Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
Para ver, clicar SFF.
Evangelho: Mt 15, 1-20
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Evangelho: Mt 15, 1-20
1 Então, aproximaram-se d'Ele uns escribas e fariseus
de Jerusalém, dizendo: 2 «Porque violam os Teus discípulos a
tradição dos antigos? Pois não lavam as mãos quando comem pão». 3
Ele respondeu-lhes: «E vós, também, porque transgredis o mandamento de Deus por
causa da vossa tradição? Porque Deus disse: 4 “Honra teu pai e tua
mãe”, e: “O que amaldiçoar seu pai ou sua mãe, seja punido de morte”. 5
Porém, vós dizeis: “Quem disser a seu pai ou a sua mãe: `É oferta a Deus
qualquer coisa minha que te possa ser útil', 6 não está mais
obrigado a honrar seu pai ou sua mãe”; e, assim, por causa da vossa tradição,
tornastes nulo o mandamento de Deus. 7 Hipócritas, bem profetizou de
vós Isaías, dizendo: 8 “Este povo honra-Me com os lábios, mas o seu
coração está longe de Mim. 9 Em vão Me prestam culto; as doutrinas
que ensinam são preceitos humanos”». 10 Depois, chamando a Si as
turbas, disse-lhes: «Ouvi e entendei. 11 Não é aquilo que entra pela
boca que mancha o homem, mas aquilo que sai da boca, isso é que torna impuro o
homem». 12 Então, aproximando-se d'Ele os Seus discípulos,
disseram-Lhe: «Sabes que os fariseus, ouvindo estas palavras, se
escandalizaram?». 13 Jesus respondeu: «Toda a planta que meu Pai
celestial não plantou, será arrancada pela raiz. 14 Deixai-os; são
cegos, e guias de cegos; e, se um cego guia outro cego, ambos caem na cova». 15
Pedro, tomando a palavra, disse-Lhe: «Explica-nos essa parábola». 16
Jesus respondeu: «Também vós tendes tão pouca compreensão? 17 Não
compreendeis que tudo o que entra pela boca passa ao ventre e se lança depois
num lugar escuso? 18 Mas as coisas que saem da boca, vêm do coração,
e estas são as que mancham o homem; 19 porque do coração saem os
maus pensamentos, os homicídios, os adultérios, as fornicações, os furtos, os
falsos testemunhos, as palavras injuriosas. 20 Estas coisas são as
que mancham o homem. Porém, o comer com as mãos por lavar não torna o homem
impuro».
Ioannes Paulus PP.
II
Centesimus annus
aos veneráveis
Irmãos no Episcopado
ao Clero
às Familías
religiosas
aos Fiéis da Igreia
Católica
e a todos os Homens
de Boa Vontade
no centenário da
Rerum
Novarum
/…7
48. Estas considerações gerais reflectem-se
também no papel do Estado no sector da economia. A actividade económica, em
particular a da economia de mercado, não se pode realizar num vazio
institucional, jurídico e político. Pelo contrário, supõe segurança no
referente às garantias da liberdade individual e da propriedade, além de uma
moeda estável e serviços públicos eficientes. A principal tarefa do Estado é,
portanto, a de garantir esta segurança, de modo que quem trabalha e produz possa
gozar dos frutos do próprio trabalho e, consequentemente, se sinta estimulado a
cumpri-lo com eficiência e honestidade. A falta de segurança, acompanhada pela
corrupção dos poderes públicos e pela difusão de fontes impróprias de
enriquecimento e de lucros fáceis fundados em actividades ilegais ou puramente
especulativas, é um dos obstáculos principais ao desenvolvimento e à ordem
económica.
Outra tarefa do Estado é a de vigiar e
orientar o exercício dos direitos humanos, no sector económico; neste campo,
porém, a primeira responsabilidade não é do Estado, mas dos indivíduos e dos
diversos grupos e associações em que se articula a sociedade. O Estado não
poderia assegurar directamente o direito de todos os cidadãos ao trabalho, sem
uma excessiva estruturação da vida económica e restrição da livre iniciativa
dos indivíduos. Contudo isto não significa que ele não tenha qualquer
competência neste âmbito, como afirmaram aqueles que defendiam uma ausência
completa de regras na esfera económica. Pelo contrário, o Estado tem o dever de
secundar a actividade das empresas, criando as condições que garantam ocasiões
de trabalho, estimulando-a onde for insuficiente e apoiando-a nos momentos de
crise.
O Estado tem também o direito de intervir
quando situações particulares de monopólio criem atrasos ou obstáculos ao
desenvolvimento. Mas, além destas tarefas de harmonização e condução do
progresso, pode desempenhar funções de suplência em situações excepcionais,
quando sectores sociais ou sistemas de empresas, demasiado débeis ou em vias de
formação, se mostram inadequados à sua missão. Estas intervenções de suplência,
justificadas por urgentes razões que se prendem com o bem comum, devem ser,
quanto possível, limitadas no tempo, para não retirar permanentemente aos mencionados
sectores e sistemas de empresas as competências que lhes são próprias e para
não ampliar excessivamente o âmbito da intervenção estatal, tornando-se
prejudicial tanto à liberdade económica como à civil.
Assistiu-se, nos últimos anos, a um vasto
alargamento dessa esfera de intervenção, o que levou a constituir, de algum
modo, um novo tipo de estado, o «Estado do bem-estar». Esta alteração deu-se em
alguns Países, para responder de modo mais adequado a muitas necessidades e
carências, dando remédio a formas de pobreza e privação indignas da pessoa
humana. Não faltaram, porém, excessos e abusos que provocaram, especialmente
nos anos mais recentes, fortes críticas ao Estado do bem-estar, qualificado
como «Estado assistencial». As anomalias e defeitos, no Estado assistencial,
derivam de uma inadequada compreensão das suas próprias tarefas. Também neste
âmbito, se deve respeitar o princípio de subsidiariedade: uma sociedade de
ordem superior não deve interferir na vida interna de uma sociedade de ordem inferior,
privando-a das suas competências, mas deve antes apoiá-la em caso de
necessidade e ajudá-la a coordenar a sua acção com a das outras componentes
sociais, tendo em vista o bem comum 100.
Ao intervir directamente, desresponsabilizando
a sociedade, o Estado assistencial provoca a perda de energias humanas e o
aumento exagerado do sector estatal, dominando mais por lógicas burocráticas do
que pela preocupação de servir os usuários com um acréscimo enorme das
despesas. De facto, parece conhecer melhor a necessidade e ser mais capaz de
satisfazê-la quem a ela está mais vizinho e vai ao encontro do necessitado.
Acrescente-se que, frequentemente, um certo tipo de necessidades requer uma
resposta que não seja apenas material, mas que saiba compreender nelas a
exigência humana mais profunda. Pense-se na condição dos refugiados,
emigrantes, anciãos ou doentes e em todas as diversas formas que exigem
assistência, como no caso dos toxicómanos: todas estas são pessoas que podem
ser ajudadas eficazmente apenas por quem lhes ofereça, além dos cuidados
necessários, um apoio sinceramente fraterno.
49. Neste campo, a Igreja fiel ao mandato
de Cristo, seu Fundador, sempre esteve presente com as suas obras para oferecer
ao homem carente um auxílio material que não o humilde e não o reduza a ser
apenas objecto de assistência, mas o ajude a sair da sua precária condição,
promovendo a sua dignidade de pessoa. Com profunda gratidão a Deus, deve-se
registar que a caridade operativa nunca faltou na Igreja, verificando-se até um
variado e reconfortante incremento hoje. A propósito, merece especial menção o
fenómeno do voluntariado que a Igreja favorece e promove apelando à colaboração
de todos para sustentá-lo e encorajá-lo nas suas iniciativas.
Para superar a mentalidade individualista
hoje difundida, requer-se um concreto empenho de solidariedade e caridade que
tem início no seio da família com o apoio mútuo dos esposos, e depois com os
cuidados que uma geração presta à outra. Assim a família qualifica-se como
comunidade de trabalho e de solidariedade. Acontece porém que, quando ela se
decide a corresponder plenamente à própria vocação, pode-se encontrar privada
do apoio necessário por parte do Estado, e não dispõe de recursos suficientes.
É urgente promover não apenas políticas para a família, mas também políticas
sociais, que tenham como principal objectivo a própria família, ajudando-a,
mediante a atribuição de recursos adequados e de instrumentos eficazes de apoio
quer na educação dos filhos quer no cuidado dos anciãos, evitando o seu
afastamento do núcleo familiar e reforçando os laços entre as gerações 101.
Além da família, também outras sociedades
intermédias desenvolvem funções primárias e constroem específicas redes de
solidariedade. Estas, de facto, maturam como comunidades reais de pessoas e
dinamizam o tecido social, impedindo-o de cair no anonimato e na massificação,
infelizmente frequente na sociedade moderna. É na múltipla actuação de relações
que vive a pessoa e cresce a «subjectividade» da sociedade. O indivíduo é hoje
muitas vezes sufocado entre os dois polos: o Estado e o mercado. Às vezes dá a
impressão de que ele existe apenas como produtor e consumidor de mercadorias ou
então como objecto da administração do Estado, esquecendo-se que a convivência
entre os homens não se reduz ao mercado nem ao Estado, já que a pessoa possui
em si mesma um valor singular, ao qual devem servir o Estado e o mercado. O
homem é, acima de tudo, um ser que procura a verdade e se esforça por vivê-la e
aprofundá-la num diálogo contínuo que envolve as gerações passadas e as futuras
102.
50. Por esta procura clara da verdade que
se renova em cada geração, caracteriza-se a cultura da Nação. Com efeito, o
património dos valores transmitidos e adquiridos é não raro submetido pelos
jovens à contestação. Contestar, de resto, não quer dizer necessariamente
destruir ou rejeitar de modo apriorístico, mas sobretudo pôr à prova na própria
vida e, por meio desta verificação existencial, tornar tais valores mais vivos,
actuais e personalizados, discernindo o que na tradição é válido daquilo que é
falso e errado ou constitui formas antiquadas, que podem ser substituídas por
outras mais adequadas aos novos tempos.
Neste contexto, convém lembrar que também a
evangelização se insere na cultura das Nações, sustentando-a no seu caminho
rumo à verdade e ajudando-a no trabalho de purificação e de enriquecimento 103. Quando, no entanto, uma cultura se
fecha em si própria e procura perpetuar formas antiquadas de vida, recusando
qualquer mudança e confronto com a verdade do homem, então ela torna-se estéril
e entra em decadência.
51. Toda a actividade humana tem lugar no
seio de uma cultura e integra-se nela. Para uma adequada formação de tal
cultura, se requer a participação de todo o homem, que aí aplica a sua a
criatividade, a sua inteligência, o seu conhecimento do mundo e dos homens. Aí
investe ainda a sua capacidade de autodomínio, de sacrifício pessoal, de
solidariedade e disponibilidade para promover o bem comum. Por isso, o primeiro
e maior trabalho realiza-se no coração do homem, e o modo como ele se empenha
em construir o seu futuro depende da concepção que tem de si mesmo e do seu
destino. É a este nível que se coloca o contributo específico e decisivo da
Igreja a favor da verdadeira cultura. Ela promove as qualidades dos
comportamentos humanos, que favorecem a cultura da paz, contra os modelos que
confundem o homem na massa, ignoram o papel da sua iniciativa e liberdade e
põem a sua grandeza nas artes do conflito e da guerra. A Igreja presta este
serviço, pregando a verdade relativa à criação do mundo, que Deus colocou nas
mãos dos homens para que o tornem fecundo e mais perfeito com o seu trabalho, e
pregando a verdade referente à redenção, pela qual o Filho de Deus salvou todos
os homens e, simultaneamente, uniu-os entre si, tornando-os responsáveis uns
pelos outros. A Sagrada Escritura fala-nos continuamente do compromisso activo
a favor do irmão e apresenta-nos a exigência de uma cor-responsabilidade que
deve abraçar todos os homens.
Esta exigência não se restringe aos limites
da própria família, nem sequer da Nação ou do Estado, mas abarca ordenadamente
a humanidade inteira, de modo que ninguém se pode considerar alheio ou
indiferente à sorte de outro membro da família humana. Ninguém pode afirmar que
não é responsável pela sorte do próprio irmão (cf. Gn 4, 9; Lc 10, 29-37;
Mt 25, 31-46)! A atenta e pressurosa solicitude em relação ao próximo, na
hora da necessidade, facilitada hoje também pelos novos meios de comunicação
que tornaram os homens mais vizinhos entre si, é particularmente importante
quando se trata de encontrar os instrumentos de solução dos conflitos
internacionais alternativos à guerra. Não é difícil afirmar que a terrível
capacidade dos meios de destruição, acessíveis já às médias e pequenas
potências, e a conexão cada vez mais estreita entre os povos de toda a terra,
tornam muito difícil ou praticamente impossível limitar as consequências de um
conflito.
52. Os pontífices Bento XV e seus
sucessores compreenderam lucidamente este perigo 104,
e eu próprio, por ocasião da recente guerra dramática no Golfo Pérsico, repeti
o grito: «Nunca mais a guerra»! Nunca mais a guerra, que destrói a vida dos
inocentes, que ensina a matar e igualmente perturba a vida dos assassinos, que
deixa atrás de si um cortejo de rancores e de ódios, tornando mais difícil a
justa solução dos próprios problemas que a provocaram! Como dentro dos Estados
chegou finalmente o tempo em que o sistema da vingança privada e da represália
foi substituído pelo império da lei, do mesmo modo é agora urgente que um
progresso semelhante tenha lugar na Comunidade internacional. Não se deve
esquecer também que, na raiz da guerra, geralmente há reais e graves razões:
injustiças sofridas, frustração de legítimas aspirações, miséria e exploração
de multidões humanas desesperadas, que não vêem possibilidade real de melhorar
as suas condições, através dos caminhos da paz.
Por isso, o outro nome da paz é o
desenvolvimento 105. Como existe
a responsabilidade colectiva de evitar a guerra, do mesmo modo há a
responsabilidade colectiva de promover o desenvolvimento. Como a nível interno
é possível e obrigatório construir uma economia social que oriente o
funcionamento do mercado para o bem comum, assim é necessário que haja
intervenções adequadas a nível internacional. Por isso deve-se fazer um grande
esforço de recíproca compreensão, de conhecimento e de sensibilização da
consciência. É esta a cultura almejada que faz crescer a confiança nas
potencialidades humanas do pobre e, consequentemente, na sua capacidade de
melhorar a sua condição através do trabalho, ou de dar um contributo positivo
ao bem-estar económico. Para o fazer, porém, o pobre — indivíduo ou Nação — tem
necessidade de lhe serem oferecidas condições realisticamente acessíveis. Criar
essas ocasiões é a tarefa de uma concertação mundial para o desenvolvimento,
que implica inclusive o sacrifício das situações de lucro e de poder,
usufruídas pelas economias mais desenvolvidas 106.
Isto pode acarretar importantes mudanças
nos estilos consolidados de vida, com o objectivo de limitar o desperdício dos
recursos ambientais e humanos, permitindo assim a todos os homens e povos da
terra dispor deles em medida suficiente. Acrescente-se a isso a valorização dos
novos bens materiais e espirituais, fruto do trabalho e da cultura dos povos
hoje marginalizados, obtendo-se assim o global enriquecimento humano da família
das Nações.
VI. O
HOMEN É O CAMINHO DA IGREJA
53. Em face da miséria do proletariado,
Leão XIII dizia: «Abordamos este argumento com confiança e no nosso pleno
direito (...). Parecer-nos-ia faltar à nossa missão, se calássemos» 107. Nos últimos 100 anos, a Igreja
manifestou repetidamente o seu pensamento, seguindo de perto a evolução
contínua da questão social. Não o fez para recuperar privilégios do passado ou
para impor a sua concepção social. O seu único objectivo era o cuidado e a
responsabilidade pelo homem, a Ela confiado pelo próprio Cristo: por este homem
que, como o Concílio Vaticano II recorda, é a única criatura sobre a terra a
ser querida por Deus por si mesma, e para a qual Deus tem o seu projecto, isto é,
a participação na salvação eterna. Não se trata do homem «abstracto», mas do
homem real, «concreto», «histórico»: trata-se de cada homem, porque cada um foi
englobado no mistério da redenção e Cristo uniu-se com cada um para sempre,
através desse mistério. Disto se segue que a Igreja não pode abandonar o homem
e que «este homem é o primeiro caminho que a Igreja deve percorrer na
realização da sua missão (...) o caminho traçado pelo próprio Cristo, caminho
que invariavelmente passa pelo mistério da incarnação e da redenção» 109.
A inspiração que preside à doutrina social
da Igreja é esta, e só esta. Se a foi elaborando pouco a pouco de forma
sistemática, sobretudo a partir da data que comemoramos, é porque toda a
riqueza doutrinal da Igreja tem como horizonte o homem, na sua concreta
realidade de pecador e de justo.
54. A doutrina social hoje especialmente
visa o homem, enquanto inserido na complexa rede de relações das sociedades
modernas. As ciências humanas e a filosofia servem de ajuda para interpretar a
centralidade do homem dentro da sociedade, e para o capacitarem a uma melhor
compreensão de si mesmo, enquanto «ser social». Todavia somente a fé lhe revela
plenamente a sua verdadeira identidade, e é dela precisamente que parte a
doutrina social da Igreja, que, recolhendo todos os contributos das ciências e
da filosofia, se propõe assistir o homem no caminho da salvação.
A Encíclica
Rerum novarum pode ser lida como um importante contributo à análise
sócio-económica do fim do século XIX, mas o seu valor particular deriva de ela
ser um Documento do Magistério que se insere perfeitamente na missão
evangelizadora da Igreja, conjuntamente com muitos outros Documentos desta
natureza. Daqui resulta que a doutrina social, por si mesma, tem o valor de um
instrumento de evangelização: enquanto tal, anuncia Deus e o mistério de
salvação em Cristo a cada homem e, pela mesma razão, revela o homem a si mesmo.
A esta luz, e somente nela, se ocupa do resto: dos direitos humanos de cada um
e, em particular, do «proletariado», da família e da educação, dos deveres do
Estado, do ordenamento da sociedade nacional e internacional, da vida
económica, da cultura, da guerra e da paz, do respeito pela vida desde o
momento da concepção até à morte.
55. A Igreja recebe o «sentido do homem» da
Revelação divina. «Para conhecer o homem, o homem verdadeiro, o homem integral,
é preciso conhecer Deus», dizia Paulo VI, citando imediatamente Santa Catarina
de Sena, que, em oração, exprimia a mesma doutrina: «Na tua natureza, Divindade
eterna, conhecerei a minha natureza» 110.
Portanto, a antropologia cristã é realmente
um capítulo da teologia e, pela mesma razão, a doutrina social da Igreja,
ocupando-se do homem, interessando-se por ele e pelo seu modo de se comportar
no mundo, «pertence (...) ao campo da teologia e especialmente da teologia
moral» 111. A dimensão teológica
revela-se necessária para interpretar e resolver os problemas actuais da
convivência humana. Isto é válido — tenha-se na devida conta — tanto no que se
refere à solução «ateia», que priva o homem de uma das suas componentes
fundamentais, a espiritual, quanto no que diz respeito às soluções permissivas
e consumistas, que buscam, sob vários pretextos, convencê-lo da sua
independência de toda a lei e de Deus, encerrando-o num egoísmo que acaba por
lesar a si e aos outros.
Quando a Igreja anuncia ao homem a salvação
de Deus, quando lhe oferece e comunica, através dos sacramentos, a vida divina,
quando orienta a sua vida segundo os mandamentos do amor a Deus e ao próximo,
contribui para a valorização da dignidade do homem. Mas como nunca poderá
abandonar esta sua missão religiosa e transcendente a favor do homem, eis
porque se empenha sempre com novas forças e novos métodos na evangelização que
promove o homem todo. Apesar de se dar conta de que a sua obra encontra hoje
particulares dificuldades e obstáculos, a Igreja, quase ao início do Terceiro
Milénio, permanece «sinal e salvaguarda do carácter transcendente da pessoa
humana» 112 como, aliás, sempre
procurou fazer, desde o princípio da sua existência, caminhando conjuntamente
com o homem, ao longo de toda a história. A Encíclica
Rerum novarum é disso uma expressão significativa.
56. Quero agradecer, no centenário desta
Encíclica, a todos os que se empenharam em estudar, aprofundar e divulgar a
doutrina social cristã. Para este fim, é indispensável a colaboração das
Igrejas locais e faço votos de que a ocorrência seja motivo de um novo estímulo
para o seu estudo, divulgação e aplicação nos múltiplos âmbitos da realidade.
Desejava, de modo particular, que ela fosse
dada a conhecer e posta em prática nos Países, onde, após a queda do socialismo
real, se revela uma grave desorientação na obra de reconstrução. Por sua vez os
Países ocidentais correm o perigo de verem, nesta derrocada, a vitória
unilateral do próprio sistema sócio-económico, sem se preocuparem, por isso, em
fazerem nele as devidas correcções. Depois os Países do Terceiro Mundo
encontram-se mais que nunca na dramática situação do subdesenvolvimento, que
cada dia se torna mais grave.
Leão XIII, depois de ter formulado os
princípios e as orientações para a solução da questão operária, escreveu esta
palavra decisiva: «Cada um realize a parte que lhe compete e não demore porque
o atraso poderia ainda tornar mais difícil a cura de um mal já tão grave»,
acrescentando ainda: «Quanto à Igreja, não deixará de modo nenhum faltar a sua
quota-parte» 113.
57. Para a Igreja, a mensagem social do
Evangelho não deve ser considerada uma teoria, mas sobretudo um fundamento e
uma motivação para a acção. Impelidos por esta mensagem, alguns dos primeiros
cristãos distribuíam os seus bens pelos pobres e davam testemunho de que era
possível uma convivência pacífica e solidária, apesar das diversas
proveniências sociais. Pela força do Evangelho, ao longo dos séculos, os monges
cultivaram as terras, os religiosos e as religiosas fundaram hospitais e asilos
para os pobres, as confrarias, bem como homens e mulheres de todas as condições
empenharam-se a favor dos pobres e dos marginalizados, convencidos de que as
palavras de Cristo: «Cada vez que fizestes estas coisas a um dos meus irmãos
mais pequeninos, a Mim o fizestes» (Mt 25, 40), não deviam
permanecer um piedoso desejo, mas tornar-se um compromisso concreto de vida.
A Igreja está consciente hoje mais que
nunca de que a sua mensagem social encontrará credibilidade primeiro no
testemunho das obras e só depois na sua coerência e lógica interna. Desta
convicção provém também a sua opção preferencial pelos pobres, que nunca será
exclusiva nem discriminatória relativamente aos outros grupos. Trata-se, de
facto, de uma opção que não se estende apenas à pobreza material, dado que se
encontram, especialmente na sociedade moderna, formas de pobreza não só
económica mas também cultural e religiosa. O amor da Igreja pelos pobres, que é
decisivo e pertence à sua constante tradição, impele-a a dirigir-se ao mundo no
qual, apesar do progresso técnico-económico, a pobreza ameaça assumir formas
gigantescas. Nos Países ocidentais, existe a variada pobreza dos grupos
marginalizados, dos anciãos e doentes, das vítimas do consumismo, e ainda de
tantos refugiados e emigrantes; nos Países em vias de desenvolvimento,
desenham-se no horizonte crises dramáticas se não forem tomadas medidas
internacionalmente coordenadas.
58. O amor ao homem — e em primeiro lugar
ao pobre, no qual a Igreja vê Cristo — concretiza-se na promoção da justiça.
Esta nunca se poderá realizar plenamente, se os homens não deixarem de ver no
necessitado, que pede ajuda para a sua vida, um importuno ou um fardo, para
reconhecerem nele a ocasião de um bem em si, a possibilidade de uma riqueza
maior. Só esta consciência dará a coragem para enfrentar o risco e a mudança
implícita em toda a tentativa de ir em socorro do outro homem. De facto, não se
trata apenas de «dar o supérfluo», mas de ajudar povos inteiros, que dele estão
excluídos ou marginalizados, a entrarem no círculo do desenvolvimento económico
e humano. Isto será possível não só fazendo uso do supérfluo, que o nosso mundo
produz em abundância, mas sobretudo alterando os estilos de vida, os modelos de
produção e de consumo, as estruturas consolidadas de poder, que hoje regem as
sociedades. Não se trata de destruir instrumentos de organização social que
deram boa prova de si, mas principalmente de os orientar segundo uma concepção
adequada do bem comum dirigido a toda a família humana. Hoje está-se a
verificar a denominada «mundialização da economia», fenómeno este que não deve
ser desprezado, porque pode criar ocasiões extraordinárias de maior bem-estar.
Mas é sentida uma necessidade cada vez maior de que a esta crescente
internacionalização da economia correspondam válidos organismos internacionais
de controlo e orientação que encaminhem a economia para o bem comum, já que
nenhum Estado por si só, ainda que fosse o mais poderoso da terra, seria capaz
de o fazer. Para poder conseguir tal resultado é necessário que cresça o
entendimento entre os grandes Países, e que nos organismos internacionais sejam
equitativamente representados os interesses da grande família humana. Mas
impõe-se também que, ao avaliarem as consequências das suas decisões, tenham em
devida conta aqueles povos e Países que têm escasso peso no mercado
internacional, mas em si concentram as necessidades mais graves e dolorosas, e
necessitam de maior apoio para o seu desenvolvimento. Sem dúvida, há ainda
muito a fazer neste campo.
59. Para se cumprir a justiça e serem bem-sucedidas
as tentativas dos homens para a realizar, é necessário o dom da graça que vem
de Deus. Por meio dela, em colaboração com a liberdade dos homens, obtém-se
aquela misteriosa presença de Deus na história que é a Providência.
A experiência da novidade vivida no
seguimento de Cristo requer a sua comunicação aos outros homens, nas situações
concretas das suas dificuldades, lutas, problemas e desafios, para que sejam
iluminadas e tornadas mais humanas à luz da fé. Esta não ajuda simplesmente a
encontrar soluções, mas torna humanamente aceitáveis inclusive as situações de
sofrimento, de modo que nelas o homem não se perca nem esqueça a sua dignidade
e vocação.
A doutrina social tem, além disso, uma
importante dimensão interdisciplinar. Para encarnar melhor nos diversos
contextos sociais, económicos e políticos em contínua mutação, essa doutrina
entra em diálogo com diversas disciplinas que se ocupam do homem, assumindo em
si os contributos que delas provêm, e ajudando-as, por sua vez, a abrir-se numa
dimensão mais ampla ao serviço de cada pessoa, conhecida e amada na plenitude
da sua vocação.
A par desta dimensão interdisciplinar,
aparece depois a dimensão prática e em certo sentido experimental desta
doutrina. De facto, ela situa-se no cruzamento da vida e da consciência cristã
com as situações do mundo e exprime-se nos esforços que indivíduos, famílias,
agentes culturais e sociais, políticos e homens de Estado realizam para lhe dar
forma e aplicação na história.
60. Ao anunciar os princípios para a
solução da questão operária, Leão XIII escrevia: «A solução de um problema tão
árduo requer o concurso e a cooperação eficaz de outros também» 114. Ele estava convencido que os graves
problemas, causados pela sociedade industrial, só podiam ser resolvidos pela
colaboração entre todas as forças intervenientes. Essa afirmação tornou-se um
elemento permanente da doutrina social da Igreja, e isto explica, entre outras
razões, porquê o Papa João XXIII dirigiu a sua Encíclica sobre a paz, também a
«todos os homens de boa vontade».
Todavia Leão XIII constatava com tristeza
que as ideologias do tempo, especialmente o liberalismo e o marxismo, recusavam
essa colaboração. Entretanto muitas coisas mudaram, especialmente nos últimos
anos. O mundo de hoje está sempre mais consciente de que a solução dos graves
problemas nacionais e internacionais não é apenas uma questão de produção
económica ou de uma organização jurídica ou social, mas requer valores
ético-religiosos específicos, bem como mudanças de mentalidade, de
comportamentos e de estruturas. A Igreja sente-se particularmente responsável
em oferecer este contributo e, como escrevi na Encíclica Sollicitudo rei
socialis, há fundada esperança de que mesmo o grupo numeroso dos que não
professam explicitamente uma religião possa contribuir para esse fundamento
ético necessário à questão social 115.
No mesmo Documento, dirigi precisamente um
apelo às Igrejas cristãs e a todas as grandes religiões do mundo, convidando-as
a dar um testemunho unânime das nossas convicções comuns sobre a dignidade do homem,
criado por Deus 116. De facto,
estou persuadido que as religiões têm hoje e continuarão a ter um papel
proeminente a desempenhar na conservação da paz e na construção de uma
sociedade digna do homem.
A disponibilidade para o diálogo e
colaboração vale, além disso, para todos os homens de boa vontade e, de modo
particular, para as pessoas e grupos com uma responsabilidade específica no
campo político, económico e social tanto a nível nacional como internacional.
61. No início da sociedade industrial, foi
«o jugo quase servil» que obrigou o meu predecessor a tomar a palavra em defesa
do homem. Nestes cem anos, a Igreja permaneceu fiel a esse empenho! De facto,
interveio nos anos turbulentos da luta de classes, a seguir à primeira guerra
mundial, para defender o homem da exploração económica e da tirania dos
sistemas totalitários. Colocou a dignidade de pessoa no centro das suas
mensagens sociais, após a segunda guerra mundial, insistindo sobre o destino
universal dos bens materiais, sobre uma ordem social sem opressão e fundada no
espírito de colaboração e solidariedade. Depois reiterou constantemente que a
pessoa e a sociedade não têm necessidade apenas destes bens, mas também de
valores espirituais e religiosos. Além disso, tendo verificado cada vez mais
como tantos homens vivem, não no bem-estar do mundo ocidental, mas na miséria
dos Países em vias de desenvolvimento e padecem uma condição que é ainda a do
«jugo quase servil», sentiu-se na obrigação de denunciar essa realidade clara e
francamente, embora sabendo que este seu grito não será sempre acolhido
favoravelmente por todos.
Cem anos depois da publicação da Rerum novarum, a Igreja encontra-se
ainda diante de «coisas novas» e de novos desafios. Por isso, este centenário
da Encíclica deve confirmar em sua tarefa todos os «homens de boa vontade», e
especialmente os crentes.
62. Esta minha Encíclica quis olhar ao
passado, mas ela está sobretudo lançada para o futuro. Como a Rerum novarum, ela coloca-se quase no
limiar do novo século e deseja, com a ajuda de Deus, preparar a sua vinda.
A verdadeira e perene «novidade das coisas»
em cada tempo provém do infinito poder divino, que diz: «Eis que eu faço novas
todas as coisas» (Ap 21, 5). Estas palavras referem-se à conclusão
da história quando Cristo «entregar o reino a Deus Pai (...) para que Deus seja
tudo em todos» (1 Cor 15, 24.28). Mas o cristão sabe que esta
novidade, cuja plenitude aguardamos com o Regresso do Senhor, está presente
desde a criação do mundo, e, mais precisamente, desde que Deus se fez homem em
Jesus Cristo, e com Ele e por Ele realizou uma «nova criação» (2 Cor 5, 17; Gal 6, 15).
Ao concluir, quero agradecer a Deus
omnipotente por ter dado à sua Igreja a luz e a força para acompanhar o homem
no seu caminho terreno para o destino eterno. A Igreja, também no Terceiro
Milénio, permanecerá fiel no assumir como próprio o caminho do homem, sabendo
que não caminha só, mas com Cristo, seu Senhor. Foi Ele que fez Seu o caminho
do homem, e o guia mesmo quando ele disso não se dá conta.
Maria, a Mãe do Redentor, que permaneceu ao
lado de Cristo, no seu caminho ao encontro dos homens e com os homens, e
precede a Igreja na peregrinação da fé, acompanhe, com Sua maternal
intercessão, a humanidade em direcção ao próximo Milénio, na fidelidade Àquele
que «ontem como hoje, é o mesmo e sê- -lo-á para sempre» (cf. Heb 13, 8),
Jesus Cristo, Nosso Senhor, em Nome do Qual a todos abençoo.
Dado em Roma,
junto de S. Pedro, na memória de S. José Operário, dia 1 de Maio do ano de
1991, décimo terceiro de pontificado.
Ioannes Paulus II
© Copyright 1991 - Libreria Editrice Vaticana
(Nota: Revisão da
tradução para português por ama)
____________________________
Notas:
(100) Cf. PIUS PP. XI, Litt. Enc.
Quadragesimo anno, I: l. mem., 184-186.
(101) Cf. Adhort. Apost. Familiaris
consortio (22 Novembris 1981), 45: AAS 74 (1982), 136s.
(102) Cf. Allocutio ad Unitarum
Nationum Consilium cui nomen «UNESCO» (2 Iunii 1980): AAS 72 (1980), 735-752.
(103) Cf. Litt. Enc. Redemptoris
missio, 39; 52: diurnarium «L'Osservatore Romano», 23 lanuarii 1991.
(104) Cf. BENEDICTUS PP. XV, Adhort.
Ubi primum (8 Septembris 1914): AAS 6 (1914), 501 s.; Pius PP. XI, Nuntius
radiophonicus universis fidelibus catholicis totique orbi (29 Septembris 1938):
AAS 30 (1938), 309 s.; Pius PP. XII, Nuntius radiophonicus toti orbi (24
Augusti 1939): AAS 31 (1939), 333-335; IOANNES PP. XXIII, Litt. Enc. Pacem in
terris, III: l. mem., 285-289; PAULUS PP. VI, Allocutio ad Nationnum Unitarum
Coetum (4 Octobris 1965): AAS 57 (1965), 877-885.
(105) Cf. PAULUS PP. VI, Litt. Enc.
Populorunt progressio, 76-77: l. mem., 294 s.
(106) Cf. Adhort. Apost. Farniliaris
consortio, 48: l. mem., 139 s.
(107) Litt. Enc. Rerum novarum: l.
mem., 107.
(108) Cf. Litt. Enc. Redemptor hominis,
13: l. mem., 283.
(109) Ibid., 14: l. mem., 284 s.
(110) PAULUS PP. VI, Homilia habita in
ultima publica Sessione Concilii Oecumenici Vaticani II (7 Decembris 1965): AAS
58 (1966), 58.
(111) Litt. Enc. Sollicitudo rei
socialis, 41: l. mem., 571.
(112) CONC. OEC. VAT. II, Const. past.
Gaudium et spes de Ecclesia in mundo huius teruporis, 76; cf. IOANNES PAULUS
PP. II, Lltt. Enc. Redemptor hominis, 13: l. mem., 283.
(113) Litt. Enc. Rerum novarum: l.
mem., 143.
(114) Ibid.: l. mem., 107.
(115) Cf. Litt. Enc. Sollicitudo rei socialis,
38: l. mem., 564-566.
(116) Cf. Ibid., 47: l. mem., 582.
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