Em seguida, devemos tratar da obra da distinção.
E,
primeiro, da ordem da criação, quanto à distinção. Segundo, da distinção em si
mesma.
Art.
1 — Se a informidade da matéria precedeu, no tempo, à formação da mesma.
Art.
2 — Se a matéria informe é a mesma em todos os corpos.
Art.
3 — Se o céu empíreo foi criado simultaneamente com a matéria informe.
Art.
4 — Se o tempo foi concriado com a matéria informe.
Nota: Revisão da tradução para português por ama
Art. 1 — Se a informidade da matéria
precedeu, no tempo, à formação da mesma.
O
primeiro discute-se assim. — Parece que a informidade da matéria precedeu, no
tempo, à formação da mesma.
1.
— Pois, diz a Escritura: A terra, porém, estava informe e vazia, ou, invisível
e descomposta, segundo outra letra; pelo que se designa a informidade da
matéria, conforme Agostinho. Logo, houve um tempo em que a matéria, antes de
ser formada, foi informe.
2.
Demais. — O operar da natureza imita o de Deus, assim como a causa segunda
imita a primeira. Ora, na operação da natureza, a informidade precede, no
tempo, à formação. Logo, também na de Deus.
3.
Demais. — Como parte da substância, a matéria tem preponderância sobre o
acidente. Ora, Deus pode fazer existir o acidente sem o sujeito, como se vê no
Sacramento do Altar. Logo, podia ter feito a matéria existir sem a forma.
Mas,
em contrário. A imperfeição do efeito atesta a do agente. Ora, Deus é agente
perfeitíssimo, pelo que dele se diz: As obras de Deus são perfeitas. Logo, a
obra por ele criada nunca foi informe.
Demais.
— a formação da criatura corporal foi realizada pela obra da distinção. Ora, à
esta se opõe a confusão como, à formação, a informidade. Se, pois, a
informidade precedeu no tempo à formação da matéria, segue-se que, no
princípio, houve a confusão, na criatura corporal, a qual os antigos chamavam
Caos.
Neste assunto diversas são as opiniões dos Santos Padres. Agostinho pretende
que a informidade da matéria corporal não precedeu, no tempo, mas só pela
origem ou pela ordem da natureza, à formação da mesma. Outros porém, como
Basílio, Ambrósio e Crisóstomo, opinam que a informidade precedeu, no tempo, à
formação. E embora essas opiniões pareçam contrárias, contudo pouco entre si
diferem. Pois, Agostinho compreende a informidade da matéria diferentemente dos
outros.
Para
ele, essa informidade significa carência de qualquer forma; sendo, portanto,
impossível dizer-se que tal informidade precedeu, no tempo, quer à formação,
quer à distinção da matéria. O que é manifesto, quanto à formação; pois, se
precedeu, na duração, a matéria informe já era atual, porque a duração, sendo
termo da criação, importa o acto e este, em si mesmo, é forma. Dizer, portanto,
que a matéria precedeu, sem forma, é idêntico a dizer que o ser atual não o é,
o que implica contradição. Nem mesmo se pode dizer que tinha alguma forma
comum, sobrevindo-lhe, depois, formas diversas, pelas quais se tornou distinta.
Pois, tal opinião seria idêntica à dos antigos físicos, que ensinavam ser a
matéria prima algum corpo em acto, como o fogo, o ar, a água ou um corpo médio.
Donde resultaria que o vir-a-ser não seria senão o alterar-se. Porque essa forma
precedente, dando o ser atual, no gênero da substância, e tornando o ser tal e
não tal outro, resultaria que a forma superveniente não causaria simplesmente o
ser atual, mas um ser atual, o que é próprio à forma acidental; e portanto, as
formas seguintes seriam acidentes, em relação aos quais não há geração, mas
alteração. Portanto, deve-se dizer que a matéria-prima nem foi criada
completamente sem forma, nem com forma comum, senão com formas distintas. Donde,
se a informidade da matéria, se refere à condição da matéria-prima, que, de si
mesma, nenhuma forma tem, tal informidade não precedeu à formação ou à
distinção da mesma, no tempo, como diz Agostinho; senão somente pela origem ou
pela natureza, do modo pelo qual a potência é anterior ao acto e a parte, ao
todo.
Outros
Santos Padres, porém, compreendem a informidade como exclusiva, não de qualquer
forma, mas só da formosura e da beleza que, atualmente, se manifesta na
criatura corpórea. E, assim, sentem que tal informidade da matéria corporal
precedeu, pela duração, à formação da mesma. Donde, neste sentido, Agostinho
concorda com eles, em parte, e, em parte, discorda, como a seguir se virá.
Quanto
à expressão do Gênesis, ela pode significar que, faltando-lhe uma tríplice
formosura, por isso informe era chamada a criatura corporal. Assim, faltando ao
corpo diáfano total, chamado céu, a beleza da luz, por isso se diz que as
trevas cobriam a face do abismo. Faltava também, à terra, dupla beleza. Uma, a
que tem por estar descoberta das águas e, por isso, se diz que a terra estava
informe ou invisível; pois, o seu aspecto corporal não podia aparecer, por
causa das águas que de todos os lados a cobriam. Outra, a que tem, por estar
ornada de ervas e plantas, dizendo-se, por isso, que era vazia ou descomposta,
i. é., não ornada, segundo diferente lição. E assim, tendo preestabelecido duas
naturezas criadas, o céu e a terra, exprimiu a informidade do céu dizendo: as
trevas cobriam a face do abismo, incluindo no céu também o ar; e a informidade
da terra, dizendo: A terra estava informe e vazia.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Terra, aqui, é tomada em sentidos diferentes
por Agostinho e pelos outros Santos Padres. Conforme Agostinho, pelos nomes
terra e água, deve se entender neste passo a matéria-prima em si mesma. Porque
Moisés não podia dar a compreender a matéria-prima a um povo rude, a não ser
por semelhança com coisas desse povo conhecidas. Por isso, exprimiu-a sob
multíplice semelhança, não a denominando somente água, ou somente terra, para
não parecer que, na verdade das coisas, a matéria-prima fosse a terra ou a
água. Se bem tenha semelhança com a terra, como fundamento que é das formas; e
com a água, como apta a ser informada por diversas formas. Assim, neste
sentido, é chamada a terra informe e vazia, ou invisível e descomposta, pois a
matéria é conhecida pela forma. Donde, em si mesma considerada, é chamada
invisível, ou vazia, completando-se a sua potência pela forma. Por isso também
Platão chamou à matéria lugar. — Outros Santos Padres porém, entendem por terra
o elemento mesmo da terra, e a opinião deles sobre a sua informidade, já a
referimos.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — A natureza produz o efeito atual, do ser em potência; sendo,
portanto, necessário que, na sua operação, a potência preceda ao acto, no
tempo; assim como a informidade, à formação. Mas Deus produz do nada o ser
atual; e, portanto pode produzir imediatamente um ser perfeito, pela magnitude
do seu poder.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — O acidente, sendo forma, é um certo acto; porém a matéria, em si
mesma, é ser em potência. Donde, mais repugna à matéria existir em acto, sem a
forma, do que ao acidente sem o sujeito.
RESPOSTA
À PRIMEIRA OBJEÇÃO EM CONTRÁRIO. — Se, segundo outros Santos Padres a
informidade precedeu, no tempo, à formação da matéria, isso não foi por
impotência de Deus, mas pela sua sapiência, para que se conservasse a ordem na
condição das coisas, de modo a que fossem levadas do imperfeito ao perfeito.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — Alguns físicos antigos ensinavam a confusão, exclusiva de toda
distinção, salvo Anaxágoras que admitia somente o intelecto como distinto e sem
imisção. Mas, antes da obra da distinção, a Escritura Sagrada coloca múltiplas
distinções. — Assim, primeiro, a do céu e da terra, na qual também se mostra a
distinção quanto à matéria, como a seguir se verá; e tudo isto, quando diz: No
princípio criou Deus o céu e a terra. — Segundo, a distinção dos elementos,
quanto às suas formas, nomeando a terra e a água, sem nomear o ar e o fogo, por
não ser claro aos rudes, aos quais Moisés falava, que tais seres são corpos,
como manifestamente o são a terra e a água. Embora Platão (no Timeu)
entendesse, pelo ar, o espírito do Senhor, porque o ar também se chama
espírito, e, pelo fogo, o céu, porque dizia ser este de natureza ígnea, como
refere Agostinho. Mas Rabbi Moisés, concordando em outros pontos com Platão,
diz que o fogo é expresso pelas trevas; pois, como afirma, o fogo não luz na
esfera própria. Porém, parece mais conveniente o que já antes ficou dito, a
saber, que, na Escritura, Espírito do Senhor costuma ser tomado pelo Espírito
Santo, do qual se diz que é conduzido na superfície das águas, não
corporalmente, mas do mesmo modo que a vontade do artífice é conduzida na
superfície da matéria a que quer dar forma. — A terceira distinção é expressa
em relação à situação, porque a terra estava debaixo das águas, que a tornavam
invisível; e quanto ao ar, sujeito das trevas, dele se afirma que estava sobre
as águas, quando se diz as trevas cobriam a face do abismo. E o que restava a
distinguir, pelo que se segue se verá.
Nota: Revisão da tradução para português por ama
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