argumentar de forma séria e científica. O estudo rigoroso e profundo das
doutrinas filosóficas, da linguagem que lhes é peculiar, e do contexto onde
surgiram, ajuda a superar os riscos do ecletismo e permite uma adequada
integração daquelas na argumentação teológica.
87. O ecletismo é um erro de método, mas
poderia também ocultar em si as teses próprias do historicismo. Para
compreender correctamente uma doutrina do passado, é necessário que esteja
inserida no seu contexto histórico e cultural. Diversamente, o historicismo
toma como sua tese fundamental estabelecer a verdade duma filosofia com base na
sua adequação a um determinado período e função histórica. Deste modo nega-se,
pelo menos implicitamente, a validade perene da verdade. O que era verdade numa
época, afirma o historicista, pode já não sê-lo noutra. Em resumo, a história
do pensamento, para ele, reduz-se a uma espécie de achado arqueológico, a que
recorre a fim de pôr em evidência posições do passado, em grande parte já
superadas e sem significado para o tempo presente. Ora, apesar de a formulação
estar de certo modo ligada ao tempo e à cultura, deve-se considerar que a
verdade ou o erro, nela expressos, podem ser, não obstante a distância
espácio-temporal, reconhecidos e avaliados como tais.
Na reflexão teológica, o historicismo tende
a maior parte das vezes a apresentar-se sob uma forma de «modernismo». Com a
justa preocupação de tornar o discurso teológico actual e assimilável para o
homem contemporâneo, faz-se apenas uso das asserções e termos filosóficos mais
recentes, descuidando exigências críticas que, à luz da tradição, dever-se-iam
eventualmente colocar. Esta forma de modernismo, pelo simples facto de trocar a
actualidade pela verdade, revela-se incapaz de satisfazer as exigências de
verdade a que a teologia é chamada a dar resposta.
88. Outro perigo a ser considerado é o
cientificismo. Esta concepção filosófica recusa-se a admitir, como válidas,
formas de conhecimento distintas daquelas que são próprias das ciências
positivas, relegando para o âmbito da pura imaginação tanto o conhecimento
religioso e teológico, como o saber ético e estético. No passado, a mesma ideia
aparecia expressa no positivismo e no neopositivismo, que consideravam
destituídas de sentido as afirmações de carácter metafísico. A crítica
epistemológica desacreditou esta posição; mas, vemo-las agora renascer sob as
novas vestes do cientificismo. Na sua perspectiva, os valores são reduzidos a
simples produtos da emotividade, e a noção de ser é posta de lado para dar
lugar ao facto puro e simples. A ciência, prepara-se assim para dominar todos
os aspectos da existência humana, através do progresso tecnológico. Os sucessos
inegáveis no âmbito da pesquisa científica e da tecnologia contemporânea
contribuíram para a difusão da mentalidade cientificista, que parece não
conhecer fronteiras, quando vemos como penetrou nas diversas culturas e as
mudanças radicais que aí provocou.
Infelizmente, deve-se constatar que o
cientificismo considera tudo o que se refere à questão do sentido da vida como
fazendo parte do domínio do irracional ou da fantasia. Ainda mais decepcionante
é a perspectiva apresentada por esta corrente de pensamento a respeito dos
outros grandes problemas da filosofia que, quando não passam simplesmente
ignorados, são analisados com base em analogias superficiais, destituídas de
fundamentação racional. Isto leva ao empobrecimento da reflexão humana,
subtraindo-lhe aqueles problemas fundamentais que o animal racional se tem
colocado constantemente, desde o início da sua existência sobre a terra. Na mesma
linha, ao pôr de lado a crítica que nasce da avaliação ética, a mentalidade
cientificista conseguiu fazer com que muitos aceitassem a ideia de que aquilo
que se pode realizar tecnicamente, torna-se por isso mesmo também moralmente
admissível.
89. Portador de perigos não menores é o
pragmatismo, atitude mental própria de quem, ao fazer as suas opções, exclui o
recurso a reflexões abstractas ou a avaliações fundadas sobre princípios
éticos. As consequências práticas, que derivam desta linha de pensamento, são
notáveis. De modo particular, tem vindo a ganhar terreno uma concepção da
democracia que não contempla o referimento a fundamentos de ordem axiológica e,
por isso mesmo, imutáveis: a admissibilidade, ou não, de determinado
comportamento é decidida com base no voto da maioria parlamentar. 105 A consequência de semelhante posição é
clara: as grandes decisões morais do homem ficam efectivamente subordinadas às
deliberações que os órgãos institucionais vão assumindo pouco a pouco. Mais, a
própria antropologia fica fortemente condicionada com a proposta duma visão
unidimensional do ser humano, da qual se excluem os grandes dilemas éticos e as
análises existenciais sobre o sentido do sofrimento e do sacrifício, da vida e
da morte.
90. As teses examinadas até aqui conduzem,
por sua vez, a uma concepção mais geral, que parece constituir, hoje, o
horizonte comum de muitas filosofias que não querem saber do sentido do ser.
Estou a referir-me à leitura niilista, que é a rejeição de qualquer fundamento
e simultaneamente a negação de toda a verdade objectiva. O niilismo, antes
mesmo de estar em contraste com as exigências e os conteúdos próprios da
palavra de Deus, é negação da humanidade do homem e também da sua identidade.
De facto, é preciso ter em conta que o olvido do ser implica inevitavelmente a
perda de contacto com a verdade objectiva e, consequentemente, com o fundamento
sobre o qual se apoia a dignidade do homem. Deste modo, abre-se espaço à
possibilidade de apagar, da face do homem, os traços que revelam a sua
semelhança com Deus, conduzindo-o progressivamente a uma destrutiva ambição de
poder ou ao desespero da solidão. Uma vez que se privou o homem da verdade, é
pura ilusão pretender torná-lo livre. Verdade e liberdade, com efeito, ou
caminham juntas, ou juntas miseravelmente perecem. 106
91. Ao comentar as correntes de pensamento
acima lembradas, não foi minha intenção apresentar um quadro completo da
situação actual da filosofia: aliás, esta dificilmente poderia ser integrada
numa visão unitária. Faço questão de assinalar que a herança do saber e da
sabedoria se enriqueceu efectivamente em diversos campos. Basta citar a lógica,
a filosofia da linguagem, a epistemologia, a filosofia da natureza, a
antropologia, a análise profunda das vias afectivas do conhecimento, a
perspectiva existencial aplicada à análise da liberdade. Por outro lado, a
afirmação do princípio de imanência, que está no âmago da pretensão
racionalista, suscitou, a partir do século passado, reacções que levaram a pôr
radicalmente em questão postulados considerados indiscutíveis. Nasceram assim
correntes irracionalistas, ao mesmo tempo que a crítica punha em evidência a
inutilidade da exigência de auto-fundamentação absoluta da razão.
A nossa época foi definida por certos
pensadores como a época da «pós-modernidade». Este termo, não raramente usado
em contextos muito distanciados entre si, designa a aparição de um conjunto de
factores novos, que, pela sua extensão e eficácia, se revelaram capazes de
determinar mudanças significativas e duradouras. Assim, o termo foi
primeiramente usado no campo de fenómenos de ordem estética, social,
tecnológica. Depois, estendeu-se ao âmbito filosófico, permanecendo, porém,
marcado por certa ambiguidade, quer porque a avaliação do que se define como «pós-moderno»
é umas vezes positivo e outras, negativo, quer porque não existe consenso sobre
o delicado problema da delimitação das várias épocas históricas. Uma coisa,
todavia, é certa: as correntes de pensamento que fazem referência à
pós-modernidade merecem adequada atenção. Segundo algumas delas, de facto, o
tempo das certezas teria irremediavelmente passado, o homem deveria finalmente
aprender a viver num horizonte de ausência total de sentido, sob o signo do
provisório e do efémero. Muitos autores, na sua crítica demolidora de toda a
certeza e ignorando as devidas distinções, contestam inclusivamente as certezas
da fé.
De algum modo, este niilismo encontra
confirmação na terrível experiência do mal que caracterizou a nossa época. O
optimismo racionalista que via na história o avanço vitorioso da razão, fonte
de felicidade e de liberdade, não pôde resistir face à dramaticidade de tal experiência,
a ponto de uma das maiores ameaças, neste final de século, ser a tentação do
desespero.
Verdade é que uma certa mentalidade
positivista continua a defender a ilusão de que, graças às conquistas
científicas e técnicas, o homem, como se fosse um demiurgo, poderá chegar por
si mesmo a garantir o domínio total do seu destino.
2.
Tarefas actuais da teologia
92. Enquanto compreensão da Revelação, a
teologia, nas sucessivas épocas históricas, sempre sentiu como próprio dever
escutar as solicitações das várias culturas, para permeá-las depois, através
duma coerente conceptualização, com o conteúdo da fé. Também hoje lhe compete
uma dupla tarefa. Por um lado, deve cumprir a missão que o Concílio Vaticano II lhe confiou: renovar as suas metodologias,
tendo em vista um serviço mais eficaz à evangelização. Nesta perspectiva, como
não pensar às palavras pronunciadas pelo Sumo Pontífice João XXIII, na abertura
do Concílio? Dizia ele: «Correspondendo à viva expectativa de quantos amam
sinceramente a religião cristã, católica e apostólica, é necessário que esta
doutrina seja conhecida mais ampla e profundamente e que nela sejam instruídas
e formadas mais plenamente as consciências; é preciso que esta doutrina certa e
imutável, que deve ser fielmente respeitada, seja aprofundada e apresentada
segundo as exigências do nosso tempo». 107
Mas, por outro lado, a teologia deve manter
o olhar fixo sobre a verdade última que lhe foi confiada por meio da Revelação,
não se contentando nem se detendo em etapas intermédias. O teólogo recorde-se
de que o seu trabalho corresponde «ao dinamismo interior próprio da fé» e que o
objecto específico da sua indagação é «a Verdade, o Deus vivo e o seu desígnio
de salvação revelado em Jesus Cristo». 108 Esta tarefa, que diz respeito em
primeiro lugar à teologia, interpela também a filosofia. De facto, a quantidade
imensa de problemas, que hoje aparece, requer um trabalho comum, embora
desenvolvido com metodologias diversas, para que a verdade possa novamente ser
conhecida e anunciada. A Verdade, que é Cristo, impõe-se como autoridade
universal que rege, estimula e faz crescer (cf. Ef 4, 15) tanto a
teologia como a filosofia.
O facto de acreditar na possibilidade de se
conhecer uma verdade universalmente válida não é de forma alguma fonte de
intolerância; pelo contrário, é condição necessária para um diálogo sincero e
autêntico entre as pessoas. Só com esta condição será possível superar as
divisões e percorrer, juntos, o caminho que conduz à verdade total, seguindo
por sendas que só Espírito do Senhor ressuscitado conhece. 109 O modo como se configura hoje
concretamente a exigência de unidade, tendo em vista as tarefas actuais da
teologia, é o que desejo agora indicar.
93. O objectivo fundamental, que a teologia
persegue, é apresentar a compreensão da Revelação e o conteúdo da fé. Assim, o
verdadeiro centro da sua reflexão há-de ser a contemplação do próprio mistério
de Deus Uno e Trino. E a este chega-se reflectindo sobre o mistério da
encarnação do Filho de Deus: sobre o facto de Ele Se fazer homem e, depois,
caminhar até à paixão e à morte, mistério este que desembocará na sua gloriosa
ressurreição e ascensão à direita do Pai, donde enviará o Espírito de verdade
para constituir e animar a sua Igreja. Neste horizonte, a obrigação primeira da
teologia é a compreensão da kenosi de Deus, mistério verdadeiramente grande
para a mente humana, porque lhe parece insustentável que o sofrimento e a morte
possam exprimir o amor que se dá sem pedir nada em troca. Nesta perspectiva,
impõe-se como exigência fundamental e urgente uma análise atenta dos textos: os
textos bíblicos primeiro, e depois os que exprimem a Tradição viva da Igreja. A
este respeito, surgem hoje alguns problemas, novos só em parte, cuja solução
coerente não poderá ser encontrada sem o contributo da filosofia.
94. Um primeiro aspecto problemático
refere-se à relação entre o significado e a verdade. Como qualquer outro texto,
também as fontes que o teólogo interpreta transmitem, antes de mais, um
significado, que tem de ser individuado e exposto. Ora, este significado apresenta-se
como a verdade acerca de Deus, que é comunicada pelo próprio Deus por meio do
texto sagrado. Assim, a linguagem de Deus toma corpo na linguagem humana,
comunicando a verdade sobre Ele mesmo com aquela «condescendência» admirável
que reflecte a lógica da Encarnação. 110
Por isso, ao interpretar as fontes da Revelação, é necessário que o teólogo se
interrogue sobre qual seja a verdade profunda e genuína que os textos querem
comunicar, embora dentro dos limites da linguagem.
Quanto aos textos bíblicos, e em particular
os Evangelhos, a sua verdade não se reduz seguramente à narração de simples
acontecimentos históricos ou à revelação de factos neutros, como pretendia o
positivismo historicista. 111
Pelo contrário, esses textos expõem acontecimentos, cuja verdade está para além
da mera ocorrência histórica: está no seu significado para e dentro da história
da salvação. Esta verdade adquire a sua plena explicitação na leitura perene
que a Igreja faz dos referidos textos ao longo dos séculos, mantendo inalterado
o seu significado originário. Portanto, é urgente que se interroguem,
filosoficamente também, sobre a relação que há entre o facto e o seu
significado; relação essa que constitui o sentido específico da história.
95. A palavra de Deus não se destina apenas
a um povo ou só a uma época. De igual modo, também os enunciados dogmáticos
formulam uma verdade permanente e definitiva, ainda que às vezes se possa notar
neles a cultura do período em que foram definidos. Surge, assim, a pergunta
sobre como seja possível conciliar o carácter absoluto e universal da verdade
com o inevitável condicionamento histórico e cultural das fórmulas que a
exprimem. Como disse anteriormente, as teses do historicismo não são
defendíveis. Pelo contrário, a aplicação duma hermenêutica aberta à questão
metafísica é capaz de mostrar como se passa das circunstâncias históricas e
contingentes, onde maturaram os textos, à verdade por eles expressa que está
para além desses condicionalismos.
Com a sua linguagem histórica e limitada, o
homem pode exprimir verdades que transcendem o fenómeno linguístico. De facto,
a verdade nunca pode estar limitada a um tempo, nem a uma cultura; é conhecida
na história, mas supera a própria história.
Revisão da tradução portuguesa por ama
___________________________
Notas:
103 Cf. Conc. Ecum. Lateranense IV, De errore
abbatis Ioachim, II: DS 806.
104 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm.
sobre a revelação divina Dei Verbum, 24; Decr. sobre a formação sacerdotal
Optatam totius, 16.
105 Cf. João Paulo II, Carta enc.
Evangelium vitæ (25 de Março de 1995), 69: AAS 87 (1995), 481.
106 Neste mesmo sentido, escrevi na minha
primeira encíclica, comentando a frase « conhecereis a verdade, e a verdade
tornar-vos-á livres » do Evangelho de S. João (8, 32): « Estas palavras
encerram em si uma exigência fundamental e, ao mesmo tempo, uma advertência: a
exigência de uma relação honesta para com a verdade, como condição de uma
autêntica liberdade; e a advertência, ademais, para que seja evitada qualquer
verdade aparente, toda a liberdade superficial e unilateral, toda a liberdade
que não compreenda cabalmente a verdade sobre o homem e sobre o mundo. Ainda
hoje, depois de dois mil anos, Cristo continua a aparecer-nos como Aquele que
traz ao homem a liberdade baseada na verdade, como Aquele que liberta o homem
daquilo que limita, diminui e como que despedaça pelas próprias raízes essa
liberdade, na alma do homem, no seu coração e na sua consciência » [Carta enc.
Redemptor hominis (4 de Março de 1979), 12: AAS 71 (1979), 280-281].
107 Discurso de abertura do Concílio (11 de
Outubro de 1962): AAS 54 (1962), 792.
108 Congr. da Doutrina da Fé, Instr. sobre
a vocação eclesial do teólogo Donum veritatis (24 de Maio de 1990), 7-8: AAS 82
(1990), 1552-1553.
109 Escrevi na encíclica Dominum et
vivificantem, comentando Jo 16, 12-13: « Jesus apresenta o Consolador, o
Espírito da Verdade, como Aquele que "ensinará e recordará", como
Aquele que "dará testemunho" d'Ele; agora diz: "Ele vos guiará
para a verdade total". Este "guiar para a verdade total", em relação
com aquilo que "os Apóstolos por agora não estão em condições de
compreender", está necessariamente em ligação com o despojamento de
Cristo, por meio da sua paixão e morte de cruz, que então, quando Ele
pronunciava estas palavras, já estava iminente. Mas, em seguida, torna-se bem
claro que aquele "guiar para a verdade total" tem a ver não apenas
com o scandalum crucis, mas também com tudo o que Cristo "fez e
ensinou" (Act 1, 1). Com efeito, o mysterium Christi na sua globalidade
exige a fé, porquanto é ela que introduz o homem oportunamente na realidade do
mistério revelado. O "guiar para a verdade total" realiza-se, pois,
na fé e mediante a fé: é obra do Espírito da verdade e é fruto da sua acção no
homem. O Espírito Santo deve ser em tudo isso o guia supremo do homem, a luz do
espírito humano » [n. 6: AAS 78 (1986), 815-816].
110 Cf. Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm.
sobre a revelação divina Dei Verbum, 13.
111 Cf. Pontifícia Comissão Bíblica, Instr. sobre a
verdade histórica dos Evangelhos (21 de Abril de 1964): AAS 56 (1964), 713.
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