Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
Para ver, clicar SFF.
18 Enquanto lhes dizia estas coisas, eis que um chefe da
sinagoga se aproxima e se prostra diante d'Ele, dizendo: «Senhor, morreu agora
minha filha; mas vem, põe a Tua mão sobre ela, e viverá». 19 Jesus,
levantando-Se, seguiu-o com os Seus discípulos. 20 E eis que uma
mulher que padecia de um fluxo de sangue havia doze anos, se chegou por detrás
d'Ele, e tocou na orla do Seu vestido. 21 Dizia para si mesma:
«Ainda que eu toque somente o Seu vestido, serei curada». 22 Voltando-Se Jesus e,
olhando-a, disse: «Tem confiança, filha, a tua fé te salvou». E ficou sã a
mulher desde aquele momento. 23 Tendo Jesus chegado a casa do chefe
da sinagoga viu os tocadores de flauta e uma multidão de gente que fazia muito
barulho. 24 «Retirai-vos, disse, porque a menina não está morta, mas
dorme». Mas riam-se d'Ele. 25 Tendo-se feito sair a gente, Ele
entrou, tomou a menina pela mão, e ela se levantou. 26 E divulgou-se
a fama deste milagre por toda aquela terra. 27 Partindo dali Jesus,
seguiram-n'O dois cegos, gritando e dizendo: «Tem piedade de nós, Filho de
David!». 28 Tendo chegado a casa, aproximaram-se d'Ele os cegos. E
Jesus disse-lhes: «Credes que posso fazer isto?». Eles responderam: «Sim,
Senhor». 29 Então tocou-lhes os olhos, dizendo: «Seja-vos feito
segundo a vossa fé». 30 E abriram-se os seus olhos. Jesus deu-lhes
ordens terminantes, dizendo: «Cuidado, que ninguém o saiba». 31 Mas
eles, retirando-se, divulgaram por toda aquela terra a Sua fama. 32
Logo que estes se retiraram, apresentaram-Lhe um mudo possesso do demónio. 33
Expulso o demónio, falou o mudo, e admiraram-se as multidões, dizendo: «Nunca
se viu coisa assim em Israel». 34 Os fariseus, porém, diziam: «É
pelo príncipe dos demónios que Ele expulsa os demónios». 35 Jesus ia
percorrendo todas as cidades e aldeias, ensinando nas sinagogas, pregando o
Evangelho do reino, e curando toda a doença e toda a enfermidade. 36
Vendo aquelas multidões, compadeceu-Se delas, porque estavam fatigadas e
abatidas, como ovelhas sem pastor. 37 Então disse a Seus discípulos:
«A messe é verdadeiramente grande, mas os operários são poucos. 38
Rogai pois ao Senhor da messe, que mande operários para a Sua messe»
Para ver, clicar SFF.
Evangelho: Mt 9, 18-38
Ioannes Paulus PP. II
Veritatis splendor
a todos os Bispos
da Igreja Católica
sobre algumas questões fundamentais
do Ensinamento Moral da Igreja
/…6
44.
A Igreja referiu-se frequentemente à doutrina tomista da lei natural,
assumindo-a no próprio ensinamento moral. Assim, o meu venerado predecessor
Leão XIII sublinhou a essencial subordinação da razão e da lei humana à
Sabedoria de Deus e à Sua lei. Depois de dizer que «a lei natural está escrita
e esculpida no coração de todos e de cada um dos homens, visto que esta não é
mais do que a mesma razão humana enquanto nos ordena fazer o bem e intima a não
pecar», Leão XIII remete para a «razão mais elevada» do divino Legislador: «Mas
esta prescrição da razão humana não poderia ter força de lei, se não fosse a
voz e a intérprete de uma razão mais alta, à qual o nosso espírito e a nossa
liberdade devem estar submetidos». De facto, a força da lei reside na sua
autoridade de impor deveres, conferir direitos e aplicar a sanção a certos
comportamentos: «Ora, nada disso poderia existir no homem, se fosse ele mesmo a
estipular, como legislador supremo, a norma das suas acções». E conclui: «Daí
decorre que a lei natural é a mesma lei eterna, inscrita nos seres dotados de
razão, que os inclina para o acto e o fim que lhes convém; ela é a própria razão
eterna do Criador e governador do universo».83
O
homem pode reconhecer o bem e o mal, graças àquele discernimento entre o bem e
o mal que ele mesmo realiza com a sua razão, em particular com a sua razão
iluminada pela Revelação divina e pela fé, em virtude da lei que Deus outorgou
ao povo eleito, a começar pelos mandamentos do Sinai. Israel foi chamado a
acolher e viver a lei de Deus como particular dom e sinal da eleição e da
Aliança divina, e, ao mesmo tempo, como garantia da bênção de Deus. Assim, Moisés
podia dirigir-se aos filhos de Israel, perguntando-lhes: «Que povo há tão
grande que tenha deuses como o Senhor, nosso Deus, sempre pronto a atender-nos
quando O invocamos? Qual é o grande povo, que possua mandamentos e preceitos
tão justos como esta Lei que hoje vos apresento? (Dt 4, 7-8). Nos
Salmos, encontramos os sentimentos de louvor, gratidão e veneração que o povo
eleito é chamado a nutrir pela lei de Deus, a par da exortação a conhecê-la,
meditá-la e levá-la à vida: «Feliz do homem que não segue o conselho dos
ímpios, não se detém no caminho dos pecadores, nem toma assento na reunião dos
enganadores; antes, põe o seu enlevo na lei do Senhor e sobre ela medita, dia e
noite» (Sal 1, 1-2); «A lei do Senhor é perfeita, reconforta o
espírito; os Seus testemunhos são fiéis, tornam sábio o homem simples. Os Seus
mandamentos são rectos, deleitam o coração; os Seus preceitos são puros,
iluminam os olhos» (Sal 18 19, 8-9).
45.
A Igreja acolhe com gratidão e guarda com amor todo o depósito da Revelação, tratando-o
com religioso respeito e cumprindo a sua missão de interpretar autenticamente a
lei de Deus à luz do Evangelho. Além disso, a Igreja recebe como dom a nova
Lei, que é o «cumprimento» da lei de Deus em Jesus Cristo e no Seu Espírito: é
uma lei «interior» (cf. Jer 31, 31-33), «escrita, não com tinta, mas
com o Espírito de Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas em tábuas de carne,
nos nossos corações» (2 Cor 3, 3); uma lei de perfeição e de
liberdade (cf. 2 Cor 3, 17); é «a lei do Espírito de vida em Cristo
Jesus» (Rm 8, 2). A propósito desta lei, escreve S. Tomás: «Esta
pode ser denominada lei num duplo sentido. Primeiramente, lei do espírito é o
Espírito Santo (...) que, habitando na alma, não só ensina o que é necessário
realizar pela iluminação da inteligência sobre as coisas a serem cumpridas, mas
inclina também a agir com rectidão (...) Num segundo sentido, lei do espírito
pode designar o efeito próprio do Espírito Santo, ou seja, a fé que actua pela
caridade (Gál 5, 6), a qual, portanto, ensina interiormente sobre as coisas que
devem ser feitas (...) e inclina o afecto a agir».84
Apesar
de habitualmente, na reflexão teológico-moral, se distinguirem a lei de Deus
positiva ou revelada da lei natural, e, na economia da salvação, a lei «antiga»
da lei «nova», não se pode esquecer que estas e outras distinções úteis
referem-se sempre à lei, cujo autor é o mesmo e único Deus e o destinatário é o
homem. As diversas maneiras como, na história, Deus cuida do mundo e do homem,
não só não se excluem entre si, mas, pelo contrário, apoiam-se e compenetram-se
mutuamente. Todas elas derivam e terminam no sábio e amoroso desígnio eterno
com que Deus predestina os homens «a serem conformes à imagem do Seu Filho» (Rm
8, 29). Neste desígnio, não há qualquer ameaça à verdadeira liberdade do
homem: pelo contrário, o seu acolhimento é o único caminho para a afirmação da
liberdade.
«O que a lei ordena está escrito nos
seus corações» (Rm 2, 15)
46.
O suposto conflito entre liberdade e lei afirma-se hoje com especial intensidade
no caso da lei natural, e particularmente no que se refere à natureza. Na
verdade, os debates sobre natureza e liberdade acompanharam sempre a história
da reflexão moral, subindo de tom no Renascimento e na Reforma, como se pode
deduzir dos ensinamentos do Concílio de Trento. 85
A época contemporânea está caracterizada por uma tensão análoga, mesmo se num
sentido diferente: o gosto pela observação empírica, os processos de
objectivação científica, o progresso técnico e algumas formas de liberalismo
levaram a contrapor os dois termos, como se a dialéctica — senão mesmo o
conflito — entre liberdade e natureza fosse uma característica estrutural da
história humana. Noutras épocas, parecia que a «natureza» submetesse totalmente
o homem aos seus dinamismos e até aos seus determinismos. Ainda hoje, as
coordenadas espaço-temporais do mundo sensível, as constantes físico-químicas,
os dinamismos corpóreos, os impulsos psíquicos, os condicionamentos sociais parecem
ser, para muitos, os únicos factores realmente decisivos das realidades
humanas. Neste contexto, também os factos morais, não obstante a sua
especificidade, são com frequência tratados como se fossem dados
estatisticamente comprováveis, como comportamentos observáveis ou explicáveis
somente com as categorias dos mecanismos psicossociais. E assim alguns
estudiosos de ética, obrigados por profissão a examinar os factos e os gestos
do homem, podem ser tentados a medir a própria ciência, senão as suas
prescrições, baseando-se numa relação estatística dos comportamentos humanos
concretos e das opiniões morais da maioria.
Outros
moralistas, pelo contrário, preocupados em educar para os valores, mantêm-se
sensíveis ao prestígio da liberdade, mas com frequência concebem-na em
oposição, ou em contraste, com a natureza material e biológica, sobre a qual
deveria progressivamente ir-se afirmando. A propósito disto, diferentes
concepções convergem no facto de esquecerem a dimensão de criatura da natureza
e desconhecerem a sua totalidade. Para alguns, a natureza fica reduzida a simples
material ao dispor do agir humano e do seu poder: ela deveria ser profundamente
transformada, antes, superada pela liberdade, dado que constituiria um seu
limite e negação. Para outros, é na promoção ilimitada do poder humano ou da sua
liberdade, que se constituem os valores económicos, sociais, culturais e até
morais: a natureza serviria para significar tudo aquilo que no homem e no mundo
se coloca fora da liberdade. Tal natureza compreenderia, em primeiro lugar, o
corpo humano, a sua constituição e os seus dinamismos: a este dado físico,
opor-se-ia tudo o que é «construído», isto é, a «cultura», como obra e produto
da liberdade. A natureza humana, assim entendida, poderia ser reduzida e
tratada como mero material biológico ou social, sempre disponível. O que
significa, em última análise, definir a liberdade por si mesma, tornando-a uma
instância criadora de si própria e dos seus valores. Desta forma, no caso
extremo, o homem nem sequer teria natureza, e seria por si mesmo o próprio projecto
de existência. O homem nada mais seria que a sua liberdade!
47.
Neste contexto, surgiram as objecções de fisicismo e naturalismo contra a
concepção tradicional da lei natural: esta apresentaria como leis morais, leis
que, em si próprias, seriam somente biológicas. Assim, com grande
superficialidade, ter-se-ia atribuído a alguns comportamentos humanos um
carácter permanente e imutável e, nesta base, pretender-se-ia formular normas
morais válidas universalmente. Segundo alguns teólogos, semelhante «argumentação
biologista ou naturalista» estaria também presente em certos documentos do
Magistério da Igreja, especialmente naqueles que se referem ao âmbito da ética
sexual e matrimonial. Com base numa concepção naturalista do acto sexual,
teriam sido condenadas como moralmente inadmissíveis a contracepção, a
esterilização directa, a masturbação, as relações pré-matrimoniais, as relações
homossexuais, como também a fecundação artificial. Ora, segundo o parecer
destes teólogos, a avaliação moralmente negativa de tais actos não teria em
suficiente consideração o carácter racional e livre do homem, nem o condicionamento
cultural de cada norma moral. Dizem eles que o homem, como ser racional, não só
pode, mas até deve decidir livremente o sentido dos seus comportamentos. Este
«decidir o sentido» deverá ter em conta, obviamente, as múltiplas limitações do
ser humano, que possui uma condição corpórea e histórica.
Deverá,
além disso, tomar em consideração os modelos de comportamento e os significados
que estes assumem numa determinada cultura. E, sobretudo, deverá respeitar o
mandamento fundamental do amor de Deus e do próximo. Mas Deus — afirmam ainda —
fez o homem como um ser racionalmente livre, deixou-o «entregue à sua própria
decisão», e dele espera uma própria formação racional da sua vida. O amor do
próximo significaria sobretudo, ou mesmo exclusivamente, respeito pela livre
decisão de si próprio. Os mecanismos dos comportamentos típicos do homem e
também das chamadas «inclinações naturais», no máximo, estabeleceriam — como
dizem — uma orientação geral do comportamento correcto, mas não poderiam
determinar a avaliação moral de cada um dos actos humanos, tão complexos do
ponto de vista das situações.
48.
Perante uma tal interpretação, ocorre considerar atentamente a recta relação
que existe entre a liberdade e a natureza humana, e particularmente o lugar que
ocupa o corpo humano nas questões da lei natural.
Uma
liberdade, que pretenda ser absoluta, acaba por tratar o corpo humano como um
dado bruto, desprovido de significados e de valores morais enquanto aquela não
o tiver moldado com o seu projecto. Consequentemente, a natureza humana e o
corpo aparecem como pressupostos ou preliminares, materialmente necessários
para a opção da liberdade, mas extrínsecos à pessoa, ao sujeito e ao acto
humano. Os seus dinamismos não poderiam constituir pontos de referência para a
opção moral, uma vez que as finalidades destas inclinações seriam só bens
«físicos», chamados por alguns «pré-morais». Fazer-lhes referência, para procurar
indicações racionais sobre a ordem da moralidade, deveria ser qualificado como
fisicismo ou biologismo. Em semelhante contexto, a tensão entre a liberdade e
uma natureza concebida em sentido redutivo, termina numa divisão no mesmo
homem.
Esta
teoria moral não está de acordo com a verdade sobre o homem e sobre a sua
liberdade. Contradiz os ensinamentos da Igreja sobre a unidade do ser humano,
cuja alma racional é per se et essentialiter a forma do corpo. 86 A alma espiritual e imortal é o princípio
de unidade do ser humano, é aquilo pelo qual este existe como um todo — «corpore
et anima unus» 87 — enquanto
pessoa. Estas definições não indicam apenas que o corpo, ao qual é prometida a
ressurreição, também participará da glória; elas lembram igualmente a ligação
da razão e da vontade livre com todas as faculdades corpóreas e sensíveis. A
pessoa, incluindo o corpo, está totalmente confiada a si própria, e é na
unidade da alma e do corpo que ela é o sujeito dos próprios actos morais. A
pessoa, através da luz da razão e do apoio da virtude, descobre no seu corpo os
sinais prévios, a expressão e a promessa do dom de si, de acordo com o sábio
desígnio do Criador. É à luz da dignidade da pessoa humana — que se afirma por
si própria — que a razão depreende o valor moral específico de alguns bens, aos
quais a pessoa está naturalmente inclinada. E tendo em vista que a pessoa
humana não é redutível a uma liberdade que se autoprojecta, mas comporta uma
estrutura espiritual e corpórea determinada, a exigência moral originária de
amar e respeitar a pessoa como um fim e nunca como um simples meio, implica
também, intrinsecamente, o respeito de alguns bens fundamentais, sem os quais
cai-se no relativismo e no arbitrário.
49.
Uma doutrina que separe o acto moral das dimensões corpóreas do seu exercício,
é contrária aos ensinamentos da Sagrada Escritura e da Tradição: essa doutrina
faz reviver, sob novas formas, alguns velhos erros sempre combatidos pela
Igreja, porquanto reduzem a pessoa humana a uma liberdade «espiritual»,
puramente formal. Esta redução desconhece o significado moral do corpo e dos
comportamentos que a ele se referem (cf. 1 Cor 6, 19). O apóstolo
Paulo declara excluídos do Reino dos céus os «imorais, idólatras, adúlteros,
efeminados, sodomitas, ladrões, avarentos, bêbados, maldizentes e salteadores» (cf.
1 Cor 6, 9-10). Tal condenação — assumida pelo Concílio de Trento 88 — enumera como «pecados mortais», ou
«práticas infames», alguns comportamentos específicos, cuja aceitação
voluntária impede os crentes de terem parte na herança prometida. De facto,
corpo e alma são inseparáveis: na pessoa, no agente voluntário e no acto
deliberado, eles salvam-se ou perdem-se juntos.
50.
Pode-se agora compreender o verdadeiro significado da lei natural: ela refere-se
à natureza própria e original do homem, à «natureza da pessoa humana»,89 que é a própria pessoa na unidade de alma
e corpo, na unidade das suas inclinações tanto de ordem espiritual como
biológica, e de todas as outras características específicas, necessárias para a
obtenção do seu fim. «A lei moral natural exprime e prescreve as finalidades,
os direitos e os deveres que se fundamentam sobre a natureza corporal e
espiritual da pessoa humana. Portanto, não pode ser concebida como uma
tendência normativa meramente biológica, mas deve ser definida como a ordem
racional segundo a qual o homem é chamado pelo Criador a dirigir e regular a
sua vida e os seus actos e, particularmente, a usar e dispor do próprio corpo».90 Por exemplo, a origem e o fundamento do
dever de respeitar absolutamente a vida humana devem-se encontrar na dignidade
própria da pessoa, e não simplesmente na inclinação natural para conservar a
própria vida física. Assim, a vida humana, mesmo sendo um bem fundamental do
homem, ganha um significado moral pela referência ao bem da pessoa, que deve
ser sempre afirmada por si própria: enquanto é sempre moralmente ilícito matar
um ser humano inocente, pode ser lícito, louvável ou até mesmo obrigatório dar
a própria vida (cf. Jo 15, 13) por amor do próximo ou em testemunho
da verdade. Na realidade, só fazendo referência à pessoa humana na sua
«totalidade unificada», ou seja, «alma que se exprime no corpo e corpo
informado por um espírito imortal»,91
pode ser lido o significado especificamente humano do corpo. Com efeito, as
inclinações naturais adquirem dimensão moral, apenas enquanto se referem à
pessoa humana e à sua autêntica realização, a qual, por seu lado, pode
acontecer sempre e somente na natureza humana. Rejeitando as manipulações da
corporeidade que alteram o seu significado humano, a Igreja serve o homem
indicando-lhe o caminho do verdadeiro amor, o único onde ele pode encontrar o
verdadeiro Deus.
A
lei natural, assim entendida, não deixa espaço à divisão entre liberdade e
natureza. De facto, estas estão harmonicamente ligadas entre si, e intimamente
aliadas uma à outra.
«Mas ao princípio não foi assim» (Mt
19, 8)
51.
O suposto conflito entre liberdade e natureza repercute-se também sobre a
interpretação de alguns aspectos específicos da lei natural, sobretudo da sua
universalidade e imutabilidade. «Onde estão, pois, escritas estas regras —
perguntava-se S. Agostinho — a não ser no livro daquela luz que se chama
verdade? Daqui, portanto, é ditada toda a lei justa e se transfere directamente
ao coração do homem que pratica a justiça, não vivendo aí como estrangeira, mas
quase que imprimindo-se nele, à semelhança da imagem que passa do anel à cera,
sem abandonar todavia o anel».92
Precisamente
graças a esta «verdade», a lei natural implica a universalidade. Aquela,
enquanto inscrita na natureza racional da pessoa, impõe-se a todo o ser dotado
de razão e presente na história. Para se aperfeiçoar na sua ordem específica, a
pessoa deve fazer o bem e evitar o mal, deve vigiar pela transmissão e conservação
da vida, aperfeiçoar e desenvolver as riquezas do mundo sensível, promover a
vida social, procurar o verdadeiro, praticar o bem, contemplar a beleza. 93
A
cisão criada por alguns entre a liberdade dos indivíduos e a natureza comum a
todos, como emerge de certas teorias filosóficas de grande repercussão na
cultura contemporânea, obscurece a percepção da universalidade da lei moral por
parte da razão. Mas, enquanto exprime a dignidade da pessoa humana e põe a base
dos seus direitos e deveres fundamentais, a lei natural é universal nos seus
preceitos e a sua autoridade estende-se a todos os homens. Esta universalidade
não prescinde da individualidade dos seres humanos, nem se opõe à unicidade e
irrepetibilidade de cada pessoa: pelo contrário, abraça pela raiz, cada um dos
seus actos livres, que devem atestar a universalidade do verdadeiro bem.
Submetendo-se à lei comum, os nossos actos edificam a verdadeira comunhão das
pessoas e, pela graça de Deus, exercem a caridade, «vínculo da perfeição» (Col
3, 14). Quando, pelo contrário, desconhecem ou simplesmente ignoram a
lei, de forma imputável ou não, os nossos actos ferem a comunhão das pessoas,
com prejuízo para todos.
52.
É justo e bom, sempre e para todos, servir a Deus, prestar-Lhe o culto devido e
honrar verdadeiramente os pais. Tais preceitos positivos, que prescrevem
cumprir certas acções e promover determinadas atitudes, obrigam universalmente;
são imutáveis; 94 congregam no
mesmo bem comum todos os homens de cada época da história, criados para «a
mesma vocação e o mesmo destino divino».95 Estas leis universais e
permanentes correspondem a conhecimentos da razão prática e são aplicadas aos
actos particulares através do juízo da consciência. O sujeito agente assimila
pessoalmente a verdade contida na lei: apropria- -se, faz sua esta verdade do
seu ser, mediante os actos e as correlativas virtudes. Os preceitos negativos
da lei natural são universalmente válidos: obrigam a todos e cada um, sempre e
em qualquer circunstância. Trata-se, com efeito, de proibições que vetam uma
determinada acção semper et pro semper, sem excepções, porque a escolha de um
tal comportamento nunca é compatível com a bondade da vontade da pessoa que
age, com a sua vocação para a vida com Deus e para a comunhão com o próximo. É
proibido a cada um e sempre infringir preceitos que vinculam, todos e a
qualquer preço, a não ofender em ninguém e, antes de mais, em si próprio, a
dignidade pessoal e comum a todos.
Por
outro lado, o facto de que apenas os mandamentos negativos obrigam sempre e em
qualquer circunstância, não significa que na vida moral as proibições sejam
mais importantes que o compromisso de praticar o bem indicado pelos mandamentos
positivos. O motivo é sobretudo o seguinte: o mandamento do amor de Deus e do
próximo não tem, na sua dinâmica positiva, qualquer limite superior, mas possui
limite inferior, abaixo do qual se viola o mandamento. Além disso, o que deve
ser feito numa determinada situação depende das circunstâncias, que não se
podem prever todas de antemão; pelo contrário, há comportamentos que em nenhuma
situação e jamais podem ser uma resposta adequada — isto é, conforme à
dignidade da pessoa. Enfim, é sempre possível que o homem, por coacção ou por
outras circunstâncias, seja impedido de levar a cabo determinadas acções boas;
porém, nunca pode ser impedido de não fazer certas acções, sobretudo se ele
está disposto a morrer antes que fazer o mal.
A
Igreja sempre ensinou que nunca se devem escolher comportamentos proibidos
pelos mandamentos morais, expressos de forma negativa no Antigo e no Novo
Testamento. Como vimos, Jesus mesmo reitera a irrevogabilidade destas
proibições: «Se queres entrar na vida, cumpre os mandamentos (...): não
matarás; não cometerás adultério; não roubarás, não levantarás falso testemunho»
(Mt 19, 17-18).
(Nota: Revisão da tradução para português por ama)
______________________________________________________
Notas (italiano):
83 Lett. enc. Libertas praestantissimum (20
giugno 1888): Leonis XIII P.M. Acta, VIII, Romae 1889, 219.
84 In Epistulam ad Romanos, c. VIII, lect.
1.
85 Cf Sess. VI, Decr. sulla giustificazione
Cum hoc tempore, cap. 1: DS, 1521.
86 Cf Conc. Ecum. Viennens., Cost. Fidei
catholicae: DS, 902; Conc. Ecum. Lateranens. V, Bolla Apostolici regiminis: DS,
1440.
87 Conc. Ecum. Vat. II, Cost. past. sulla
Chiesa nel mondo contemporaneo Gaudium et spes, 14.
88 Cf Sess. VI, Decr. sulla giustificazione
Cum hoc tempore, cap. 15: DS, 1544. L'Esortazione apostolica post-sinodale,
circa la riconciliazione e la penitenza nella missione della Chiesa oggi, cita
altri testi dell'Antico e del Nuovo Testamento, che riprovano quali peccati
mortali alcuni comportamenti dipendenti dal corpo: cf Reconciliatio et
paenitentia (2 dicembre 1984), 17: AAS 77 (1985), 218-223.
89 Conc. Ecum. Vat. II, Cost. past. sulla
Chiesa nel mondo contemporaneo Gaudium et spes, 51.
90 Congregazione per la Dottrina della
Fede, Istruzione sul rispetto della vita umana nascente e la dignità della
procreazione Donum vitae (22 febbraio 1987), Introd. 3: AAS 80 (1988), 74; cf
Paolo VI, Lett. enc. Humanae vitae (25 luglio 1968), 10: AAS 60 (1968),
487-488.
91 Esort. ap. Familiaris consortio (22
novembre 1981), 11: AAS 74 (1982), 92.
92 De Trinitate, XIV, 15, 21: CCL 50/A,
451.
93 Cf S. Tommaso d'Aquino, Summa
Theologiae, I-II, q. 94, a. 2.
94 Cf Conc. Ecum. Vat. II, Cost. past.
sulla Chiesa nel mondo contemporaneo Gaudium et spes, 10; S. Congregazione per
la Dottrina della Fede, Dich. su alcune questioni di etica sessuale Persona
humana (29 dicembre 1975), 4: AAS 68 (1976), 80: «In realtà, la rivelazione
divina e, nel suo proprio ordine, la sapienza filosofica, mettendo in rilievo
esigenze autentiche dell'umanità, perciò stesso manifestano necessariamente
l'esistenza di leggi immutabili, inscritte negli elementi costitutivi della
natura umana e che si manifestano identiche in tutti gli esseri dotati di
ragione».
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