Em
seguida, devemos considerar como os anjos se tornaram maus. E primeiro, quanto
ao mal da culpa. Segundo, quanto ao mal da pena.
Sobre
o primeiro ponto nove artigos se discutem:
Art.
1 — Se pode haver nos anjos o mal da culpa.
Art.
2 — Se nos anjos pode haver somente os pecados da soberba e da inveja.
Art.
3 — Se o diabo desejou ser como Deus.
Art.
4 — Se alguns demónios são naturalmente maus.
Art.
5 — Se o diabo, no primeiro instante da sua criação, foi mau por culpa da
própria vontade.
Art.
6 — Se mediou alguma demora entre a criação e a queda do anjo.
Art.
7 — Se o anjo supremo, dentre os que pecaram, era o supremo de todos.
Art.
8 — Se o pecado do primeiro anjo foi causa de outros pecarem.
Art.
9 — Se mais anjos pecaram do que perseveraram.
Art. 1 — Se pode haver nos anjos o mal
da culpa.
O
primeiro discute-se assim. — Parece que não pode haver nos anjos o mal da
culpa.
1.
— Pois, o mal da culpa só pode existir nos seres potenciais, como diz
Aristóteles, por ser o ente potencial o sujeito da privação. Ora, os anjos,
sendo formas subsistentes, não têm o ser potencial. Logo, não pode haver neles
o mal da culpa.
2.
Demais. — Os anjos são mais dignos do que os corpos celestes. Ora, nestes não
pode haver mal, como dizem os filósofos. Logo, nem naqueles.
3.
Demais. — O natural a um ser existe sempre neste. Ora, é natural aos anjos
moverem-se para Deus pelo movimento de dileção. Logo, disto não podem eles ser
privados. Mas, como amando a Deus não pecam, os anjos não podem pecar.
4.
Demais. — O apetite só pode desejar o bem ou o que tem a aparência de bem. Ora,
para os anjos não pode haver bem aparente que não seja verdadeiro, porque neles
não pode de nenhum modo haver erro; ou, pelo menos, este não podia preceder à
culpa. Logo, os anjos só podem apetir o bem verdadeiro. Mas ninguém que deseje
o verdadeiro bem peca. Logo, o anjo, apetindo, não peca.
Mas,
em contrário, diz Job: E entre os seus anjos achou crime.
O anjo, como qualquer criatura racional, considerado na sua natureza, pode
pecar; e só por dom da graça, não pela condição da natureza, é que pode convir
a uma criatura a impecabilidade. E a razão disto é que pecar não é senão o
declinar um acto da rectidão que deve ter, quer se considere o pecado nos seres
naturais, nos artificiais ou nos morais. Ora, só não pode declinar da rectidão
o acto cuja regra é a virtude do agente. Assim, se a mão do artífice fosse a própria
regra da incisão, ele nunca poderia cortar a madeira senão em linha reta; mas,
se a rectidão da incisão depender de outra regra a incisão poderá ser recta e
não recta. Ora, só a divina vontade é a regra do seu acto, porque não está
ordenada para um fim superior. Porém, toda vontade de qualquer criatura não
traz, no seu acto, a rectidão, senão enquanto regulada pela vontade divina, da
qual depende o último fim. Assim, a vontade de um ser inferior deve-se regular
pela do superior, como a vontade do soldado pela do chefe do exército. Portanto,
só na vontade divina não pode haver pecado; ao passo que o pode haver, segundo
a ordem da natureza, na vontade de qualquer criatura.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Nos anjos não há potência quanto ao ser
natural; havendo porém, quanto à parte intelectiva, que pode converter-se em
tal coisa ou tal outra, pode quanto a essa parte haver mal neles.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — Os corpos celestes só têm operação natural; por onde, como em a
natureza deles não pode existir o mal da corrupção, assim também na acção
natural dos mesmos não pode existir o mal da desordem. Mas, além da acção
natural, há nos anjos a acção do livre arbítrio, em relação à qual pode haver
neles mal.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — É natural ao anjo converter-se para Deus pelo movimento de dilecção,
enquanto Deus é o princípio do ser natural. Mas, converter-se a Deus como objecto
da beatitude sobrenatural, só o é por amor gratuito, do qual podia desviar-se
pecando.
RESPOSTA
À QUARTA. — De dois modos pode haver pecado moral, no acto do livre arbítrio. —
De um, quando se escolhe algum mal; assim, o homem peca escolhendo o adultério
que, em si, é mau. E tal pecado sempre procede de alguma ignorância ou erro; do
contrário, o mal não seria escolhido como bem. Assim, o adúltero erra, em particular,
escolhendo o deleite de um acto desordenado, como um bem a ser actualmente
praticado, por causa da inclinação da paixão ou do hábito; embora, em geral,
não erre, mas pense, com verdade, nessa matéria. Ora, deste modo não podia
haver pecado nos anjos, porque neles nem há paixões que liguem a razão ou o
intelecto, como do sobredito resulta: nem, além disso, podia haver um hábito,
inclinando ao pecado, e que precedeu o primeiro pecado. — De outro modo pode
pecar-se pelo livre arbítrio, escolhendo-se o bem em si, mas sem a ordem devida
à medida ou à regra; de maneira que o defeito, inducente ao pecado, só existe
por parte da eleição que não observa a ordem devida senão quanto à coisa
escolhida. Assim, se alguém escolhesse orar, sem atender à ordem instituída
pela Igreja. E tal pecado não pressupõe a ignorância, mas somente a ausência de
consideração das coisas que deviam ser consideradas. E, deste modo, o anjo
pecou convertendo-se, pelo livre arbítrio, ao bem próprio, sem se ordenar à
regra da divina vontade.
Revisão
da tradução portuguesa por ama
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