Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
Para ver, clicar SFF.
Evangelho: Mt 12, 22-50
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Evangelho: Mt 12, 22-50
22 Então trouxeram-Lhe um endemoninhado, cego e
mudo, e Ele curou-o, de modo que falava e via. 23 E as multidões
ficaram admiradas e diziam: «Não será este o Filho de David?». 24
Mas os fariseus, ouvindo isto, disseram: «Este não expulsa os demónios senão
por virtude de Belzebu, príncipe dos demónios». 25 Porém, Jesus,
conhecendo os pensamentos deles, disse-lhes: «Todo o reino dividido contra si
mesmo será destruído; e toda a cidade ou família dividida contra si mesma não
subsistirá. 26 Ora, se Satanás expulsa a Satanás, está dividido contra
si mesmo; como subsistirá, então, o seu reino? 27 E se Eu expulso os
demónios por virtude de Belzebu, por virtude de quem os expulsam os vossos
filhos? Por isso é que eles serão os vossos juízes. 28 Se Eu, porém,
expulso os demónios pela virtude do Espírito de Deus, chegou a vós o reino de
Deus. 29 Como pode alguém entrar na casa de um valente, e saquear os
seus móveis, se antes não prender o valente? Só então lhe poderá saquear a
casa. 30 Quem não é comigo é contra Mim; e quem não junta comigo,
desperdiça. 31 «Por isso vos digo: Todo o pecado e blasfémia será
perdoado aos homens, mas a blasfémia contra o Espírito Santo não será perdoada.
32 Todo aquele que disser alguma palavra contra o Filho do Homem,
ser-lhe-á perdoado; porém, o que a disser contra o Espírito Santo, não se lhe
perdoará, nem neste mundo nem no futuro. 33 Ou dizeis que a árvore é
boa e o seu fruto bom, ou dizeis que a árvore é má e o seu fruto mau, porque
pelo fruto se conhece a árvore. 34 Raça de víboras, como podeis
dizer coisas boas, vós que sois maus? Porque a boca fala da abundância do
coração. 35 O homem bom tira boas coisas do seu bom tesouro, e o
homem mau tira coisas más do seu mau tesouro. 36 Ora Eu digo-vos que
de qualquer palavra inútil que tiverem proferido os homens, darão conta dela no
dia do juízo. 37 Porque pelas suas palavras será justificado ou condenado».
38 Então replicaram-Lhe alguns dos escribas e fariseus, dizendo:
«Mestre, nós desejávamos ver algum prodígio Teu». 39 Ele
respondeu-lhes: «Esta geração má e adúltera pede um prodígio, mas não lhe será
dado outro prodígio senão o prodígio do profeta Jonas. 40 Porque,
assim como Jonas esteve no ventre da baleia três dias e três noites, assim
estará o Filho do Homem três dias e três noites no seio da terra. 41
Os habitantes de Nínive se levantarão no dia do juízo contra esta geração, e a
condenarão, porque se converteram com a pregação de Jonas. Ora aqui está Quem é
mais do que Jonas. 42 A rainha do Meio-Dia levantar-se-á no dia do
juízo contra esta geração e a condenará, porque veio dos confins da terra para
ouvir a sabedoria de Salomão. Ora aqui está Quem é mais do que Salomão. 43
«Quando o espírito imundo saiu de um homem, anda errando por lugares áridos, à
busca de repouso, e não o encontra. 44 Então diz: Voltarei para minha
casa, donde saí. E, quando vem, a encontra desocupada, varrida e adornada. 45
Então vai e toma consigo outros sete espíritos piores do que ele e, entrando,
habitam ali; e o último estado daquele homem torna-se pior que o primeiro.
Assim também acontecerá a esta geração perversa». 46 Estando Ele
ainda a falar ao povo, eis que Sua mãe e Seus irmãos se achavam fora, desejando
falar-Lhe. 47 Alguém disse-Lhe: «Tua mãe e Teus irmãos estão ali
fora e desejam falar-Te». 48 Ele, porém, respondeu ao que falava: «Quem
é a Minha mãe e quem são os Meus irmãos?» 49 E, estendendo a mão
para os Seus discípulos, disse: «Eis Minha mãe e Meus irmãos.50
Porque todo aquele que fizer a vontade de Meu Pai que está nos céus, esse é Meu
irmão e Minha irmã e Minha mãe».
Ioannes Paulus PP.
II
Centesimus annus
aos veneráveis
Irmãos no Episcopado
ao Clero
às Familías
religiosas
aos Fiéis da Igreia
Católica
e a todos os Homens
de Boa Vontade
no centenário da
Rerum
Novarum
1991.05.01
Bênção
Veneráveis Irmãos, caríssimos Filhos e
Filhas, saúde e Bênção Apostólica!
INTRODUÇÃO
1. O CENTENÁRIO da promulgação da Encíclica
do meu predecessor Leão XIII de veneranda memória, que inicia com as palavras Rerum novarum 1, assinala uma data de importância
relevante na história presente da Igreja e também no meu pontificado. De facto,
aquela teve o singular privilégio de ser comemorada por documentos solenes dos
Sumos-Pontífices, desde o seu quadragésimo aniversário até ao nonagésimo.
Podemos assim dizer que o seu trajecto histórico foi ritmado por outros
escritos, que simultâneamente a reevocavam e actualizavam 2.
Ao propor-me fazer o mesmo no seu
centenário, solicitado por numerosos Bispos, instituições eclesiais, centros de
estudos, empresários e trabalhadores, tanto a título individual como na
qualidade de membros de diversas associações, desejo antes de mais satisfazer o
débito de gratidão que a Igreja inteira tem para com o grande Papa Leão XIII e
o seu «imortal Documento» 3.
Quero também mostrar que a seiva abundante, que sobe daquela raiz, não secou
com o passar dos anos, pelo contrário tornou-se mais fecunda. Disso mesmo são
testemunho as iniciativas de vário género que precederam, acompanham e seguirão
esta celebração, iniciativas promovidas pelas Conferências episcopais, por
Organismos internacionais, por Universidades e Institutos académicos, por
Associações profissionais e por outras instituições e pessoas, em muitas partes
do mundo.
2. A presente Encíclica participa nestas
celebrações, para agradecer a Deus, do Qual «provém toda a boa dádiva e todo o
dom perfeito» (Tg 1, 17), que quis servir-Se de um documento emanado
há cem anos da Cátedra de Pedro, para operar na Igreja e no mundo imenso bem e
difundir tanta luz. A comemoração, aqui feita, refere-se à Encíclica leonina,
mas engloba depois também as Encíclicas e outros escritos dos meus
predecessores, que contribuíram para a tornar presente e operante ao longo do
tempo, constituindo aquela que seria chamada «doutrina social», «ensino
social», ou ainda «Magistério social» da Igreja.
À validade de tal ensinamento se referem já
duas Encíclicas que publiquei nos anos do meu pontificado: a Laborem exercens
acerca do trabalho humano, e a Sollicitudo
rei socialis sobre os actuais problemas do desenvolvimento dos homens e dos
povos 4.
3. Desejo agora propor uma «releitura» da
Encíclica leonina, convidando a «olhar para trás», ao próprio texto, para
descobrir de novo a riqueza dos princípios fundamentais, nela formulados, sobre
a solução da questão operária. Mas convido também a «olhar ao redor», às
«coisas novas», que nos circundam e em que nos encontramos como que imersos,
frequentemente muito diversas das «coisas novas» que caracterizaram o último
decénio do século passado. Enfim, convido a «olhar ao futuro», quando já se
entrevê o terceiro Milénio da era cristã, carregado de incógnitas, mas também
de promessas. Incógnitas e promessas que apelam à nossa imaginação e
criatividade, estimulando também a nossa responsabilidade, como discípulos do
«único Mestre», Cristo (cf. Mt 23, 8), de indicar o «caminho»,
proclamar a «verdade» e comunicar «a vida» que é Ele próprio (cf. Jo 14,
6).
Procedendo deste modo, será confirmado não
só o valor permanente do seu ensinamento, mas manifestar-se-á também o verdadeiro
sentido da Tradição da Igreja, que, sempre viva e vivificante, constrói sobre o
fundamento posto pelos nossos pais na fé e, designadamente, sobre o que «os
Apóstolos transmitiram à Igreja» 5
em nome de Jesus Cristo, o fundamento «que ninguém pode substituir» (1 Cor
3, 11).
Foi movido pela consciência da sua missão
de sucessor de Pedro que Leão XIII se propôs falar, e a mesma consciência anima
hoje o seu sucessor. Como ele, e os Pontífices anteriores e posteriores, me
inspiro na imagem evangélica do «escriba instruído nas coisas do Reino dos
Céus», do qual o Senhor diz que «é semelhante a um pai de família, que do seu
tesouro tira coisas novas e antigas» (Mt 13, 52). O tesouro é a
grande corrente da Tradição da Igreja, que contém as «coisas antigas», desde
sempre recebidas e transmitidas, e que permite ler as «coisas novas», no meio
das quais transcorre a vida da Igreja e do mundo.
Entre essas coisas que, incorporando-se na
Tradição, se tornam antigas e oferecem ocasião e material para o seu enriquecimento
e para uma maior valorização da vida de fé, conta-se também a actividade
fecunda de milhões e milhões de homens que, estimulados pelo ensinamento do
Magistério social, procuraram inspirar-se nele para o próprio compromisso no
mundo. Actuando individualmente ou inseridos em grupos, associações e
organizações, constituíram como que um grande movimento empenhado na defesa da
pessoa humana e na tutela da sua dignidade, o que tem contribuído para
construir, nas diversas vicissitudes da história, uma sociedade mais justa, ou
pelo menos a colocar barreiras e limites à injustiça.
A presente Encíclica visa pôr em evidência
a fecundidade dos princípios expressos por Leão XIII, que pertencem ao
património doutrinal da Igreja, e, como tais, empenham a autoridade do seu
Magistério. Mas a solicitude pastoral levou-me também a propor a análise de
alguns acontecimentos da história recente. É supérfluo dizer que a atenta
consideração do evoluir dos acontecimentos, para discernir as novas exigências
da evangelização, faz parte da tarefa dos pastores. Tal exame, no entanto, não
pretende dar juízos definitivos, não fazendo parte, por si, do âmbito
específico do Magistério.
I.
TRAÇOS CARACTERÍSTICOS DA "RERUM
NOVARUM"
4. No final do século passado, a Igreja
encontrou- -se diante de um processo histórico, em movimento já há algum tempo,
mas que então atingia um ponto nevrálgico. Factor determinante desse processo
foi um conjunto de mudanças radicais verificadas no campo político, económico e
social, no âmbito científico e técnico, além da influência multiforme das
ideologias predominantes. Resultado destas alterações foi, no campo político,
uma nova concepção da sociedade e do Estado e, consequentemente, da autoridade.
Uma sociedade tradicional se dissolvia, e começava-se a formar uma outra, cheia
da esperança de novas liberdades, mas também dos perigos de novas formas de
injustiça e escravidão.
No campo económico, para onde confluíam as
descobertas e as aplicações das ciências, chegara-se progressivamente a novas
estruturas na produção dos bens de consumo. Surgira uma nova forma de
propriedade, o capital, e uma nova forma de trabalho, o assalariado,
caracterizado por pesados ritmos de produção, sem horário nem qualquer atenção
ao sexo, idade ou situação familiar, mas determinado apenas pela eficiência, na
perspectiva do incremento do lucro.
O trabalho tornava-se assim uma mercadoria,
que podia ser livremente comprada e vendida no mercado, e cujo preço era
determinado pela lei da procura e da oferta, sem olhar ao mínimo necessário
para o sustento vital da pessoa e sua família. E a maior parte das vezes o
trabalhador nem sequer estava seguro de conseguir vender desse modo a «própria
mercadoria», vendo-se continuamente ameaçado pelo desemprego, o que
significava, na ausência de qualquer forma de previdência social, o espectro da
morte pela fome.
Consequência desta transformação era «a
divisão da sociedade em duas classes, separadas por um abismo profundo» 6: esta situação estava entrelaçada com uma
acentuada alteração de ordem política. De facto, a teoria política então
predominante procurava promover, com leis apropriadas ou, pelo contrário, com
voluntária abstenção de qualquer intervenção, a total liberdade económica. Ao
mesmo tempo, começava a surgir, de forma organizada e tantas vezes violenta,
uma outra concepção da propriedade e da vida económica, que implicava uma nova
organização política e social.
No momento culminante desta contraposição,
quando aparecia já em plena luz a gravíssima injustiça da realidade social, presente
em muitas situações, e o perigo de uma revolução alimentada pelas concepções
então denominadas «socialistas», Leão XIII intervém com um Documento, que
afrontava de maneira orgânica a «questão operária». A Encíclica fora precedida
por algumas, mais dedicadas a ensinamentos de carácter político, e outras a
seguirão mais tarde 7. Neste
contexto, deve-se lembrar particularmente a Encíclica
Libertas praestantissimum, onde Leão XIII fazia ressaltar o vínculo
constitutivo da liberdade humana com a verdade, de tal modo que uma liberdade
que por si própria recusasse vincular-se à verdade, degeneraria em arbítrio e
acabaria por submeter-se às paixões mais vis, e por se autodestruir. Com
efeito, de que derivam todos os males contra os quais a Rerum novarum quis reagir, senão de uma liberdade que, no campo da
actividade económica e social, se separa inteiramente da verdade do homem?
O Pontífice inspirava-se, além disso, no
ensino dos predecessores, bem como nos muitos Documentos episcopais, nos
estudos científicos de leigos, na acção de movimentos e associações católicas e
em tantas iniciativas realizadas no campo social, que marcaram a vida da
Igreja, na segunda metade do século XIX.
5. As «coisas novas» a que o Papa se
referia, estavam longe de ser positivas. O primeiro parágrafo da Encíclica
descreve as «coisas novas», que lhe deram o nome, com traços fortes: «Dado que
uma ânsia ardente de coisas novas já há tempos agitava os Estados,
seguir-se-lhe-ia como consequência que os desejos de mudança acabariam por se
transferir do campo político para o sector conexo da economia. De facto, os
progressos incessantes da indústria, os novos caminhos abertos ao emprego, as
diversas relações entre patrões e operários; o acumular da riqueza nas mãos de
poucos, ao lado da miséria de muitos; a maior consciência que os trabalhadores
adquiriram de si mesmos e, por conseguinte, uma maior união entre eles, e além
disso a decadência dos costumes, todas estas coisas fizeram deflagrar um
conflito» 8.
O Papa, e com ele a Igreja, bem como a
comunidade civil, encontram-se frente a uma sociedade dividida por um conflito,
tanto mais duro e desumano por não conhecer regra nem directriz. Foi
precisamente sobre o conflito entre o capital e o trabalho, ou — como o chamava
a Encíclica — a questão operária, nos termos gravíssimos que então se revelava,
que o Papa não hesitou em dizer a sua palavra.
Aparece aqui a primeira reflexão, que a
Encíclica sugere para o tempo presente. Em face de um conflito que opunha,
quase como «lobos», o homem ao próprio homem, exactamente no plano da
sobrevivência vital de uns e da opulência dos outros, o Papa não duvidou ser
seu dever intervir, em virtude do seu «ministério apostólico» 9, ou seja, da missão recebida do próprio
Jesus Cristo de «apascentar os cordeiros e as ovelhas» (cf. Jo 21, 15-17)
e de «ligar e desligar na terra» para o Reino dos Céus (cf. Mt 16, 19).
A sua intenção era com certeza restabelecer a paz, e o leitor contemporâneo não
pode deixar de notar a severa condenação da luta de classes, que ele proferia
sem meios-termos 10. Porém,
estava bem consciente do facto de que a paz se edifica sobre o fundamento da
justiça: o conteúdo essencial da Encíclica foi precisamente a proclamação das
condições fundamentais da justiça na conjuntura económica e social de então 11.
Deste modo Leão XIII, no rasto dos
predecessores, estabelecia um paradigma permanente para a Igreja. Esta, com
efeito, tem a sua palavra a dizer perante determinadas situações humanas,
individuais e comunitárias, nacionais e internacionais, para as quais formula
uma verdadeira doutrina, um corpus, que lhe permite analisar as realidades
sociais, pronunciar-se sobre elas e indicar directrizes para a justa solução
dos problemas que daí derivam.
No tempo de Leão XIII, semelhante concepção
do direito-dever da Igreja estava muito longe de ser comummente aceite.
Prevalecia, de facto, uma dupla tendência: uma orientada para este mundo e esta
vida, à qual a fé devia permanecer estranha; e outra dedicada a uma salvação
puramente ultraterrena, que todavia não iluminava nem orientava a presença
sobre a terra. A própria atitude do Papa de publicar a Rerum novarum conferiu à Igreja quase um «estatuto de cidadania» no
meio das variáveis realidades da vida pública, e isto confirmar-se-ia ainda
mais em seguida. Efectivamente, para a Igreja, ensinar e difundir a doutrina
social pertence à sua missão evangelizadora e faz parte essencial da mensagem
cristã, porque essa doutrina propõe as suas consequências directas na vida da
sociedade e enquadra o trabalho diário e as lutas pela justiça no testemunho de
Cristo Salvador. Ela constitui, além disso, uma fonte de unidade e de paz, em
face dos conflitos que inevitavelmente se levantam no sector económico-social.
Torna-se possível desse modo viver as novas situações sem envilecer a dignidade
transcendente da pessoa humana, nem em si próprio nem nos adversários, e
encaminhá-las para uma recta solução.
Ora, a validade de tal orientação
oferece-me, à distância de cem anos, a oportunidade de dar um contributo para a
elaboração da «doutrina social cristã». A «nova evangelização», da qual o mundo
moderno tem urgente necessidade, e sobre a qual várias vezes insisti, deve
incluir entre as suas componentes essenciais o anúncio da doutrina social da
Igreja, tão idónea hoje como no tempo de Leão XIII para indicar o recto caminho
de resposta aos grandes desafios da idade contemporânea, enquanto cresce o
descrédito das ideologias. Como então, é preciso repetir que não existe
verdadeira solução para a «questão social» fora do Evangelho e que, por outro
lado, as «coisas novas» podem encontrar neste o seu espaço de verdade e a
devida avaliação moral.
6. Propondo-se projectar luz sobre o
conflito que se estava a adensar entre capital e trabalho, Leão XIII afirmava
os direitos fundamentais dos trabalhadores. Por isso, a chave de leitura do
texto leonino é a dignidade do trabalhador em quanto tal e, por isso mesmo, a
dignidade do trabalho, que aparece definido como «a actividade humana destinada
a prover às necessidades da vida, e especialmente à sua conservação» 12. O Pontífice qualifica o trabalho como
«pessoal», já que «a força activa é inerente à pessoa, totalmente pertencente a
quem a exercita, e foi-lhe dada para seu proveito» 13. O trabalho pertence assim à vocação de cada pessoa; mais,
o homem exprime-se e realiza-se na sua actividade laboral. Simultaneamente o
trabalho tem uma dimensão social, pela sua íntima relação quer com a família,
quer com o bem comum, «porque pode-se afirmar de verdade que o trabalho dos
operários é o que produz as riquezas dos Estados» 14.
Isto mesmo retomei e desenvolvi na Encíclica
Laborem exercens 15.
Um outro princípio relevante, é, sem
dúvida, o do direito à «propriedade privada» 16.
O próprio espaço, que lhe dedica a Encíclica, revela a importância que lhe
atribui. O Papa está bem consciente do facto de que a propriedade privada não é
um valor absoluto, nem deixa de proclamar os princípios complementares, como o
do destino universal dos bens da terra 17.
Por outro lado, é certo também que o tipo
de propriedade privada, que ele principalmente considera, é o da posse da terra
18. Todavia isso não impede que
as razões aduzidas para tutelar a propriedade privada, ou seja, para afirmar o
direito a possuir as coisas necessárias para o desenvolvimento pessoal e da
própria família — nas diversas formas concretas que este direito possa assumir
— conservem hoje o seu valor. Isto deve ser novamente afirmado quer perante as
mudanças, de que hoje somos testemunhas, verificadas nos sistemas onde imperava
a propriedade colectiva dos meios de produção, quer defronte aos crescentes
fenómenos de pobreza ou, mais exactamente, às privações da propriedade privada,
que se apresentam aos nossos olhos em muitas partes do mundo, inclusive
naquelas onde predominam os sistemas cujo fulcro é precisamente a afirmação do
direito de propriedade privada. Na sequência dessas alterações e da
persistência da pobreza, torna-se necessária uma análise mais profunda do problema,
que será desenvolvida mais adiante.
7. Em estreita relação com o tema do
direito de propriedade a Encíclica de Leão XIII afirma de igual modo outros
direitos, como próprios e inalienáveis da pessoa humana. Entre eles, é
proeminente, pelo espaço que lhe dedica e a importância que lhe atribui, o
«direito natural do homem» a formar associações privadas; o que, significa
primariamente o direito de criar associações profissionais de empresários e
operários, ou apenas de operários 19.
Daqui a razão pela qual a Igreja defende e aprova a criação daquilo que agora
designamos por sindicatos, não certamente por preconceitos ideológicos nem por
cedência a uma mentalidade de classe, mas porque o associar-se é um «direito
natural» do ser humano e, portanto, anterior à sua integração na sociedade
política. De facto, «o Estado não pode proibir a sua formação», porque ele
«deve tutelar os direitos naturais, não destruí-los. Impedindo tais
associações, ele contradiz-se a si mesmo» 20.
Em conjunto com este direito, que o Papa —
é justo sublinhá-lo — reconhece explicitamente aos operários, ou, segundo a sua
linguagem, aos «proletários», são afirmados com igual clareza os direitos à
«limitação das horas de trabalho», ao legítimo repouso, e a um tratamento
diverso aos menores e às mulheres 21
no que se refere ao tipo e duração do trabalho.
Se se tem presente o que a história diz
acerca dos processos consentidos, ou pelo menos não excluídos legalmente, em
ordem à contratação, sem qualquer garantia quanto às horas de trabalho, nem
quanto às condições higiénicas do ambiente, e ainda sem atender à idade e ao
sexo dos candidatos ao emprego, é bem compreensível a severa afirmação do Papa.
«Não é justo nem humano — escreve ele — exigir do homem um trabalho tal que,
devido à exagerada fadiga, lhe faça brutalizar a mente e debilitar o corpo». E
pormenorizando no que se refere ao contrato, que devia fazer entrar em vigor
tais «relações de trabalho», afirma: «em toda a convenção estipulada entre
patrões e operários, exista sempre a condição expressa ou subentendida» que
preveja convenientemente o repouso proporcional «à soma das energias
despendidas no trabalho»; depois conclui: «um pacto contrário seria imoral» 22.
(Nota: Revisão da
tradução para português por ama)
____________________________
Notas:
(1) Leo PP. XIII, Litt. Enc. Rerum
novarum (15 Maii 1891): Leonis XIII P. M. Acta, XI, Romae 1892, 97-144.
(2) Pius PP. XI, Litt. Enc.
Quadragesimo anno (15 Maii 1931): AAS 23 (1931), 177-228; Pius PP. XII, Nuntius
radiophonicus die 1 Iunii 1941 datus: AAS 33 (1941), 195-205; IOANNES PP.
XXIII, Litt. Enc. Mater et Magistra (15 Maii 1961): AAS 53 (1961), 401-464;
PAULUS PP. VI, Ep. Apost. Octogesima adveniens (14 Maii 1971): AAS 63 (1971),
401-441.
(3) Cf. Plus PP. XI, Litt. Enc.
Quadragesimo anno, III: i. mem., 228.
(4) Litt. Enc. Laborem exercens (14
Septembris 1981): AAS 73 (1981), 577-647; Litt. Enc. Sollicitudo rei socialis
(30 Decembris 1987): AAS 80 (1988), 513-586.
(5) Cf. S. IRENAEUS, Adversus haereses,
1, 10, 1; 3, 4, 1: PG 7, 549 s. ; 855 s. ; S. Ch. 264, 154 s. ; 211, 44-46.
(6) LEO PP. XIII, Litt. Enc. Rerum
novarum: 1. mem., 132.
(7) Cf. ex. gr., LEO PP. XIII, Ep. Enc.
Arcanum divinae sapientiae (10 Februarii 1880): Leonis XIII P. M. Acta, II,
Romae 1882, 10-40; Ep. Enc. Diuturnum illud (29 Iunii 1881): Leonis XIII P. M.
Acta, II, Romae 1882, 269-287; Litt. Enc. Libertas praestantissimum (20 Iunii
1888): Leonis XIII P. M. Acta, VIII, Romae 1889, 212-246; Ep. Enc. Graves de
communi (18 Ianuarii 1901): Leonis XIII P. M. Acta, XXI, Romae 1902, 3-20.
(8) Litt. Enc. Rerum novarum: l. mem.,
97.
(9) Ibid.: l. mem., 98.
(10) Cf. Ibid.: l. mem., 109 s.
(11) Cf. Ibid.: descriptio condicionum
laboris; opificum consociationes Christianae religioni non consentaneae : l.
mem., 110 s. ; 136 s.
(12) Ibid.: l. mem., 130; cf. 114 s.
(13) Ibid.: l. mem., 130.
(14) Ibid., 27: l. mem., 123.
(15) Cf. Litt. Enc. Laborem exercens,
1, 2, 6: l. mem., 578-583; 589-592.
(16) Cf. Litt. Enc. Rerum novarum: l.
mem., 99-107.
(17) Cf. Ibid.: l. mem., 102 s.
(18) Cf. Ibid.: l. mem., 101-104.
(19) Cf. Ibid.: l. mem., 134 s., 137 s.
(20) Ibid.: l. mem., 135.
(21) Cf. Ibid.: l. mem., 128-129.
(22) Cf. Litt. Enc. Rerum novarum: l.
mem., 129.
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