10/04/2012

Malhadinha

Navegando pela minha cidade

– Ah, Liudmila, não quero que sejas jovem e bonita, quero apenas que o teu coração seja bondoso, e não apenas para os gatos e os cães! 

Agora, no convés do barco, recordava (pela primeira vez sem acusar os outros e sem gostar apenas de si própria) as palavras amargas que tinha ouvido durante a sua vida… Uma vez viu o marido ironizar, falando ao telefone: “Desde que arranjámos um gatinho, oiço a voz carinhosa da minha mulher.”
 A mãe disse-lhe uma vez: “ Liudmila, como é que podes recusar uma esmola aos pedintes, pensa só: um faminto está a pedir-te, a ti, uma pessoa farta…” ][1]

Há qualquer coisa de muito errado na – cada vez mais frequente – humanização dos animais. Sim, parece-me que há qualquer coisa civilizacionalmente perversa neste constante aumentar de clínicas; de alimentos; de hotéis e de “direitos” para animais.

Talvez a perversidade que intuo mais do que realizo seja, não uma causa mas sim uma consequência. Isto é, humanizam-se os animais porque o homens se desumanizam. Será isto?

Ou será simplesmente a expressão de sentimentos superficiais e, por esta mesma superficialidade, não ter real e efectiva substância? Uma expressão setimentaloide de uma classe pequeno-burguesa e urbano decadente que enquanto atira as crianças para creches e os pais para asilos, sacrifica-se, sofre e priva-se de muito para ter o seu cão ou o seu gato.

Vejamos. Ainda há cerca de duas semanas, vários postes de electricidade da nova variante que rodeia a Prelada e liga esta zona à Circunvalação tinham colados este aviso da Associação Animais da Quinta: Malhadinha – Esta cadelinha foi encontrada na rua. É novinha, meiguinha, brincalhona, de porte pequeno/médio. Alguém pode acolher esta menina tão bonita?
E mais abaixo, depois de vários retratos do bicho: Todos os nossos animais são entregues vacinados, desparasitados, esterilizados (adultos) e com micro-chip de identificação. As famílias interessadas em adoptar os nossos animais têm que assinar um Termo de Responsabilidade, comprometendo-se a prestar-lhes cuidados médicos, alimentação adequada e integração absoluta no seio familiar durante toda a sua longa vida. Reservamo-nos o direito de entregar o animal na sua futura morada, bem como a futuras visitas, com o objectivo de avaliar a evolução da adopção.

Sim, há qualquer coisa de muito perverso e obsceno nesta cultura: integração absoluta no seio familiar? O que é que isto significa verdadeiramente? O animal passa a ser uma espécie de irmão, de pai, de filho?

Mas há mais. Fui à NET, ao site desta Associação e li o seguinte debaixo da fotografia de um cão preto e branco: Já temos a realização da análise, o tumor é um sarcoma. Não há grande coisa a fazer, é esperar e dar o que for possível para ter qualidade de vida. Mas apesar de tudo o nosso Douro está super bem disposto, farta-se de correr atrás dos gatos da Fat com cara de “vou-te comer!!!”
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O nosso velhinho Douro foi operado de urgência ontem (20/03). Suspeitamos que algo estaria mal porque o encontramos muito apático, o que não era normal. Fomos ao veterinário, fez uma radiografia e ecografia que revelaram uma massa na zona do fígado. Para sabermos ao certo qual o problema do Dourinho tivemos que optar pela cirurgia. Ficamos a saber que era um tumor no fígado, foi extraído e mandado para análise. Aguardamos os resultados.

Mais uma cirurgia para pagar … se nos quiser ajudar a liquidar esta despesa, p.f. envie o seu donativo para a nossa conta: 0033 0000 4531 2549 446 05 (Millennium BCP)

O Douro agradece e nós também!

Ah! Liudmilas! Ah! Liudmilas que encheis os corações com amores caninos e ignorais os humanos!

Ah! Liudmilas fartas.


Afonso Cabral


[1]  Vasili Crossman – Vida e Destino – Publicações Dom  Quixote, 2011 – pág. 137

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