23/03/2012

Tratado dos Anjos 15

Questão 53: Do movimento local dos anjos.

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Art. 3 — Se o movimento do anjo é instantâneo.
(I Sent., dist. XXXVII, q. 4, a. 3; Quodl. IX, q. 4; XI, q. 4)

O terceiro discute-se assim. — Parece que o movimento do anjo é instantâneo.

1. — Pois, quanto mais forte for a virtude do motor, e quanto menos lhe resistir o móvel, tanto mais veloz será o movimento. Ora, a virtude do anjo, que se move a si mesmo, excede sem proporção a do motor de qualquer outro corpo. Ora, como as velocidades são inversamente proporcionais ao tempo, e como qualquer tempo é proporcional a outro, resulta que se um corpo qualquer se move no tempo, o anjo se move no instante.

2. Demais. — O movimento do anjo é mais simples do que quaisquer mutações corpóreas. Ora, certas são instantâneas, como a iluminação; quer esta não se realize sucessivamente, como a calefacção; quer o raio luminoso atinja o que está próximo primeiro que o remoto. Logo, com maior razão, o movimento do anjo se realiza no instante.

3. Demais. — Se o anjo se move, no tempo, de um lugar para outro, é claro que, no último instante desse tempo, está no ponto de chegada. E assim, em todo o tempo precedente, esteve ou num lugar imediatamente precedente, considerado como ponto de partida, ou, parte, em um e, parte, em outro. Se, porém, se der esta última hipótese, segue-se que o anjo é divisível, o que é impossível. Logo, em todo o tempo precedente, esteve no ponto de partida. E, logo, aí repousa, pois, estar em repouso é estar sempre no mesmo lugar, como já se disse [i]. Donde se segue que o anjo não se move senão no último instante do tempo.

Mas, em contrario, em toda mutação, há posições anteriores e posteriores. Ora, a prioridade e a posteridade, no movimento, contam-se pelo tempo. Logo, todo movimento se realiza no tempo, mesmo o do anjo, pois neste há posições anteriores e posteriores.

Alguns disseram que o movimento local do anjo é instantâneo; pois, movendo-se ele de um lugar para outro, esteve, em todo o tempo precedente, no ponto de partida; porém, no último instante desse tempo está no ponto de chegada. E nem é preciso haver um meio entre esses dois pontos, assim como nenhum meio há entre o tempo e o termo do mesmo; ao passo que, entre dois momentos do tempo, há um meio. E por isso diziam não ser possível admitir-se um último instante, em que o anjo estava no ponto de partida; assim como na iluminação e na geração substancial do fogo não se pode admitir um último instante em que o ar foi tenebroso, ou em que a matéria esteve sob a privação da forma ígnea, mas, sim, um último tempo tal que, no seu termo, há luz no ar ou forma ígnea na matéria. Assim, a iluminação e a geração substancial chamam-se movimentos instantâneos.

Mas tal explicação não colhe no caso vertente; o que assim se demonstra. Da natureza do corpo em repouso é não estar em lugares diferentes, em tempos diferentes; logo, em qualquer dos instantes no primeiro, no médio ou no último — do tempo que mede o repouso, o corpo está no mesmo lugar. Mas da essência do movimento é que o móvel esteja em lugares diferentes, em tempos diferentes, e, portanto, em posição diversa em qualquer instante do tempo que mede o movimento. Donde, no último momento, há-de o corpo ter uma forma que antes não tinha e, assim, é claro que permanecer sempre em alguma coisa, por ex., na brancura, é estar nela em qualquer instante de determinado tempo. E, por isso, não é possível que um móvel em todo tempo precedente repouse no ponto de partida e esteja, no último instante do seu tempo, no ponto de chegada. Mas isto é possível no movimento, porque mover-se num tempo total qualquer não é estar na mesma posição em qualquer instante desse tempo. Portanto, todas as mutações instantâneas são termos do movimento contínuo, assim como a geração é o termo da alteração da matéria e a iluminação, o do movimento local do corpo iluminador. Porém o movimento local do anjo não é o termo de nenhum outro movimento contínuo, mas é um movimento próprio independente. Donde, é impossível dizer-se que o anjo estava, num tempo total, em certo lugar, e, no último instante, em outro; mas é necessário determinar um instante em que esteve, ultimamente, no lugar precedente. Onde, porém, há muitos momentos sucedendo uns aos outros, ai há necessariamente tempo, pois este não é senão a sucessão do anterior e do posterior no movimento. Donde resulta que o movimento do anjo se realiza no tempo — contínuo se o seu movimento for contínuo; não contínuo, se assim o for. Pois tal movimento pode realizar-se desses dois modos, como já se disse [ii]. Ora, a continuidade do tempo provém da do movimento, como diz o Filósofo [iii].

Mas esse tempo, contínuo ou não, não é idêntico ao que mede o movimento do céu e pelo qual se medem todos os seres corpóreos, donde resulta a mutabilidade deles. Pois, o movimento do anjo não depende de tal movimento.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Se o tempo do movimento do anjo não for contínuo, mas uma sucessão dos instantes mesmos, não terá proporção com o tempo contínuo, que mede o movimento dos seres corpóreos, pois não tem a mesma natureza deste. Se porém for contínuo, terá a proporção dita, não por causa do motor e do móvel, mas por causa das grandezas nas quais se opera o movimento. — Além disso, a velocidade do movimento do anjo não depende da quantidade da sua virtude, mas da determinação da sua vontade.

RESPOSTA À SEGUNDA. — A iluminação é termo do movimento e é alteração; não é porém, movimento local como significando que a luz se move primeiro para o que lhe é próximo do que para o remoto. Ora, o movimento do anjo é local e não é termo do movimento. Por onde, não há símile.

RESPOSTA À TERCEIRA. — Essa objecção é procedente em relação ao tempo continuo. Ora, o tempo do movimento do anjo pode ser não contínuo; e assim o anjo pode, em um instante, estar num lugar e, em outro instante, noutro lugar, sem que exista nenhum tempo intermediário. Se, porém, o tempo do movimento do anjo for continuo, este, em todo o tempo precedente ao último instante, move-se por infinitos lugares, como antes já se expôs [iv]. Está, porém, parte, em um dos lugares contínuos e, parte, em outro; não que a substância angélica seja divisível, mas que se aplica a uma parte do primeiro lugar e a uma do segundo, como também já se disse antes [v].

(s. tomás de aquino, Suma Teológica, Tratado dos Anjos)



[i] Q. 53, a. 2.
[ii] Q. 53, a. 1.
[iii] IV Physic. (lect. XVII).
[iv] Q. 53, a. 2.
[v] Q. 53, a. 1.

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