Em
seguida se tratará do conhecimento dos anjos quanto às coisas que conhecem.
Primeiro, do conhecimento dos seres imateriais. Segundo, do conhecimento das
coisas materiais.
Sobre
o primeiro ponto três artigos se discutem:
Art.
1 — Se o anjo se conhece a si mesmo.
Art.
2 — Se um anjo conhece outro.
Art.
3 — Se os anjos, pelas suas faculdades naturais, podem conhecer a Deus.
Art. 1 — Se o anjo se conhece a si
mesmo.
(II
Cont. Gent., cap. XCVIII; De Verit., q. 8, a. 6; III De Anima, lect. IX; De
Causis, lect. XIII)
O
primeiro discute-se assim. — Parece que o anjo não se conhece a si mesmo.
1.
— Pois, diz Dionísio que os anjos ignoram as próprias virtudes 1. Ora, conhecida a substância, conhecida
está a virtude. Logo, o anjo não conhece a sua essência.
2.
Demais. — O anjo é uma substância singular; do contrário, não agiria, pois, os
actos são próprios dos seres singulares subsistentes. Ora, não sendo nenhum
singular inteligível, não pode ser inteligido; e, assim, como o anjo só tem o
conhecimento intelectual, nenhum anjo poderá conhecer-se a si mesmo.
3.
Demais. — O intelecto move-se pelo inteligível, pois, o inteligir é certo modo
de padecer, como diz Aristóteles 2.
Ora, nada se move ou não por si mesmo, como se vê pelas coisas corpóreas. Logo,
o anjo não pode inteligir-se a si mesmo.
Mas,
em contrário, diz Agostinho, que o anjo, na sua própria conformação, isto é, na
iluminação da verdade se conhece a si mesmo 3.
Como já ficou dito 4, o objecto
comporta-se diferentemente em relação à acção imanente no sujeito e à
transitiva para algo externo. Pois, nesta última, o objecto ou a matéria, para
a qual passa o acto, é separada do agente, como, p. ex., o ser aquecido, do que
aquece, e o edifício, do edificador. Mas, para que a acção imanente resulte, é
necessário, que o objecto se una com o agente; assim, é necessário que o
sensível se una com o sentido para que este se actualize. De modo que o objecto
unido com a potência, está para tal acção como forma, princípio de acção nos
outros agentes; pois, como o calor é o princípio formal da calefacção, no fogo,
assim a espécie da coisa vista é o princípio formal da visão nos olhos.
Mas
devemos considerar que tal espécie do objecto, ora está na faculdade
cognoscitiva, em potência somente e, então, esta só em potência conhece; sendo,
para que conheça em acto, é necessário que a faculdade cognoscitiva esteja
reduzida ao acto da espécie. Se, porém, a faculdade tiver a espécie sempre em
acto, então por esta pode conhecer sem nenhuma mutação ou recebimento
precedente. Donde resulta que ser movido pelo objecto não é da essência do ser
conhecente como tal, mas enquanto é potência cognoscitiva. E não importa para
ser a forma princípio de ação, que ela própria seja às vezes inerente, e que
seja por si subsistente; pois, o calor não aqueceria menos se fosse por si
subsistente, do que aquece sendo inerente. Portanto, se há algum ser que, no
género dos inteligíveis, se comporte como forma inteligível subsistente, esse
intelige-se a si mesmo. O anjo, porém, sendo imaterial, é uma forma subsistente
e, assim, inteligível em acto. Donde resulta que, pela sua forma, que é a sua
substância, intelige-se a si mesmo.
DONDE
A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A citação é de antiga tradução, corrigida pela
nova, que diz: além disso também eles mesmos, isto é., os anjos, terem
conhecido as próprias virtudes; e em lugar disto estava na antiga tradução: e
além disso eles ignorarem as próprias virtudes. Embora também se possa
conservar a letra da antiga tradução, quanto a este ponto, que os anjos não
conhecem perfeitamente a sua virtude, enquanto procedente da ordem da sabedoria
divina, incompreensível para eles.
RESPOSTA
À SEGUNDA. — Nós não inteligimos as coisas corpóreas singularmente, não em
razão da singularidade, mas da matéria que é nelas o princípio de individuação.
Donde, se alguns seres singulares forem subsistentes, sem matéria, como os
anjos, nada impede que sejam inteligíveis em acto.
RESPOSTA
À TERCEIRA. — Ser movido e padecer convém ao intelecto em potência; por isso,
não tem lugar no intelecto angélico, sobretudo quanto ao inteligir-se este a si
mesmo. Pois, a acção do intelecto não é da mesma natureza que a dos corpos,
transeunte para outra matéria.
(Nota:
Revisão da tradução para português por AMA)
S.TOMÁS
DE AQUINO, Suma Teológica,
______________________________
Notas
:
1.
Angel. Hierarch., cap. VI.
2.
III de anima (lect. VII).
3.
II Super Genes. ad litteram (cap. VIII).
4.
Q. 14, a. 2; q. 54, a. 2.
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