27/04/2012

Leitura Espiritual para 27 Abr 2012

Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemariaCaminho 116)


Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.


Para ver, clicar SFF.
Evangelho: Jo 4, 19-42

19 A mulher disse-Lhe: «Senhor, vejo que és profeta. 20 Nossos pais adoraram sobre este monte e vós dizeis que em Jerusalém é o lugar onde se deve adorar». 21 Jesus disse-lhe: «Mulher, acredita-Me que é chegada a hora em que não adorareis o Pai nem neste monte nem em Jerusalém. 22 Vós adorais o que não conheceis, nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. 23 Mas vem a hora, e já chegou, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade, porque é destes adoradores que o Pai deseja. 24 Deus é espírito, e em espírito e verdade é que O devem adorar os que O adoram». 25 A mulher disse-Lhe: «Eu sei que deve vir o Messias, que se chama Cristo; quando, pois, Ele vier, nos manifestará todas as coisas». 26 Jesus disse-lhe: «Sou Eu, que estou a falar contigo». 27 Nisto chegaram os Seus discípulos, e admiraram-se de que estivesse a falar com uma mulher. Nenhum, contudo, Lhe disse: «Que é o que queres?», ou: «Por que falas com ela?». 28 A mulher, então, deixou a bilha, foi à cidade e disse àquela gente: 29 «Vinde ver um homem que me disse tudo o que eu fiz; será este, porventura, o Cristo?». 30 Eles saíram da cidade e foram ter com Jesus. 31 Entretanto, os Seus discípulos instavam com Ele, dizendo: «Mestre, come». 32 Mas Ele respondeu-lhes: «Eu tenho um alimento para comer que vós não sabeis». 33 Pelo que diziam entre si os discípulos: «Será que alguém Lhe trouxe de comer?». 34 Jesus disse-lhes: «A Minha comida é fazer a vontade d'Aquele que Me enviou e realizar a Sua obra. 35 «Não dizeis vós que “ainda há quatro meses até à ceifa”? Mas Eu digo-vos: Levantai os olhos e vede os campos que já estão brancos para a ceifa! 36 O que ceifa recebe recompensa e junta o fruto para a vida eterna, para que assim o que semeia, como o que ceifa, se regozijem juntamente. 37 Porque nisto se verifica o ditado: Um é o que semeia, e outro o que ceifa. 38 Eu enviei-vos a ceifar o que vós não trabalhastes; outros trabalharam e vós recolheis o fruto dos seus trabalhos». 39 Muitos samaritanos daquela cidade acreditaram em Jesus por causa da palavra daquela mulher que dava este testemunho: «Ele disse-me tudo o que fiz!». 40 Vindo, pois, ter com Jesus os samaritanos, pediram-Lhe que ficasse com eles. Ficou lá dois dias. 41 Muitos mais acreditaram n'Ele em virtude da Sua palavra. 42 E diziam à mulher: «Já não é pela tua palavra que acreditamos n'Ele, mas porque nós próprios O ouvimos e sabemos que Ele é verdadeiramente o Salvador do mundo!».





Ioannes Paulus PP. II
Laborem exercens
dirigida aos veneráveis Irmãos no Episcopado
aos Sacerdotes
às Famílias religiosas
aos Filhos e Filhas da Igreja
e a todos os Homens de Boa Vontade
sobre o Trabalho Humano no 90° aniversário da
Rerum Novarum

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É sabido que, durante todo este período, o qual aliás ainda não terminou, o problema do trabalho foi sendo posto no clima do grande conflito que, na época do desenvolvimento industrial e em ligação com ele, se manifestou entre o «mundo do capital» e o «mundo do trabalho»; ou seja, entre o grupo restrito, mas muito influente, dos patrões e empresários, dos proprietários ou detentores dos meios de produção, e a multidão mais numerosa da gente que se achava privada de tais meios e que participava no processo de produção, mas isso exclusivamente mediante o seu trabalho. Tal conflito foi originado pelo facto de que os operários punham as suas forças à disposição do grupo dos patrões e empresários, e de que este, guiado pelo princípio do maior lucro da produção, procurava manter o mais baixo possível o salário para o trabalho executado pelos operários. A isto há que juntar ainda outros elementos de exploração, ligados com a falta de segurança no trabalho e também com a ausência de garantias quanto às condições de saúde e de vida dos mesmos operários e das suas famílias.

Este conflito, interpretado por alguns como conflito sócio-económico com carácter de classe, encontrou a sua expressão no conflito ideológico entre o liberalismo, entendido como ideologia do capitalismo, e o marxismo, entendido como ideologia do socialismo científico e do comunismo, que pretende intervir na qualidade de porta-voz da classe operária, de todo o proletariado mundial. Deste modo, o conflito real que existia entre o mundo do trabalho e o mundo do capital, transformou-se na luta de classe programada, conduzida com métodos não apenas ideológicos, mas também e sobretudo políticos. É conhecida a história deste conflito, como são conhecidas as exigências de uma e de outra parte. O programa marxista, baseado na filosofia de Marx e de Engels, vê na luta de classe o único meio para eliminar as injustiças de classe existentes na sociedade, e eliminar as mesmas classes. A realização deste programa propõe-se começar pela colectivização dos meios de produção, a fim de que, pela transferência destes meios das mãos dos privados para a colectividade, o trabalho humano seja preservado da exploração.

É para isto, pois, que tende a luta, conduzida com métodos não só ideológicos, mas também políticos. Os agrupamentos inspirados pela ideologia marxista como partidos políticos, em conformidade com o princípio da «ditadura do proletariado» e exercitando influências de diversos tipos, incluindo a pressão revolucionária, tendem para o monopólio do poder em cada uma das sociedades, a fim de introduzir nelas, mediante a eliminação da propriedade privada dos meios de produção, o sistema colectivista. Segundo os principais ideólogos e chefes deste vasto movimento internacional, a finalidade de tal programa de acção é a de levar a cabo a revolução social e introduzir no mundo inteiro o socialismo e, por fim, o sistema comunista.

Ao entrar rapidamente neste importantíssimo círculo de problemas, que constituem não apenas uma teoria, mas sim o tecido da vida socioeconómica, política e internacional da nossa época não se pode e nem sequer é necessário entrar em pormenores, porque tais problemas são conhecidos, quer graças a uma abundante literatura, quer a partir das experiências práticas. Em lugar disso, deve-se remontar do seu contexto até ao problema fundamental do trabalho humano, ao qual são especialmente dedicadas as considerações contidas no presente documento. Com efeito, é evidente que este problema capital, encarado sempre do ponto de vista do homem — problema que constitui uma das dimensões fundamentais da sua existência terrena e da sua vocação — não pode ser explicado se não for tido em conta o contexto global da realidade contemporânea.

12. Prioridade do trabalho

Diante da realidade dos dias de hoje, em cuja estrutura se encontram marcas bem profundas de tantos conflitos, causados pelo homem, e na qual os meios técnicos — fruto do trabalho humano — desempenham um papel de primeira importância (pense-se ainda, aqui neste ponto, na perspectiva de um cataclismo mundial na eventualidade de uma guerra nuclear, cujas possibilidades de destruição seriam quase inimagináveis), deve recordar-se, antes de mais nada, um princípio ensinado sempre pela Igreja. É o princípio da prioridade do «trabalho» em confronto com o «capital». Este princípio diz respeito directamente ao próprio processo de produção, relativamente ao qual o trabalho é sempre uma causa eficiente primária, enquanto o «capital», sendo o conjunto dos meios de produção, permanece apenas um instrumento, ou causa instrumental. Este princípio é uma verdade evidente, que resulta de toda a experiência histórica do homem.

Quando lemos no primeiro capítulo da Bíblia que o homem tem o dever de «submeter a terra», nós ficamos a saber que estas palavras se referem a todos os recursos que o mundo visível encerra em si e que estão postos à disposição do homem. Tais recursos, no entanto, não podem servir ao homem senão mediante o trabalho. E com o trabalho permanece igualmente ligado, desde o princípio, o problema da propriedade. Com efeito, para fazer com que sirvam para si e para os demais os recursos escondidos na natureza, o homem tem como único meio o seu trabalho; e para fazer com que frutifiquem tais recursos, mediante o seu trabalho, o homem apossa-se de pequenas porções das variadas riquezas da natureza: do subsolo, do mar, da terra e do espaço. De tudo isso ele se apropria para aí assentar o seu posto de trabalho. E apropria-se disso mediante o trabalho e para poder ulteriormente ter trabalho.

O mesmo princípio se aplica, ainda, às fases sucessivas deste processo, no qual a primeira fase continua a ser sempre a relação do homem com os recursos e as riquezas da natureza. Todo o esforço do conhecimento com que se tende a descobrir tais riquezas e a determinar as diversas possibilidades de utilização das mesmas por parte do homem e para o homem, leva-nos a tomar consciência do seguinte: que tudo aquilo que no complexo da actividade económica provém do homem — tanto o trabalho, como o conjunto dos meios de produção e a técnica a eles ligada (isto é, a capacidade de utilizar tais meios no trabalho) — pressupõe estas riquezas e estes recursos do mundo visível, que o homem encontra, mas não cria. Ele encontra-os, em certo sentido, já prontos e preparados para serem descobertos pelo seu conhecimento e para serem utilizados correctamente no processo de produção. Em qualquer fase do desenvolvimento do seu trabalho, o homem depara com o facto da principal doação da parte da «natureza», o que equivale a dizer, em última análise, da parte do Criador. No princípio do trabalho humano está o mistério da Criação. Esta afirmação, já indicada como ponto de partida, constitui o fio condutor do presente documento e será mais desenvolvida ainda, na parte final das presentes reflexões.

A consideração do mesmo problema, que se fará em seguida, há-de confirmar-nos na convicção quanto à prioridade do trabalho humano no confronto com aquilo que, com o tempo, passou a ser habitual chamar-se «capital». Com efeito, se no âmbito deste último conceito entram, além dos recursos da natureza postos à disposição do homem, também aquele conjunto de meios pelos quais o homem se apropria dos recursos da natureza, transformando-os à medida das suas necessidades (e deste modo, nalgum sentido, «humanizando-os»), então há que fixar desde já a certeza de que tal conjunto de meios é o fruto do património histórico do trabalho humano. Todos os meios de produção, desde os mais primitivos até aos mais modernos, foi o homem quem os elaborou: a experiência e a inteligência do homem. Deste modo foram aparecendo não só os instrumentos mais simples que servem para o cultivo da terra, mas também — graças a um adequado progresso da ciência e da técnica — os mais modernos e os mais complexos: as máquinas, as fábricas, os laboratórios e os computadores. Assim, tudo aquilo que serve para o trabalho, tudo aquilo que, no estado actual da técnica, constitui dele «instrumento» cada dia mais aperfeiçoado, é fruto do mesmo trabalho.

Esse instrumento gigantesco e poderoso — qual é o conjunto dos meios de produção, considerados, até certo ponto, como sinónimo do «capital» — nasceu do trabalho e é portador das marcas do trabalho humano. No presente estádio do avanço da técnica, o homem, que é o sujeito do trabalho, quando quer servir-se deste conjunto de instrumentos modernos, ou seja, dos meios de produção, deve começar por assimilar, no plano do conhecimento, o fruto do trabalho dos homens que descobriram tais instrumentos, que os projectaram, os construíram e aperfeiçoaram, e que continuam a fazê-lo. A capacidade de trabalho — quer dizer, de participar eficazmente no processo moderno de produção — exige uma preparação cada vez maior e, primeiro que tudo, uma instrução adequada. Obviamente, permanece fora de dúvidas que todos os homens que participam no processo de produção, mesmo no caso de executarem só aquele tipo de trabalho para o qual não são necessárias uma instrução particular e qualificações especiais, todos e cada um deles continuam a ser o verdadeiro sujeito eficiente, enquanto o conjunto dos instrumentos, ainda os mais perfeitos, são única e exclusivamente instrumentos subordinados ao trabalho do homem.

Esta verdade, que pertence ao património estável da doutrina da Igreja, deve ser sempre sublinhada, em relação com o problema do sistema de trabalho e igualmente de todo o sistema socioeconómico. É preciso acentuar e pôr em relevo o primado do homem no processo de produção, o primado do homem em relação às coisas. E tudo aquilo que está contido no conceito de «capital», num sentido restrito do termo, é somente um conjunto de coisas. Ao passo que o homem, como sujeito do trabalho, independentemente do trabalho que faz, o homem, e só ele, é uma pessoa. Esta verdade contém em si consequências importantes e decisivas.

13. «Economismo» e materialismo

À luz de tal verdade vê-se claramente, antes de mais nada, que não se podem separar o «capital» do trabalho e que de maneira nenhuma se pode contrapor o trabalho ao capital e o capital ao trabalho, e, menos ainda — como adiante se verá — se podem contrapor uns aos outros os homens concretos, que estão por detrás destes conceitos. Pode ser recto, quer dizer, em conformidade com a própria essência do problema, e recto ainda, porque intrinsecamente verdadeiro e ao mesmo tempo moralmente legítimo, aquele sistema de trabalho que, nos seus fundamentos, supera a antinomia entre trabalho e capital, procurando estruturar-se de acordo com o princípio em precedência enunciado: o princípio da prioridade substancial e efectiva do trabalho, da subjectividade do mesmo trabalho humano e da sua participação eficiente em todo o processo de produção, e isto independentemente da natureza dos serviços prestados pelo trabalhador.

A antinomia entre trabalho e capital não tem a sua fonte na estrutura do processo de produção, nem na estrutura do processo económico em geral. Este processo, de facto, manifesta a recíproca compenetração existente entre o trabalho e aquilo que se tornou habitual denominar o capital; mostra mesmo o laço indissolúvel entre as duas coisas. O homem, ao trabalhar em qualquer tarefa no seu posto de trabalho, seja este relativamente primitivo ou ultramoderno, pode facilmente cair na conta que, pelo seu trabalho, entra na posse de um duplo património; ou seja, do património daquilo que é dado a todos os homens, sob a forma dos recursos da natureza, e do património daquilo que os outros que o precederam já elaboraram, a partir da base de tais recursos, em primeiro lugar desenvolvendo a técnica, isto é, tornando realidade um conjunto de instrumentos de trabalho, cada vez mais aperfeiçoados. Assim, o homem, ao trabalhar, «aproveita do trabalho de outrem». 21 Nós aceitamos sem dificuldade esta visão assim do campo e do processo do trabalho humano, guiados tanto pela inteligência quanto pela fé, que vai aurir a luz na Palavra de Deus. Trata-se de uma visão coerente, teológica e, ao mesmo tempo, humanista. Nela, o homem aparece-nos como o «senhor» das criaturas, postas à sua disposição no mundo visível. E se no processo do trabalho alguma dependência se descobre, esta é a dependência do homem do Doador de todos os recursos da criação e, por outro lado, a dependência de outros homens, daqueles a cujo trabalho e a cujas iniciativas se devem as já aperfeiçoadas e ampliadas possibilidades existentes para o nosso trabalho. De tudo isto, que no processo de produção constitui um conjunto de «coisas», de instrumentos, do capital, podemos afirmar somente que «condiciona» o trabalho do homem; não podemos afirmar, porém, que isto constitua como que o «sujeito» anónimo que coloca em posição de dependência o homem e o seu trabalho.

A ruptura desta visão coerente, na qual se acha estritamente salvaguardado o princípio do primado da pessoa sobre as coisas, verificou-se no pensamento humano, algumas vezes depois de um longo período de incubação na vida prática. E operou-se de tal maneira que o trabalho foi separado do capital e contraposto mesmo ao capital, e por sua vez o capital contraposto ao trabalho, quase como se fossem duas forças anónimas, dois factores de produção, postos um juntamente com o outro na mesma perspectiva «economista». Em tal maneira de ver o problema, existiu o erro fundamental a que se pode chamar erro do «economismo», que se dá quando o trabalho humano é considerado exclusivamente segundo a sua finalidade económica. Também se pode e se deve chamar a este erro fundamental do pensamento um erro do materialismo, no sentido de que o «economismo» comporta, directa ou indirectamente, a convicção do primado e da superioridade daquilo que é material; ao passo que coloca, directa ou indirectamente, numa posição subordinada à realidade material, aquilo que é espiritual e pessoal (o agir do homem, os valores morais e semelhantes). Isso não é ainda o materialismo teórico, no sentido pleno da palavra; mas, certamente, é já um materialismo prático, o qual — não tanto em virtude das premissas derivantes da teoria materialista, mas sim em virtude de um modo determinado de avaliar as realidades, e portanto em virtude de uma certa hierarquia de bens, fundada na atracção imediata e mais forte daquilo que é material — é julgado capaz de satisfazer as necessidades do homem.

O erro de pensar segundo as categorias do «economismo» caminhou a «pari passu» com o nascimento da filosofia materialista e com o desenvolvimento de tal filosofia, desde a fase mais elementar e mais comum (também chamada materialismo vulgar, porque pretende reduzir a realidade espiritual a um fenómeno supérfluo), até à fase do que se denominou materialismo dialéctico. Parece, no entanto, que — no âmbito das presentes considerações — para o problema fundamental do trabalho humano e, em particular, para aquela separação e contraposição entre «trabalho» e «capital», como entre dois factores da produção considerados naquela mesma perspectiva «economista», acima referida, o «economismo» teve uma importância decisiva e influiu exactamente sobre este modo não humanista de pôr o problema, antes do sistema filosófico materialista. Contudo, é evidente que o materialismo, mesmo sob a sua forma dialéctica, não está em condições de proporcionar à reflexão sobre o trabalho humano bases suficientes e definitivas, para que o primado do homem sobre o instrumento-capital aí possa encontrar uma adequada e irrefutável verificação e um apoio. Mesmo no materialismo dialéctico não é o homem que, antes de tudo o mais, é o sujeito do trabalho humano e a causa eficiente do processo de produção; mas continua a ser compreendido e tratado na dependência daquilo que é material, como uma espécie de «resultante» das relações económicas e das relações de produção, predominantes numa época determinada.

Evidentemente, a antinomia, que estamos a considerar, entre o trabalho e o capital — a antinomia em cujo âmbito o trabalho foi separado do capital e contraposto a ele, num certo sentido ôntico, como se fosse um elemento qualquer do processo económico — tem a sua origem não apenas na filosofia e nas teorias económicas do século XVIII, mas também e muito mais em toda a prática económico-social desses tempos, que coincidem com a época em que nascia e se desenvolvia de modo impetuoso a industrialização, na qual se divisava, em primeiro lugar, a possibilidade de multiplicar abundantemente as riquezas materiais, isto é os meios, perdendo de vista o fim, quer dizer o homem, a quem tais meios devem servir. Foi exactamente este erro de ordem prática que atingiu, antes de mais nada, o trabalho humano, o homem do trabalho, e que causou a reacção social eticamente justa, da qual se falou mais acima. O mesmo erro, que agora já tem uma fisionomia histórica definida, ligada ao período do capitalismo e do liberalismo primitivos, pode repetir-se ainda, noutras circunstâncias de tempo e de lugar, se no modo de raciocinar se partir das mesmas premissas tanto teóricas como práticas. Não se vêem outras possibilidades de uma superação radical deste erro, a não ser que intervenham mudanças adequadas, quer no campo da teoria quer no da prática, mudanças que se atenham a uma linha de firme convicção do primado da pessoa sobre as coisas e do trabalho do homem sobre o capital, entendido como conjunto dos meios de produção.
14. Trabalho e propriedade

O processo histórico — aqui apresentado com brevidade — que indubitavelmente já saiu da sua fase inicial, mas continua ainda e tende mesmo para se tornar extensivo às relações entre nações e continentes, exige um esclarecimento também sob um outro ponto de vista. Quando se fala da antinomia entre trabalho e capital não se trata, como é evidente, apenas de conceitos abstractos e de «forças anónimas» que agem na produção económica. Por detrás de um e de outro dos dois conceitos há homens, os homens vivos e concretos. De um lado, aqueles que executam o trabalho sem serem proprietários dos meios de produção; e do outro lado, aqueles que desempenham a função de patrões e empresários e que são os proprietários de tais meios, ou então representam os proprietários. E assim, portanto, vem inserir-se no conjunto deste difícil processo histórico, desde o início, o problema da propriedade. A Encíclica Rerum Novarum, que tem por tema a questão social, põe em realce também este problema, recordando e confirmando a doutrina da Igreja sobre a propriedade e sobre o direito de propriedade privada, mesmo quando se trata dos meios de produção. E a Encíclica Mater et Magistra fez a mesma coisa.

O princípio a que se alude, conforme foi então recordado e como continua a ser ensinado pela Igreja, diverge radicalmente do programa do colectivismo, proclamado pelo marxismo e realizado em vários países do mundo, nos decénios que se seguiram à publicação da Encíclica de Leão XIII. E, ao mesmo tempo, ele difere também do programa do capitalismo, tal como foi posto em prática pelo liberalismo e pelos sistemas políticos que se inspiram no mesmo liberalismo. Neste segundo caso, a diferença está na maneira de compreender o direito de propriedade, precisamente. A tradição cristã nunca defendeu tal direito como algo absoluto e intocável; pelo contrário, sempre o entendeu no contexto mais vasto do direito comum de todos a utilizarem os bens da criação inteira: o direito à propriedade privada está subordinado ao direito ao uso comum, subordinado à destinação universal dos bens.

Por outras palavras, a propriedade, segundo o ensino da Igreja, nunca foi entendida de maneira a poder constituir um motivo de contraste social no trabalho. Conforme já foi recordado acima, a propriedade adquire-se primeiro que tudo pelo trabalho e para servir ao trabalho. E isto diz respeito de modo particular à propriedade dos meios de produção. Considerá-los isoladamente, como um conjunto à parte de propriedades, com o fim de os contrapor, sob a forma do «capital», ao «trabalho» e, mais ainda, com o fim de explorar o trabalho, é contrário à própria natureza de tais meios e à da sua posse. Estes não podem ser possuídos contra o trabalho, como não podem ser possuídos para possuir, porque o único título legítimo para a sua posse — e isto tanto sob a forma da propriedade privada como sob a forma da propriedade pública ou colectiva — é que eles sirvam ao trabalho; e que, consequentemente, servindo ao trabalho, tornem possível a realização do primeiro princípio desta ordem, que é a destinação universal dos bens e o direito ao seu uso comum. Sob este ponto de vista, em consideração do trabalho humano e do acesso comum aos bens destinados ao homem, é também para não excluir a socialização, dando-se as condições oportunas, de certos meios de produção. No espaço dos decénios que nos separam da publicação da Encíclica Rerum Novarum, o ensino da Igreja tem vindo sempre a recordar todos estes princípios, remontando aos argumentos formulados numa tradição bem mais antiga, por exemplo aos conhecidos argumentos da Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino. 22

No presente documento, que tem por tema principal o trabalho humano, convém confirmar todo o esforço com o qual o ensino da Igreja sobre a propriedade sempre procurou e procura assegurar o primado do trabalho e, por isso mesmo, a subjectividade do homem na vida social e, especialmente, na estrutura dinâmica de todo o processo económico. Deste ponto de vista, continua a ser inaceitável a posição do capitalismo «rígido», que defende o direito exclusivo da propriedade privada dos meios de produção, como um «dogma» intocável na vida económica. O princípio do respeito do trabalho exige que tal direito seja submetido a uma revisão construtiva, tanto em teoria como na prática. Com efeito, se é verdade que o capital — entendido como o conjunto dos meios de produção — é ao mesmo tempo o produto do trabalho de gerações, também é verdade que ele se cria incessantemente graças ao trabalho efectuado com a ajuda do mesmo conjunto dos meios de produção, que aparecem então como um grande posto de trabalho, junto do qual, dia-a-dia, a presente geração dos trabalhadores desenvolve a própria actividade. Trata-se aqui, como é óbvio, das diversas espécies de trabalho, não somente do trabalho chamado manual mas também das várias espécies de trabalho intelectual, desde o trabalho de concepção até ao de direcção.

Sob esta luz, as numerosas proposições enunciadas pelos peritos da doutrina social católica e também pelo supremo Magistério da Igreja 23 adquirem um significado de particular relevo. Trata-se de proposições que dizem respeito à compropriedade dos meios de trabalho, à participação dos trabalhadores na gestão e/ou nos lucros das empresas, o chamado «accionariado» do trabalho, e coisas semelhantes. Independentemente da aplicabilidade concreta destas diversas proposições, permanece algo evidente que o reconhecimento da posição justa do trabalho e do homem do trabalho no processo de produção exige várias adaptações, mesmo no âmbito do direito da propriedade dos meios de produção. Ao dizer isto, tomam-se em consideração, não só as situações mais antigas, mas também e antes de mais nada a realidade e a problemática que se criaram na segunda metade deste século, pelo que se refere ao Terceiro Mundo e aos diversos novos países independentes que foram aparecendo — especialmente na África, mas também noutras latitudes — no lugar dos territórios coloniais de outrora.

Se, por conseguinte, a posição do capitalismo «rígido» tem de ser continuamente submetida a uma revisão, no intuito de uma reforma sob o aspecto dos direitos do homem, entendidos no seu sentido mais amplo e nas suas relações com o trabalho, então, sob o mesmo ponto de vista, deve afirmar-se que estas reformas múltiplas e tão desejadas não podem ser realizadas com a eliminação apriorística da propriedade privada dos meios de produção. Convém, efectivamente, observar que o simples facto de subtrair esses meios de produção (o capital) das mãos dos seus proprietários privados não basta para os socializar de maneira satisfatória. Assim, eles deixam de ser a propriedade de um determinado grupo social, os proprietários privados, para se tornarem propriedade da sociedade organizada, passando a estar sob a administração e a fiscalização directas de um outro grupo de pessoas que, embora não tendo a propriedade, em virtude do poder que exercem na sociedade dispõem deles a nível da inteira economia nacional, ou então a nível da economia local.

Este grupo dirigente e responsável pode desempenhar-se das suas funções de maneira satisfatória, do ponto de vista do primado do trabalho; mas pode também cumpri-las mal, reivindicando ao mesmo tempo para si o monopólio da administração e da disposição dos meios de produção, sem se deter quanto a isso nem sequer diante da ofensa aos direitos fundamentais do homem. Desde modo, pois, o simples facto de os meios de produção passarem para a propriedade do Estado, no sistema colectivista, não significa só por si, certamente, a «socialização» desta propriedade. Poder-se-á falar de socialização somente quando ficar assegurada a subjectividade da sociedade, quer dizer, quando cada um dos que a compõem, com base no próprio trabalho, tiver garantido o pleno direito a considerar-se comproprietário do grande posto de trabalho em que se empenha juntamente com todos os demais. E uma das vias para alcançar tal objectivo poderia ser a de associar o trabalho, na medida do possível, à propriedade do capital e dar possibilidades de vida a uma série de corpos intermediários com finalidades económicas, sociais e culturais: corpos estes que hão-de usufruir de uma efectiva autonomia em relação aos poderes públicos e que hão-de procurar conseguir os seus objectivos específicos mantendo entre si relações de leal colaboração recíproca, subordinadamente às exigências do bem comum, e que hão-de, ainda, apresentar-se sob a forma e com a substância de uma comunidade viva; quer dizer, de molde a que neles os respectivos membros sejam considerados e tratados como pessoas e estimulados a tomar parte activa na sua vida. 24


(Nota: Revisão da tradução para português por ama)
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Notas (em latim):
(21) Cfr. Io. 4, 38.
(22) Circa ius proprietatis: cfr. Summa Th. II-II q. 66, aa. 2, 6; De Regiminis principum, 1. 1., cc. 15, 17. Quoad munus sociale proprietatis: Summa Th. II-II q. 134 a. 1 ad 3.
(23) Cfr. Pii PP. XI Litt. Enc. Quadragesimo anno: AAS 23 (1931), p. 199; Conc. Oec. Vat. II, Const. past. Gaudium et Spes de Ecclesia in mundo huius temporis, 68: AAS 58 (1966), pp. 1089 s.
(24) Cfr. Ioannis PP. XXIII Litt. Enc. Mater et Magistra: AAS 53 (1961), p. 419.

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