Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
Para ver, clicar SFF.
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Evangelho: Mt 12, 9-21
9 Partindo
dali, foi à sinagoga deles, 10 onde se encontrava um homem que tinha
atrofiada uma das mãos; e, eles, para terem de que O acusar, perguntaram-Lhe:
«É permitido curar aos sábados?». 11 Ele respondeu-lhes: «Que homem
haverá entre vós que, tendo uma ovelha, se esta cair no dia de sábado a uma
cova, não a agarre, e não a tire de lá? 12 Ora quanto mais vale um
homem do que uma ovelha? Logo, é permitido fazer bem no dia de sábado». 13 Então disse ao homem: «Estende a tua mão». Ele estendeu-a, e ela
tornou-se sã como a outra. 14 Os fariseus, saindo dali, tiveram
conselho contra Ele sobre o modo de O levarem à morte. 15 Jesus,
sabendo isto, retirou-Se daquele lugar. Muitos seguiram-n'O, e curou-os a
todos. 16 Ordenou-lhes que não O descobrissem, 17 para
que se cumprisse o que tinha sido anunciado pelo profeta Isaías: 18
“Eis o Meu servo, que Eu escolhi, o Meu amado, em Quem a Minha alma pôs as suas
complacências. Farei repousar sobre Ele o Meu Espírito, e Ele anunciará a
justiça às nações. 19 Não discutirá, nem clamará, nem ouvirá
alguém a Sua voz nas praças; 20 não quebrará a cana rachada, nem
apagará a torcida que fumega, até que faça triunfar a justiça; 21 e
as nações esperarão no Seu nome”.
Ioannes Paulus PP. II
Veritatis splendor
a todos os Bispos
da Igreja Católica
sobre algumas questões fundamentais
do Ensinamento Moral da Igreja
/…11
Graça e obediência à lei de Deus
102.
Mesmo nas situações mais difíceis, o homem deve observar a norma moral para ser
obediente ao santo mandamento de Deus e coerente com a própria dignidade
pessoal. Certamente a harmonia entre liberdade e verdade pede, por vezes,
sacrifícios extraordinários, sendo conquistada por alto preço: pode comportar
inclusive o martírio. Mas, como demonstra a experiência universal e quotidiana,
o homem sente-se tentado a romper essa harmonia: «Não faço aquilo que quero,
mas sim aquilo que aborreço (...) O bem que eu quero não o faço, mas o mal que
não quero» (Rm 7, 15. 19).
Mas
donde provém, em última análise, esta cisão interior do homem? Este começa a
sua história de pecado, quando deixa de reconhecer o Senhor como seu Criador e
quer ser ele mesmo a decidir, com total independência, o que é bem e o que é
mal. «Sereis como Deus, e ficareis a conhecer o bem e o mal» (Gn 3, 5):
esta é a primeira tentação, e dela fazem eco todas as outras tentações, às
quais o homem está mais facilmente inclinado a ceder por causa das feridas da
queda original.
Mas
as tentações podem ser vencidas, os pecados podem ser evitados, porque, com os
mandamentos, o Senhor nos dá a possibilidade de observá-los: «Os olhos do
Senhor estão sobre os que O temem, Ele conhece as acções de cada um. Ele a
ninguém deu ordem para fazer o mal e a ninguém deu permissão de pecar (Sir
15, 19-20). A observância da lei de Deus, em determinadas situações, pode
ser difícil, até dificílima: nunca, porém, impossível. Este é um ensinamento
constante da tradição da Igreja, assim expresso pelo Concílio de Trento:
«Ninguém pois, mesmo justificado, se deve considerar livre da observância dos
mandamentos; ninguém se deve apropriar daquela expressão temerária e já
condenada com a excomunhão pelos Padres, segundo a qual é impossível ao homem
justificado observar os mandamentos de Deus. De facto, Deus não manda coisas
impossíveis, mas ao ordená-las exorta-te a fazeres tudo o que podes, e a
pedires o que não podes, ajudando-te para que possas; com efeito, "os
mandamentos de Deus não são pesados" (cf. 1 Jo 5, 3) e "o
Seu jugo é suave e o Seu fardo leve" (cf. Mt 11, 30)». 162
103.
Ao homem, permanece sempre aberto o horizonte espiritual da esperança, com a
ajuda da graça divina e com a colaboração da liberdade humana.
É
na Cruz salvadora de Jesus, no dom do Espírito Santo, nos Sacramentos que
promanam do lado trespassado do Redentor (cf. Jo 19, 34), que o
crente encontra a graça e a força para observar sempre a lei santa de Deus,
inclusive no meio das mais graves dificuldades. Como diz S. André de Creta, a
própria lei «foi animada pela graça e posta ao serviço desta numa combinação
harmónica e fecunda. Cada uma delas conservou as suas características sem
alteração nem confusão. Mas a lei, que antes constituía um ónus gravoso e uma
tirania, tornou-se, por obra de Deus, peso suave e fonte de liberdade».163
Só
no mistério da Redenção de Cristo se encontram as «concretas» possibilidades do
homem. «Seria um erro gravíssimo concluir (...) que a norma ensinada pela
Igreja é em si própria apenas um "ideal" que deve posteriormente ser
adaptado, proporcionado, graduado — dizem — às concretas possibilidades do
homem: segundo um "cálculo dos vários bens em questão". Mas, quais
são as "concretas possibilidades do homem"? E de que homem se fala?
Do homem dominado pela concupiscência ou do homem redimido por Cristo? Pois é
disso que se trata: da realidade da redenção de Cristo. Cristo redimiu-nos! O
que significa que Ele nos deu a possibilidade de realizar toda a verdade do
nosso ser; Ele libertou a nossa liberdade do domínio da concupiscência. E se o
homem redimido ainda peca, não é devido à imperfeição do acto redentor de
Cristo, mas à vontade do homem de furtar-se à graça que brota daquele acto. O
mandamento de Deus é certamente proporcionado às capacidades do homem: mas às
capacidades do homem a quem foi dado o Espírito Santo; do homem que, no caso de
cair no pecado, sempre pode obter o perdão e gozar da presença do Espírito».164
104.
Neste contexto, abre-se o justo espaço à misericórdia de Deus pelo pecado do
homem que se converte, e à compreensão pela fraqueza humana. Esta compreensão
não significa nunca comprometer e falsificar a medida do bem e do mal, para
adaptá-la às circunstâncias. Se é humano que a pessoa, tendo pecado, reconheça
a sua fraqueza e peça misericórdia pela própria culpa, é inaceitável, pelo
contrário, o comportamento de quem faz da própria fraqueza o critério da verdade
do bem, de modo a poder-se sentir justificado por si só, mesmo sem necessidade
de recorrer a Deus e à Sua misericórdia. Semelhante atitude corrompe a
moralidade da sociedade inteira, porque ensina a duvidar da objectividade da
lei moral em geral e a rejeitar o carácter absoluto das proibições morais
acerca de determinados actos humanos, acabando por confundir todos os juízos de
valor.
Devemos,
ao invés, acolher a mensagem que nos vem da parábola evangélica do fariseu e do
publicano (cf. Lc 18, 9-14). Talvez o publicano pudesse ter alguma
justificação para os pecados cometidos, de modo a diminuir a sua
responsabilidade. Porém, não é sobre estas justificações que se detém a sua
oração, mas sobre a própria indignidade face à infinita santidade de Deus: «Ó
Deus, tem piedade de mim, que sou pecador» (Lc 18, 13). O fariseu,
pelo contrário, justifica-se por si só, encontrando talvez uma desculpa para
cada uma das suas faltas. Defrontamo-nos, assim, com dois comportamentos
diversos da consciência moral do homem de todos os tempos. O publicano
apresenta-nos uma consciência «penitente», que está plenamente ciente da fragilidade
da própria natureza e vê nas próprias faltas, independentemente das
justificações subjectivas, uma confirmação do próprio ser necessitado de
redenção. O fariseu mostra-nos uma consciência «satisfeita consigo própria»,
que se ilude de poder observar a lei sem a ajuda da graça e está convencida de
não ter necessidade da misericórdia.
105.
A todos é pedida uma grande vigilância para não se deixar contagiar pela
atitude farisaica que pretende eliminar a consciência da própria limitação e do
próprio pecado, e que hoje se exprime particularmente na tentativa de adaptar a
norma moral às próprias capacidades e interesses, e até na rejeição do conceito
mesmo de norma. Pelo contrário, aceitar a «desproporção» entre a lei e a
capacidade humana, ou seja, a capacidade das simples forças morais do homem
deixado a si próprio, aviva o desejo da graça e predispõe a recebê-la. «Quem me
há-de libertar deste corpo de morte?» — pergunta-se o apóstolo Paulo. E numa
jubilosa e grata confissão, responde: «Graças sejam dadas a Deus, por Jesus
Cristo, Nosso Senhor!» (Rm 7, 24-25).
A
mesma consciência nos aparece nesta oração de S. Ambrósio de Milão: «De facto,
o que é o homem se Vós não o visitais? Não esqueçais, portanto, o débil.
Lembrai-Vos, ó Senhor, que me fizestes débil, e que do pó me plasmastes. Como
poderei permanecer de pé, se Vós não me olhais continuamente para consolidar
este barro, já que a minha consistência provém da Vossa face? "Se
escondeis o Vosso rosto, tudo desfalece" (Sal 103, 29): mas, se
Vós me olhais, ai de mim! Nada tendes para ver em mim senão montanhas de delitos:
não traz vantagem nem ser abandonados nem ser vistos, porque, quando somos
contemplados, provocamos desgosto. Podemos, porém, pensar que Deus não rejeita
aqueles que vê, porque purifica aos que olha. Diante d'Ele arde um fogo capaz
de queimar a culpa (cf. Jl 2, 3)». 165
Moral e nova evangelização
106.
A evangelização é o desafio mais forte e sublime, que a Igreja é chamada a
enfrentar desde a sua origem. Na verdade, a proporem este desafio não são tanto
as situações sociais e culturais que ela encontra ao longo da história, como
sobretudo o mandato de Jesus Cristo ressuscitado, que assim define a razão da
existência da Igreja: «Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda a
criatura» (Mc 16, 15).
Mas
o momento que estamos a viver, pelo menos numa extensão grande da humanidade, é
mais o de um formidável incitamento à «nova evangelização», ou seja, ao anúncio
do Evangelho sempre novo e sempre portador de novidade, uma evangelização que
deve ser «nova no seu ardor, nos seus métodos e na sua expressão».166 A
descristianização que pesa sobre povos e comunidades inteiras, outrora ricas de
fé e de vida cristã, comporta não só a perda da fé ou de qualquer modo a sua
ineficácia na vida, mas também, e necessariamente, um declínio ou um
obscurecimento do sentido moral: e isto, quer pela dissipação da consciência da
originalidade da moral evangélica, quer pelo eclipse dos próprios princípios e
valores éticos fundamentais. As tendências subjectivistas, relativistas e
utilitaristas, hoje amplamente difundidas, apresentam-se não simplesmente como
posições pragmáticas, como prática comum, mas como concepções consolidadas do
ponto de vista teorético que reivindicam uma sua plena legitimidade cultural e
social.
107.
A evangelização — e, portanto, a «nova evangelização» — comporta também o
anúncio e a proposta moral. O próprio Jesus, precisamente ao pregar o Reino de
Deus e o Seu amor salvífico, fez apelo à fé e à conversão (cf. Mc 1, 15).
E Pedro, com os outros Apóstolos, ao anunciar a ressurreição de Jesus de Nazaré
de entre os mortos, propõe uma vida nova a viver, um «caminho» a seguir para
ser discípulo do Ressuscitado (cf. Act 2, 37-41; 3, 17-20).
Tanto
ou mais ainda que pelas verdades da fé, é ao propor os fundamentos e os
conteúdos da moral cristã que a nova evangelização manifesta a sua
autenticidade, e, ao mesmo tempo, expande toda a sua força missionária, quando
se realiza com o dom não só da palavra anunciada, mas também da palavra vivida.
É particularmente a vida de santidade, resplandecente em tantos membros do Povo
de Deus, humildes e, com frequência, despercebidos aos olhos dos homens, que
constitui o caminho mais simples e fascinante, onde é permitido perceber
imediatamente a beleza da verdade, a força libertadora do amor de Deus, o valor
da fidelidade incondicional a todas as exigências da lei do Senhor, mesmo nas
circunstâncias mais difíceis. Por isso, a Igreja, com a sua sábia pedagogia
moral, sempre convidou os crentes a procurarem e a encontrarem nos santos e santas,
e, em primeiro lugar, na Virgem Mãe de Deus «cheia de graça» e «toda santa», o
modelo, a força e a alegria para viver uma vida conforme aos mandamentos e às
Bem-aventuranças do Evangelho.
A
vida dos santos, reflexo da bondade de Deus — d'Aquele que «só é bom» —,
constitui não apenas uma verdadeira confissão de fé e um impulso para a
comunicar aos outros, mas também uma glorificação de Deus e da sua infinita
santidade. Uma vida santa leva assim à sua plenitude de expressão e actuação o
tríplice e unitário munus propheticum, sacerdotale et regale, que cada cristão
recebe como dom no renascimento baptismal «da água e do Espírito» (Jo 3,
5). A sua vida moral possui o valor de um «culto espiritual» (Rm 12,
1; cf. Fil 3, 3), que brota e se alimenta daquela fonte inesgotável de
santidade e glorificação de Deus que são os Sacramentos, especialmente a
Eucaristia: com efeito, ao participar no sacrifício da Cruz, o cristão comunga
do amor de doação de Cristo, ficando habilitado e comprometido a viver esta
mesma caridade em todas as suas atitudes e comportamentos de vida. Na vida
moral, revela-se e actua-se ainda o serviço régio do cristão: quanto mais ele,
com a ajuda da graça, obedece à lei nova do Espírito Santo, tanto mais cresce
na liberdade, à qual é chamado através do serviço da verdade, da caridade e da
justiça.
108.
Na raiz da nova evangelização e da vida moral nova, que aquela propõe e suscita
com os seus frutos de santidade e de missionação, está o Espírito de Cristo,
princípio e força da fecundidade da santa Mãe Igreja, como nos recorda Paulo
VI: «A evangelização nunca será possível sem a acção do Espírito Santo».167 Ao Espírito de Jesus, acolhido pelo
coração humilde e dócil do crente, se devem, pois, o florescimento da vida
moral cristã e o testemunho da santidade na grande variedade das vocações, dos
dons, das responsabilidades e das condições e situações de vida: é o Espírito
Santo — anotava Novaciano, nisto exprimindo a autêntica fé da Igreja — «Aquele
que deu firmeza aos corações e às mentes dos discípulos, que os iniciou nos
mistérios evangélicos, que os iluminou nas coisas divinas; por Ele revigorados,
não temeram as prisões nem as correntes pelo nome do Senhor; antes, subjugaram
as próprias potências e tormentos do mundo, armados já e reforçados por Seu
intermédio, dotados que foram com os Seus dons que este mesmo Espírito reparte
e envia como joias à Igreja, Esposa de Cristo. É Ele, de facto, que na Igreja
suscita os profetas, instrui os mestres, guia as línguas, realiza prodígios e
curas, produz obras admiráveis, concede o discernimento dos espíritos, confere
os encargos de governo, sugere os conselhos, reparte e harmoniza os restantes
dons carismáticos, tornando, assim, por toda a parte e em tudo plenamente
perfeita a Igreja do Senhor».168
No
contexto vivo desta nova evangelização, destinada a gerar e a nutrir «a fé que
actua pela caridade» (Gál 5, 6), e em relação com a obra do Espírito
Santo, podemos agora compreender o lugar que, na Igreja, comunidade dos
crentes, compete à reflexão que a teologia deve desenvolver sobre a vida moral,
assim como podemos apresentar a missão e a responsabilidade própria dos
teólogos moralistas.
O serviço dos teólogos moralistas
109.
Toda a Igreja, feita participante do munus propheticum do Senhor Jesus mediante
o dom do Seu Espírito, é chamada à evangelização e ao testemunho de uma vida de
fé. Graças à presença permanente do Espírito de verdade nela (cf. Jo 14,
16-17), «a totalidade dos fiéis que receberam a unção do Espírito Santo (cf.
1 Jo 2, 20.27) não pode enganar-se na fé; e esta sua propriedade peculiar
manifesta-se por meio do sentir sobrenatural da fé do Povo todo, quando este,
"desde os Bispos até ao último dos fiéis leigos", manifesta consenso
universal em matéria de fé e de costumes».169
Para
cumprir a sua missão profética, a Igreja deve continuamente despertar ou
«reavivar» a própria vida de fé (cf. 2 Tim 1, 6), particularmente
por meio de uma reflexão cada vez mais profunda do conteúdo da mesma fé, sob a
guia do Espírito Santo. É ao serviço desta «busca fiel da inteligência da fé»
que está, de modo específico, a «vocação» do teólogo na Igreja: «Entre as
vocações suscitadas na Igreja pelo Espírito — lemos na Instrução Donum
veritatis — distingue-se a do teólogo, que em modo particular, tem a função de
adquirir, em comunhão com o Magistério, uma compreensão sempre mais profunda da
Palavra de Deus contida na Escritura inspirada e transmitida pela Tradição viva
da Igreja. Por sua natureza a fé se apela à inteligência, porque desvela ao
homem a verdade sobre o seu destino e o caminho para o alcançar. Mesmo sendo a
verdade revelada superior a todo o nosso falar, e sendo os nossos conceitos
imperfeitos frente à sua grandeza, em última análise insondável (cf. Ef 3,
19), ela convida porém a razão — dom de Deus feito para colher a verdade
— a entrar na sua luz, tornando-se assim capaz de compreender, em certa medida,
aquilo em que crê. A ciência teológica, que respondendo ao convite da verdade,
busca a inteligência da fé, auxilia o Povo de Deus, de acordo com o mandamento
do Apóstolo (cf. 1 Pd 3, 15), a dar razão da própria esperança,
àqueles que a pedem».170
Para
definir a própria identidade da teologia e, consequentemente, actuar a sua
missão específica, é fundamental reconhecer o seu nexo íntimo e vivo com a
Igreja, o seu mistério, a sua vida e missão: «A teologia é ciência eclesial,
porque cresce na Igreja e age sobre a Igreja (...) Ela está ao serviço da
Igreja, devendo portanto sentir-se dinamicamente inserida na missão da Igreja,
particularmente na sua missão profética».171
Por sua natureza e dinamismo, a teologia autêntica só pode florescer e
desenvolver-se mediante uma convicta e responsável participação e «pertença» à
Igreja enquanto «comunidade de fé», assim como a esta mesma Igreja e à sua vida
de fé retorna o fruto da pesquisa e do aprofundamento teológico.
110.
Quanto foi dito até agora sobre a teologia em geral, pode e deve ser referido à
teologia moral, considerada na sua especificidade de reflexão científica sobre
o Evangelho como dom e mandamento de vida nova, sobre a vida «segundo a verdade
na caridade» (Ef 4, 15), sobre a vida de santidade da Igreja, na
qual resplandece a verdade do bem levado até à sua perfeição. Não só no âmbito
da fé, mas também e de modo indivisível no âmbito da moral, intervém o Magistério
da Igreja, cuja tarefa é «discernir, mediante juízos normativos para a
consciência dos fiéis, os actos que são em si mesmos conformes às exigências da
fé e que promovem a sua expressão na vida, e aqueles que, pelo contrário, por
sua malícia intrínseca, são incompatíveis com tais exigências».172
Pregando
os mandamentos de Deus e a caridade de Cristo, o Magistério da Igreja ensina
aos fiéis também os preceitos particulares e determinados e pede-lhes que os
considerem, em consciência, como moralmente obrigatórios. Desempenha, além
disso, um importante papel de vigilância, advertindo os fiéis da presença de
eventuais erros, mesmo só implícitos, quando a sua consciência não chega a
reconhecer a conveniência e a verdade das regras morais que o Magistério
ensina.
Aqui
se insere a tarefa específica de quantos, por mandato dos legítimos Pastores,
ensinam teologia moral nos Seminários e nas Faculdades Teológicas. Eles têm o
grave dever de instruir os fiéis — especialmente os futuros Pastores — sobre
todos os mandamentos e as normas práticas que a Igreja declara com autoridade. 173 Apesar dos eventuais limites das
argumentações humanas apresentadas pelo Magistério, os teólogos moralistas são
chamados a aprofundar as razões dos seus ensinamentos, ilustrar o fundamento
dos preceitos por ele indicados e a sua obrigatoriedade, mostrando a sua mútua
conexão e a relação com o fim último do homem. 174
Cabe aos teólogos moralistas expor a doutrina da Igreja, dando, no exercício do
seu ministério, o exemplo de uma leal adesão, interna e externa, ao ensinamento
do Magistério, tanto no campo do dogma como no da moral. 175 Unindo as suas forças para colaborar com
o Magistério hierárquico, os teólogos terão a peito fazer sobressair cada vez
mais os fundamentos bíblicos, os significados éticos e as motivações antropológicas
que apoiam a doutrina moral e a visão do homem, propostas pela Igreja.
111.
O serviço que os teólogos moralistas são chamados a prestar, na hora actual, é
de primária importância não só para a vida e missão da Igreja, mas também para
a sociedade e a cultura humana. Em estreita e vital conexão com a teologia
bíblica e dogmática, compete-lhes sublinhar, na reflexão científica, «o aspecto
dinâmico que faz ressaltar a resposta que o homem deve dar ao apelo divino no
processo do seu crescimento no amor, no âmbito de uma comunidade salvífica.
Deste modo, a teologia moral adquirirá uma dimensão espiritual interna,
respondendo às exigências de pleno desenvolvimento da imago Dei, que está no
homem, e às leis do processo espiritual descrito na ascética e mística
cristãs». 176
Hoje
certamente a teologia moral e o seu ensino defrontam-se com uma particular
dificuldade. Visto que a moral da Igreja implica necessariamente uma dimensão
normativa, a teologia moral não se pode reduzir a um conhecimento elaborado só
no contexto das chamadas ciências humanas. Enquanto estas se ocupam do fenómeno
da moralidade como facto histórico e social, a teologia moral, embora deva
servir-se das ciências do homem e da natureza, não está, porém, subordinada aos
resultados da observação empírico-formal ou da compreensão fenomenológica. Na
verdade, a incidência das ciências humanas na teologia moral sempre deverá ser
regulada pela pergunta originária: O que é o bem e o mal? Que devo fazer para
alcançar a vida eterna?
112.
O teólogo moralista deve, portanto, praticar um cuidadoso discernimento no contexto
da actual cultura fundamentalmente científica e técnica, sujeita aos perigos do
relativismo, pragmatismo e positivismo. Do ponto de vista teológico, os
princípios morais não estão dependentes do momento histórico, em que são
descobertos. Além disso, o facto de alguns crentes agirem sem observar os
ensinamentos do Magistério ou considerarem erradamente como moralmente justa uma
conduta, declarada pelos seus Pastores contrária à lei de Deus, não pode
constituir argumento válido para rejeitar a verdade das normas morais ensinadas
pela Igreja. A afirmação dos princípios morais não é da competência dos métodos
empírico-formais. Sem negar a validade de tais métodos, mas tão pouco sem
restringir a eles a sua perspectiva, a teologia moral, fiel ao sentido
sobrenatural da fé, toma em consideração sobretudo a dimensão espiritual do
coração humano e a sua vocação ao amor divino.
De
facto, enquanto as ciências humanas, como todas as ciências experimentais,
desenvolvem um conceito empírico e estatístico de «normalidade», a fé ensina
que uma tal normalidade carrega em si os vestígios de uma queda do homem da sua
situação original, ou seja, está afectada pelo pecado. Só a fé cristã indica ao
homem o caminho do regresso «ao princípio» (cf. Mt 19, 8), um
caminho que, com frequência, é bem distinto daquele da normalidade empírica.
Neste sentido, as ciências humanas, apesar do grande valor dos conhecimentos
que oferecem, não podem ser assumidas como indicadores decisivos das normas
morais deste caminho. É o Evangelho que descobre a verdade integral sobre o
homem e sobre o seu caminho moral, e assim ilumina e adverte os pecadores
anunciando-lhes a misericórdia de Deus, o Qual incessantemente cuida de os
preservar tanto do desespero por não poderem conhecer e observar a lei divina,
como da presunção de se poderem salvar sem merecimento. Além disso, ele lembra-lhes
a alegria do perdão, o único capaz de conceder a força para reconhecer na lei
moral uma verdade libertadora, uma graça de esperança, um caminho de vida.
113.
O ensino da doutrina moral implica a assunção consciente destas
responsabilidades intelectuais, espirituais e pastorais. Por isso, os teólogos
moralistas, que aceitam o encargo de ensinar a doutrina da Igreja, têm o grave
dever de educar os fiéis para o discernimento moral, para o empenhamento no
verdadeiro bem e para o recurso confiante à graça divina.
Se
a convergência e os conflitos de opinião podem constituir expressões normais da
vida pública, no contexto de uma democracia representativa, a doutrina moral
não pode certamente depender do simples respeito por um tal processo; ela, de
facto, não é absolutamente estabelecida, seguindo as regras e as formas de uma
deliberação de tipo democrático. A discordância, feita de interesseiras
contestações e polémicas através dos meios de comunicação social, é contrária à
comunhão eclesial e à recta compreensão da constituição hierárquica do Povo de
Deus. Na oposição aos ensinamentos dos Pastores, não se pode reconhecer uma
legítima expressão da liberdade cristã nem da diversidade dos dons do Espírito.
Neste caso, os Pastores têm o dever de agir em conformidade com a sua missão
apostólica, exigindo que seja sempre respeitado o direito dos fiéis de
receberem a doutrina católica na sua pureza e integridade: «O teólogo, não
esquecendo jamais que também ele é membro do Povo de Deus, deve nutrir-lhe
respeito, e esforçar-se por dispensar-lhe um ensinamento que não venha lesar,
de modo algum, a doutrina da fé».177
As nossas responsabilidades de
Pastores
114.
A responsabilidade pela fé e pela vida de fé do Povo de Deus pesa duma maneira
peculiar e precisa sobre os Pastores, como nos lembra o Concílio Vaticano II:
«Entre os principais encargos dos Bispos ocupa lugar preeminente a pregação do
Evangelho. Os Bispos são os arautos da fé que para Deus conduzem novos
discípulos. Dotados da autoridade de Cristo, são doutores autênticos, que
pregam ao povo a eles confiado a fé que se deve crer e aplicar na vida prática;
ilustrando-a sob a luz do Espírito Santo e tirando do tesouro da revelação
coisas novas e antigas (cf. Mt 13, 52), fazem-no frutificar e
solicitamente afastam os erros que ameaçam o seu rebanho (cf. 2 Tim 4,
1-4)». 178
É
nosso dever comum e, antes ainda, nossa graça comum, ensinar aos fiéis, como
Pastores e Bispos da Igreja, aquilo que os conduz pelo caminho de Deus, tal
como fez um diz o Senhor Jesus com o jovem do Evangelho. Ao responder à sua pergunta:
«Que devo fazer de bom para alcançar a vida eterna?», Jesus apontou para Deus,
Senhor da criação e da Aliança; lembrou os mandamentos morais, já revelados no
Antigo Testamento; indicou o seu espírito e radicalidade, convidando a segui-Lo
na pobreza, na humildade e no amor: «Vem e segue-Me!». A verdade desta doutrina
teve a sua chancela sobre a Cruz no sangue de Cristo: tornou-se, no Espírito
Santo, a nova lei da Igreja e de cada cristão.
Esta
«resposta» à questão moral está confiada por Jesus Cristo de um modo particular
a nós, Pastores da Igreja, chamados a torná-la objecto do nosso magistério, e,
portanto, no cumprimento do nosso munus propheticum. Ao mesmo tempo, a nossa
responsabilidade de Pastores, quanto à doutrina moral cristã, deve ser actuada
também na forma do munus sacerdotale: isto realiza-se quando distribuímos aos
fiéis os dons da graça e da santificação, como meio para obedecer à lei santa
de Deus, e quando, com a nossa assídua e confiante prece, sustentamos os
crentes, para que sejam fiéis às exigências da fé e vivam conforme ao Evangelho
(cf. Col 1, 9-12). A doutrina moral cristã deve constituir,
sobretudo hoje, um dos âmbitos privilegiados da nossa vigilância pastoral, do
exercício do nosso munus regale.
115.
Com efeito, é a primeira vez que o Magistério da Igreja expõe os elementos
fundamentais dessa doutrina com uma certa amplitude, e apresenta as razões do
discernimento pastoral necessário em situações práticas e culturais complexas
e, por vezes, críticas.
À
luz da Revelação e do ensinamento constante da Igreja, e especialmente do
Concílio Vaticano II, evoquei brevemente os traços essenciais da liberdade, os
valores fundamentais relacionados com a dignidade da pessoa e com a verdade dos
seus actos, para assim poder reconhecer na obediência à lei moral, uma graça e
um sinal da nossa adopção no único Filho (cf. Ef 1, 4-6). Em
particular, com esta Encíclica, são propostas avaliações sobre algumas
tendências actuais na teologia moral. Comunico-as agora, em obediência à
palavra do Senhor que confiou a Pedro o encargo de confirmar os seus irmãos (cf.
Lc 22, 32), para iluminar e ajudar o nosso discernimento comum.
Cada
um de nós conhece a importância da doutrina que representa o núcleo do
ensinamento desta Encíclica e que hoje é evocada com a autoridade do Sucessor
de Pedro. Cada um de nós pode considerar a gravidade daquilo que está em causa,
não só para os indivíduos mas também para a sociedade inteira, na confirmação
da universalidade e da imutabilidade dos mandamentos morais, e, em particular,
daqueles que proíbem sempre e sem excepção os actos intrinsecamente maus.
Ao
reconhecer tais mandamentos, o coração cristão e a nossa caridade pastoral
escutam o apelo d'Aquele que «nos amou primeiro» (1 Jo 4, 19). Deus
pede-nos que sejamos santos como Ele é santo (cf. Lv 19, 2), que
sejamos — em Cristo — perfeitos como Ele é perfeito (cf. Mt 5, 48):
a exigente firmeza do mandamento baseia-se no inesgotável amor misericordioso
de Deus (cf. Lc 6, 36), e o fim do mandamento é conduzir-nos, com a graça
de Cristo, pelo caminho da plenitude da vida própria dos filhos de Deus.
116.
Temos o dever, como Bispos, de vigiar a fim de que a Palavra de Deus seja
fielmente ensinada. Meus Irmãos no Episcopado, faz parte do nosso ministério
pastoral vigiar sobre a transmissão fiel deste ensinamento moral e recorrer às
medidas oportunas para que os fiéis sejam preservados de toda a doutrina e
teoria a ele contrárias. Nesta tarefa, todos somos ajudados pelos teólogos;
mas, as opiniões teológicas não constituem a regra nem a norma do nosso
ensinamento. A autoridade deste deriva, com a assistência do Espírito Santo e
na comunhão cum Petro et sub Petro, da nossa fidelidade à fé católica recebida
dos Apóstolos. Como Bispos, temos a obrigação grave de vigiar pessoalmente por
que a «sã doutrina» (1 Tim 1, 10) da fé e da moral seja ensinada nas
nossas dioceses.
Uma
particular responsabilidade se impõe aos Bispos, relativamente às instituições
católicas. Quer se trate de organismos para a pastoral familiar ou social, quer
de instituições dedicadas ao ensino ou aos cuidados sanitários, os Bispos podem
erigir e reconhecer estas estruturas e delegar-lhes algumas responsabilidades;
mas, nunca ficam dispensados das próprias obrigações. Compete-lhes, em comunhão
com a Santa Sé, a tarefa de reconhecer, ou de retirar em casos de grave
incoerência, a denominação de «católico» a escolas, 179 universidades, 180
clínicas e serviços sócio-sanitários, que se dizem da Igreja.
117.
No coração do cristão, no núcleo mais secreto do homem, sempre ressoa a
pergunta que, um dia, o jovem do Evangelho dirigiu a Jesus: «Mestre, que devo
fazer de bom para alcançar a vida eterna?» (Mt 19, 16). É
necessário, porém, que cada um a faça ao «bom» Mestre, porque é o único que
pode responder na plenitude da verdade, em toda a situação e nas mais diversas
circunstâncias. E quando os cristãos Lhe fazem a pergunta que sai da sua
consciência, o Senhor responde com as palavras da Nova Aliança confiadas à sua
Igreja. Ora, como diz de si próprio o Apóstolo, nós fomos enviados «a pregar o
Evangelho, não, porém, com sabedoria de palavras, para não se desvirtuar a Cruz
de Cristo» (1 Cor 1, 17). Por isso, a resposta da Igreja à pergunta
do homem tem a sabedoria e a força de Cristo crucificado, a Verdade que Se dá.
Quando
os homens põem à Igreja as perguntas da sua consciência, quando na Igreja os
fiéis se dirigem aos Bispos e aos Pastores, na resposta da Igreja está a voz de
Jesus Cristo, a voz da verdade acerca do bem e do mal. Mediante a palavra
pronunciada pela Igreja, ressoa no íntimo das pessoas a voz de Deus, que «só é
bom» (Mt 19, 17), que só «é amor» (1 Jo 4, 8. 16).
Na
unção do Espírito, esta palavra doce e exigente torna-se luz e vida para o
homem. É ainda o apóstolo Paulo a convidar-nos à confiança, porque «a nossa
capacidade vem de Deus. Ele é que nos fez capazes de sermos ministros de uma
Nova Aliança, não da letra, mas do Espírito (...) O Senhor é espírito e onde
está o Espírito do Senhor há liberdade. E todos nós, com o rosto descoberto,
reflectindo a glória do Senhor, como um espelho, somos transformados de glória
em glória, nessa mesma imagem, sempre mais resplandecente, pela acção do
Espírito do Senhor» (2 Cor 3, 5-6.17-18).
CONCLUSÃO
Maria, Mãe de misericórdia
118.
No final destas considerações, confiamos nós mesmos, os sofrimentos e as
alegrias da nossa existência, a vida moral dos crentes e dos homens de boa
vontade, as pesquisas dos estudiosos de moral a Maria, Mãe de Deus e Mãe de
misericórdia.
Maria
é Mãe de misericórdia, porque Jesus Cristo, seu Filho, foi mandado pelo Pai
como Revelação da misericórdia de Deus (cf. Jo 3, 16-18). Ele não
veio para condenar mas para perdoar, para usar de misericórdia (cf. Mt 9,
13). E a misericórdia maior está no seu habitar entre nós e na chamada
que nos é feita para O encontrar e confessar, juntamente com Pedro, como «o
Filho do Deus vivo» (Mt 16, 16). Nenhum pecado do homem pode
cancelar a misericórdia de Deus, nem pode impedi-la de expandir toda a sua
força vitoriosa, logo que a invocamos. Antes, o mesmo pecado faz resplandecer
ainda mais o amor do Pai que, para resgatar o escravo, sacrificou o Seu
Filho:181 a Sua misericórdia por nós é redenção. Esta misericórdia chega à sua
plenitude com o dom do Espírito, que gera e exige a vida nova. Por mais
numerosos e grandes que sejam os obstáculos postos pela fragilidade e pelo
pecado do homem, o Espírito, que renova a face da terra (cf. Sal 103 104,
30), torna possível o milagre do cumprimento perfeito do bem. Esta
renovação, que dá a capacidade de fazer o que é bom, nobre, belo, agradável a
Deus e conforme à Sua vontade, é em certo sentido o florescimento do dom da
misericórdia, que liberta da escravidão do mal e dá a força de não mais pecar.
Pelo dom da vida nova, Jesus torna-nos participantes do Seu amor e nos conduz
ao Pai no Espírito.
119.
Esta é a consoladora certeza da fé cristã, à qual se deve a sua profunda
humanidade e a sua extraordinária simplicidade. Por vezes, nas discussões sobre
os novos e complexos problemas morais, pode parecer que a moral cristã seja em
si própria demasiado difícil, árdua para se compreender e quase impossível de
praticar. Isto é falso, porque ela, em termos de simplicidade evangélica,
consiste em seguir Jesus Cristo, abandonar-se a Ele, deixar-se transformar pela
Sua graça e renovar pela Sua misericórdia, que nos vem da vida de comunhão da
sua Igreja. «Quem quiser viver — recorda-nos S. Agostinho —, tem onde viver,
tem donde viver. Aproxime-se, creia, deixe-se incorporar para ser vivificado.
Não abandone a companhia dos membros».182
Portanto, todo o homem pode compreender, com a luz do Espírito, a essência
vital da moral cristã, inclusive o menos dotado, antes e sobretudo quem sabe
conservar um «coração simples» (Sal 85 86, 11). Por outro lado, esta
simplicidade evangélica não dispensa de enfrentar a complexidade da situação,
mas pode introduzir na sua compreensão mais verdadeira, porque o seguimento de
Cristo porá progressivamente a descoberto as características da autêntica moralidade
cristã e dará, ao mesmo tempo, a energia vital para a sua realização. É tarefa
do Magistério da Igreja vigiar a fim de que o dinamismo do seguimento de Cristo
se desenvolva organicamente, sem deixar que lhe sejam falseadas ou ocultadas as
exigências morais com todas as suas consequências. Quem ama Cristo observa os
seus mandamentos (cf. Jo 14, 15).
120.
Maria é Mãe de misericórdia também, porque a Ela Jesus confia a Sua Igreja e a
humanidade inteira. Aos pés da Cruz, quando aceita João como filho, quando pede
ao Pai, juntamente com Cristo, o perdão para aqueles que não sabem o que fazem (cf.
Lc 23, 34), Maria, em perfeita docilidade ao Espírito, experimenta a
riqueza e a universalidade do amor de Deus, que Lhe dilata o coração e A torna
capaz de abraçar todo o género humano. Deste modo, é feita Mãe de todos e cada
um de nós, Mãe que nos alcança a misericórdia divina.
Maria
é sinal luminoso e exemplo fascinante de vida moral: «já a sua vida é
ensinamento para todos», escreve S. Ambrósio,183
que, dirigindo-se especialmente às virgens mas num horizonte aberto a todos,
assim afirma: «O primeiro ardente desejo de aprender dá-o a nobreza do mestre.
E quem é mais nobre do que a Mãe de Deus? Ou mais esplêndida do que Aquela que
foi eleita pelo próprio Esplendor?».184
Maria vive e realiza a própria liberdade, doando-Se Ela mesma a Deus e
acolhendo em Si o dom de Deus. Guarda no seu seio virginal o Filho de Deus,
feito homem, até ao momento do Seu nascimento, educa-O, fá-Lo crescer e
acompanha-O naquele gesto supremo de liberdade que é o sacrifício total da
própria vida. Com o dom de Si mesma, Maria entra plenamente no desígnio de
Deus, que Se dá ao mundo. Ao acolher e meditar no seu coração acontecimentos
que nem sempre compreende (cf. Lc 2, 19), torna-Se o modelo de todos
aqueles que escutam a palavra de Deus e a praticam (cf. Lc 11, 28) e
merece o título de «Sede da Sabedoria». Esta Sabedoria é o próprio Jesus
Cristo, o Verbo eterno de Deus, que revela e cumpre perfeitamente a vontade do
Pai (cf. Heb 10, 5-10). Maria convida cada homem a acolher esta
Sabedoria. Também a nós dirige a ordem dada aos servos, em Caná da Galileia
durante o banquete de núpcias: «Fazei o que Ele vos disser» (Jo 2, 5).
Maria
compartilha a nossa condição humana, mas numa total transparência à graça de
Deus. Não tendo conhecido o pecado, Ela é capaz todavia de Se compadecer de
qualquer fraqueza. Compreende o homem pecador e ama-o com amor de Mãe.
Precisamente por isso, está do lado da verdade e compartilha o peso da Igreja,
ao recordar a todos e sempre as exigências morais. Pelo mesmo motivo, não
aceita que o homem pecador seja enganado por quem pretendesse amá-lo
justificando o seu pecado, pois sabe que desta forma tornar-se-ia vão o
sacrifício de Cristo, seu Filho. Nenhuma absolvição, oferecida por
condescendentes doutrinas até mesmo filosóficas ou teológicas, pode tornar o
homem verdadeiramente feliz: só a Cruz e a glória de Cristo ressuscitado podem
dar paz à sua consciência e salvação à sua vida.
Ó
Maria, Mãe de misericórdia, velai sobre todos para não se desvirtuar a Cruz de
Cristo, para que o homem não se extravie do caminho do bem, nem perca a
consciência do pecado, mas cresça na esperança em Deus «rico de misericórdia» (Ef
2, 4), cumpra livremente as boas obras por Ele de antemão preparadas (cf.
Ef 2, 10) e toda a sua vida seja assim «para louvor da Sua glória» (Ef
1, 12).
Dado em Roma, junto de S. Pedro, no dia 6 de Agosto,
festa da Transfiguração do Senhor, do ano de 1993, décimo quinto do meu
Pontificado.
Ioannes Paulus PP. II
(Nota: Revisão da tradução para português por ama)
_________________________________________________________
Notas (italiano):
162
Sess. VI, Decr. sulla giustificazione Cum hoc tempore, cap. 11; DS, 1536; cf
can. 18: DS 1568. Il noto testo di sant'Agostino, citato dal Concilio nel passo
riferito, è tratto dal De natura et gratta, 45, 50 (CSEL 60, 270).
163
Oratio I: PG 97, 805-806.
164
Discorso ai partecipanti a un corso sulla procreazione responsabile (1° marzo
1984), 4: Insegnamenti VII, 1 (1984), 583.
165
De interpellatione David, IV, 6, 22: CSEL 32/2, 283-284.
166
Discorso ai Vescovi del CELAM (9 marzo 1985), III: Insegnamenti VI, 1 (1983),
698.
167
Esort. ap. Evangelii nuntiandi (8 dicembre 1975), 75: AAS 68 (1976), 64.
168
De Trinitate, XXIX, 9-10: CCL 4, 70.
169
Conc. Ecum. Vat. II, Cost. dogm. sulla Chiesa Lumen gentium, 12.
170
17a Congregazione per la Dottrina della Fede, Istruz. sulla vocazione
ecclesiale del teologo Donum veritatis (24 maggio 1990), 6: AAS 82 (1990),
1552.
171
Allocuzione ai professori e agli studenti della Pontifìcia Università
Gregoriana (15 dicembre 1979), 6: Insegnamenti II, 2 (1979), 1424.
172
Congregazione per la Dottrina della Fede, Istruz. sulla vocazione ecclesiale
del teologo Donum veritatis (24 maggio 1990), 16: AAS 82 (1990), 1557.
173
Cf C.I.C., can. 252, 1; 659, 3.
174
Cf Conc. Ecum. Vat. I, Cost. dogm. sulla fede cattolica Dei Filius, cap. 4: DS
3016.
175
Cf Paolo VI, Lett. enc. Humanae vitae (25 luglio 1968), 28: AAS 60 (1968), 501.
176
S. Congregazione per l'Educazione Cattolica, La formazione teologica dei futuri
sacerdoti (22 febbraio 1976), n. 100. Si vedano i nn. 95-101, che presentano le
prospettive e le condizioni per un fecondo lavoro di rinnovamento
teologico-morale.
177
Congregazione per la Dottrina della Fede, Istruz. sulla vocazione ecclesiale
del teologo Donum veritatis (24 maggio 1990), 11: AAS 82 (1990), 1554; cf in
particolare i nn. 32-39 dedicati al problema del dissenso: ibid., l.c.,
1562-1568.
178
Cost. dogm. sulla Chiesa Lumen gentium, 25.
179
Cf C.I.C., can. 803, 3.
180
Cf C.I.C., can. 808.
181
«O inaestimabilis dilectio caritatis: ut servum redimeres, Filium tradidisti»:
Missale Romanum, In Resurrectione Domini, Praeconium paschale.
182
In lohannis Evangelium Tractatus, 26, 13: CCL 36, 266.
183
De Virginibus, lib. II, cap. II, 15: PL 16, 222.
184
Ibid., lib. II, cap. II, 7: PL 16, 220.
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