Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
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Evangelho: Lc 4, 14-32
14 Voltou Jesus, sob o impulso do Espírito, para a Galileia, e a Sua fama divulgou-se por toda a região circunvizinha. 15 Ensinava nas suas sinagogas e era aclamado por todos. 16 Foi a Nazaré, onde Se tinha criado, entrou na sinagoga, segundo o Seu costume, em dia de sábado, e levantou-Se para fazer a leitura. 17 Foi-Lhe dado o livro do profeta Isaías. Quando desenrolou o livro, encontrou o lugar onde estava escrito: 18 “O Espírito do Senhor repousou sobre Mim; pelo que Me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres; Me enviou para anunciar a redenção aos cativos, e a recuperação da vista aos cegos, a pôr em liberdade os oprimidos, 19 a pregar um ano de graça da parte do Senhor”. 20 Tendo enrolado o livro, deu-o ao encarregado, e sentou-Se. Os olhos de todos os que se encontravam na sinagoga estavam fixos n'Ele. 21 Começou a dizer-lhes: «Hoje cumpriu-se este passo da Escritura que acabais de ouvir». 22 E todos davam testemunho em Seu favor, e admiravam-se das palavras de graça que saíam da Sua boca, e diziam: «Não é este o filho de José?». 23 Então disse-lhes: «Sem dúvida que vós Me aplicareis este provérbio: “Médico, cura-te a ti mesmo”. Todas aquelas grandes coisas que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum, fá-las também aqui na Tua terra». 24 Depois acrescentou: «Em verdade vos digo que nenhum profeta é bem recebido na sua terra. 25 Em verdade vos digo que muitas viúvas havia em Israel no tempo de Elias, quando foi fechado o céu durante três anos e seis meses e houve uma grande fome por toda a terra; 26 e a nenhuma delas foi mandado Elias, senão a uma mulher viúva de Sarepta, do território de Sidónia. 27 Muitos leprosos havia em Israel no tempo do profeta Eliseu; e nenhum deles foi curado, senão o sírio Naaman». 28 Todos os que estavam na sinagoga, ouvindo isto, encheram-se de ira. 29 Levantaram-se, lançaram-n'O fora da cidade, e conduziram-n'O até ao cume do monte sobre o qual estava edificada a cidade, para O precipitarem. 30 Mas, passando no meio deles, retirou-Se. 31 Foi a Cafarnaum, cidade da Galileia, e ali ensinava aos sábados. 32 Admiravam-se da Sua doutrina, porque falava com autoridade.
CARTA APOSTÓLICA
NOVO MILLENNIO INEUNTE
DO SUMO PONTÍFICE
JOÃO PAULO II
AO EPISCOPADO,
AO CLERO E AOS FIÉIS
NO TERMO DO GRANDE JUBILEU
DO ANO 2000
…/3
23. “É o teu rosto, Senhor, que eu procuro” (Sal 2726,8). Este antigo anseio do Salmista não podia ter recebido resposta melhor e mais surpreendente que a contemplação do rosto de Cristo. N'Ele, Deus nos abençoou verdadeiramente, fazendo “resplandecer sobre nós a luz do seu rosto” (Sal 6766,2). Sendo ao mesmo tempo Deus e homem, Ele revela-nos também o rosto autêntico do homem, “revela o homem a si mesmo”. [1]
Jesus é o “homem novo” (cf. Ef 4,24; Col 3,10), que convida a humanidade redimida a participar da sua vida divina. No mistério da encarnação encontram-se as bases para uma antropologia capaz de ultrapassar os seus próprios limites e contradições, caminhando para o próprio Deus, antes, para a meta da “divinização”, pela inserção em Cristo do homem resgatado, admitido à intimidade da vida trinitária. Os Santos Padres insistiram muito sobre esta dimensão soteriológica do mistério da encarnação: só porque Se fez verdadeiramente homem o Filho de Deus, é que o homem pode, n'Ele e por Ele, tornar-se realmente filho de Deus. [2]
Rosto do Filho
24. Esta sua identidade divino-humana manifesta-se intensamente nos Evangelhos; estes dão-nos uma série de elementos que nos permitem penetrar naquela “área reservada” do mistério que é a autoconsciência de Cristo. A Igreja não tem dúvidas de que, narrando inspirados pelo Alto, os Evangelistas captaram correctamente, nas palavras pronunciadas por Jesus, a verdade da sua pessoa e a consciência que Ele tinha da mesma. Não é precisamente isto que exprime Lucas quando refere as primeiras palavras de Jesus, com doze anos apenas, no templo de Jerusalém? Já então Ele está consciente de possuir uma relação única com Deus, própria de “filho”. De facto, quando a Mãe Lhe faz saber a aflição com que Ela e José O procuraram, Jesus responde sem hesitar: «Porque me procuráveis? Não sabíeis que devia estar em casa de meu Pai?» (Lc 2,49). Por isso, não admira que, uma vez homem feito, a sua linguagem exprima decididamente a profundidade do seu próprio mistério, como largamente o sublinham quer os evangelhos sinópticos (cf. Mt 11,27; Lc 10,22), quer sobretudo o evangelista João. Na consciência que tem de Si mesmo, Jesus não nutre qualquer dúvida: «O Pai está em Mim e Eu n'Ele» (Jo 10,38).
Embora seja lícito pensar que, no respeito da condição humana que O fazia crescer «em sabedoria, em estatura e em graça» (Lc 2,52), também a consciência humana do seu mistério tenha crescido até à expressão plena da sua humanidade glorificada, não há dúvida de que Jesus, já nos dias da sua existência histórica, tinha consciência da sua identidade de Filho de Deus. João sublinha-o tanto que chega a afirmar que, em última análise, foi esse o motivo por que O rejeitaram e condenaram: na realidade procuravam matá-Lo «não só por violar o sábado, mas também porque dizia que Deus era seu Pai, fazendo-Se igual a Deus» (Jo 5,18). No cenário do Getzemani e do Gólgota, a consciência humana de Jesus será submetida a dura prova; mas nem sequer o drama da sua paixão e morte conseguirá turvar a sua serena certeza de ser o Filho do Pai celeste.
Rosto doloroso
25. E assim a nossa contemplação do rosto de Cristo trouxe-nos até ao aspecto mais paradoxal do seu mistério, que se manifesta na hora extrema — a hora da Cruz. Mistério no mistério, diante do qual o ser humano pode apenas prostrar-se em adoração.
Passa diante dos nossos olhos, em toda a sua intensidade, a cena da agonia no Horto das Oliveiras. Oprimido ao pressentir a prova que O espera, Jesus, sozinho com Deus, invoca-O com a sua habitual e terna expressão de confidência: «Abba, Pai». Pede-Lhe para que, se for possível, afaste d'Ele o cálice do sofrimento (cf. Mc 14,36); mas, o Pai parece não querer atender a voz do Filho. Para transmitir ao homem o rosto do Pai, Jesus teve não apenas de assumir o rosto do homem, mas de tomar inclusivamente o “rosto” do pecado: “Aquele que não havia conhecido pecado, Deus O fez pecado por nós para que nos tornássemos n'Ele justiça de Deus” (2 Cor 5,21).
Jamais acabaremos de sondar o abismo deste mistério. Este paradoxo surge, em toda a sua rudeza, no grito de dor aparentemente desesperado que Jesus eleva na cruz: «Eloí, Eloí, lamá sabachthani?, que quer dizer: Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonaste?» (Mc 15,34). Será possível imaginar um tormento maior, uma escuridão mais densa? Na realidade, aquele «porque», cheio de angústia, dirigido ao Pai com as palavras iniciais do Salmo 22, apesar de conservar todo o realismo dum sofrimento inexprimível, é esclarecido pelo sentido geral da oração: o Salmista, num misto impressionante de sentimentos, une lado a lado o sofrimento e a confiança. Com efeito, o Salmo prossegue dizendo: “Em Vós confiaram os nossos pais; confiaram e Vós os livrastes. [...] Não Vos afasteis para longe de mim, porque estou atribulado; não há quem me ajude” (2221,5.12).
26. O grito de Jesus na cruz, amados irmãos e irmãs, não traduz a angústia dum desesperado, mas a oração do Filho que, por amor, oferece a sua vida ao Pai pela salvação de todos. Enquanto Se identifica com o nosso pecado, “abandonado” pelo Pai, Ele “bandona-Se” nas mãos do Pai. Os seus olhos permanecem fixos no Pai. Precisamente pelo conhecimento e experiência que só Ele tem de Deus, mesmo neste momento de obscuridade Jesus vê claramente a gravidade do pecado e isso mesmo fá-Lo sofrer. Só Ele, que vê o Pai e por isso rejubila plenamente, avalia até ao fundo o que significa resistir com o pecado ao seu amor. A paixão é sofrimento atroz na alma, antes de o ser e bem mais intensamente que no corpo. A tradição teológica não deixou de interrogar-se como pôde Jesus viver simultaneamente a união profunda com o Pai, por sua natureza fonte de alegria e beatitude, e a agonia até ao grito do abandono. Na realidade, a presença conjunta destas duas dimensões, aparentemente inconciliáveis, está radicada na profundidade insondável da união hipostática.
27. Para penetrarmos neste mistério, a par da pesquisa teológica pode-nos vir uma ajuda relevante também daquele grande património que é a “teologia vivida” dos Santos. Estes dão-nos preciosas indicações que nos permitem acolher mais facilmente a intuição da fé; e fazem-no mercê das luzes particulares que alguns deles receberam do Espírito Santo, ou mesmo da experiência que eles próprios tiveram daqueles terríveis estados de provação que a tradição mística designa por ”oite escura”. Não é raro terem vivido os Santos algo que se assemelha à experiência de Jesus na cruz, num misto paradoxal de beatitude e dor. Na obra Diálogo da Divina Providência, temos Deus Pai que mostra a Catarina de Sena como é possível estar presente, nas almas santas, simultaneamente a felicidade e o sofrimento: “A alma sente-se feliz e atormentada: atormentada pelos pecados do próximo, feliz pela união e afecto da caridade que a invadiu. Essas [almas santas] imitam o Cordeiro imaculado, o meu Filho Unigénito, que na cruz Se sentia feliz e atormentado”. [3] Da mesma forma, Teresa de Lisieux vive a sua agonia em comunhão com a de Jesus, verificando em si própria precisamente o paradoxo de Jesus feliz e angustiado: “Nosso Senhor, no Horto das Oliveiras, gozava de todas as alegrias da Trindade, e todavia a sua agonia não era menos atroz. É um mistério; mas posso assegurar-lhe — escreve ela à Superiora — que compreendo alguma coisa desse mistério a partir do que sinto em mim mesma”. [4] É um testemunho esclarecedor! Aliás, esta percepção eclesial da consciência de Cristo encontra fundamento na própria narração dos Evangelistas, quando referem que, mesmo no seu abismo de sofrimento, Ele morre implorando perdão para os seus carrascos (cf. Lc 23,34) e manifestando ao Pai o seu extremo abandono filial: «Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito» (Lc 23,46).
[5]…/
[1] Conc. Ecum. Vat. II, Const. past. sobre a Igreja no mundo contemporâneo Gaudium et spes, 22.
[2] A este respeito observa S. Atanásio que “o homem não podia ser divinizado, se estivesse unido a uma criatura, ou seja, se o Filho não fosse verdadeiro Deus”: Discurso II contra os Arianos, 70: PG 26, 425B.
[3] N. 78.
[4] Últimos colóquios. Caderno amarelo (6 de Julho de 1897): Opere complete (Vaticano 1997), 1003.
[5] Copyright © Libreria Editrice Vaticana
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