Não abandones a tua leitura espiritual.
A leitura tem feito muitos santos.
(S. josemaria, Caminho 116)
Está aconselhada a leitura espiritual diária de mais ou menos 15 minutos. Além da leitura do novo testamento, (seguiu-se o esquema usado por P. M. Martinez em “NOVO TESTAMENTO” Editorial A. O. - Braga) devem usar-se textos devidamente aprovados. Não deve ser leitura apressada, para “cumprir horário”, mas com vagar, meditando, para que o que lemos seja alimento para a nossa alma.
Evangelho: Mc 14, 1-16
1 Dali a dois dias era a Páscoa e os Ázimos; os príncipes dos sacerdotes e os escribas andavam buscando o modo de O prender à traição, para O matar. 2 Porém, diziam: «Não convém que isto se faça no dia da festa, para que não se levante nenhum motim entre o povo» 3 Estando Jesus em Betânia, em casa de Simão o leproso, enquanto estava à mesa, veio uma mulher trazendo um frasco de alabastro cheio de um perfume feito de verdadeiro nardo, de um grande valor e, quebrando o frasco, derramou-Lho sobre a cabeça. 4 Alguns dos que estavam presentes indignaram-se e diziam entre si: «Para que foi este desperdício de perfume? 5 Pois podia-se vender por mais de trezentos denários e dá-los aos pobres». E irritavam-se contra ela. 6 Mas Jesus disse: «Deixai-a. Porque a molestais? Ela fez-Me uma boa obra, 7 porque pobres sempre os tereis convosco, e quando quiserdes, podeis fazer-lhes bem; porém a Mim, não Me tereis sempre. 8 Ela fez o que podia: ungiu com antecipação o Meu corpo para a sepultura. 9 Em verdade vos digo: Onde quer que for pregado este Evangelho por todo o mundo, será também contado, para sua memória, o que ela fez». 10 Então, Judas Iscariotes, um dos doze, foi ter com os príncipes dos sacerdotes para lhes entregar Jesus. 11 Eles ouvindo-o, alegraram-se e prometeram dar-lhe dinheiro. E ele procurava ocasião oportuna para O entregar. 12 No primeiro dia dos Ázimos, quando imolavam a Páscoa, os discípulos perguntaram-Lhe: «Onde queres que vamos preparar-Te a refeição da Páscoa?». 13 Então, Ele enviou dois dos Seus discípulos e disse-lhes: «Ide à cidade e encontrareis um homem levando uma bilha de água; ide atrás dele, 14 e, onde entrar, dizei ao dono da casa: “O Mestre manda dizer: Onde está a Minha sala onde hei-de comer a Páscoa com os Meus discípulos?”. 15 E ele vos mostrará uma sala superior, grande, mobilada e já pronta. Preparai-nos lá o que é preciso». 16 Os discípulos partiram e chegaram à cidade; encontraram tudo como Ele lhes tinha dito, e prepararam a Páscoa.
Talita Kum - Levanta-te
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«O forno arde. Ao arder, queima todo o material, seja lenha ou outra matéria facilmente combustível.
O Coração de Jesus, o Coração humano de Jesus, queima com o amor que o enche. E este é o amor ao Pai Eterno e o amor aos homens: as filhas e os filhos adoptivos.
O forno, queimando, pouco a pouco apaga-se. O Coração de Jesus, ao contrário, é forno inextinguível. Nisto parece-se com a sarça-ardente do Êxodo, em que Deus Se revelou a Moisés. A sarça ardia com o fogo, mas... não se consumia (Ex 3,2).
Efectivamente, o amor que arde no Coração de Jesus é sobretudo o Espírito Santo, no qual Deus-Filho se une eternamente ao Pai. O Coração de Jesus, o Coração humano de Deus-Homem, está abrasado pela chama viva do Amor trinitário, que jamais se extingue.
Coração de Jesus, forno ardente de caridade. O forno, enquanto arde, ilumina as trevas da noite e aquece os corpos dos viajantes inteiriçados com o frio.
Hoje queremos pedir à Mãe do Verbo Eterno, para que no horizonte da vida de cada uma e cada um de nós não cesse nunca de arder o Coração de Jesus, forno ardente de caridade. Para que Ele nos revele o amor que não se extingue nem se deteriora jamais, o Amor que é eterno. Para que ilumine as trevas da noite terrena e aqueça os corações.
Dando-Lhe as graças pelo único amor capaz de transformar o mundo e a vida humana, dirigimo-nos com a Virgem Imaculada, no momento da Anunciação ao Coração Divino que não cessa de ser forno ardente de caridade. Ardente: como a sarça que Moisés viu ao pé do monte Horeb» [1].
Quando não sabemos o que fazer com o nosso coração, porque se rebela contra o que nem por ser justo nos agrada, se entristece sem motivo justificado, quando parece que não nos obedece, que tem vida própria, entreguemo-lo a Jesus, Ele sabe o que fazer com ele.
«Nestes breves minutos na Tua presença, real, verdadeira, no Santíssimo Sacramento presente no Sacrário, deixo o meu coração vir para fora do peito, aperto-o nas minhas mãos e ofereço-to todo inteiro, assim, amarfanhado pelas minhas mãos, num gesto simbólico da completa entrega de todas as minhas preocupações, inquietudes e medos.
Tu, Senhor, recebes este meu pobre coração e, embora saibas muito bem o que fazer com ele, atrevo-me a sugerir-te que não mo devolvas sem o teres transformado completamente, absolutamente purificado e cheio dos Teus dons.
Coração de Jesus! [3] Com te moves, Senhor, pelo Teu coração! E, ainda bem, para nós homens, que tens um coração de carne como o nosso, um coração humano com todas as virtudes e capacidades de um coração puro e humilde. Como gostas de Te chamar a Ti mesmo: «manso e humilde de coração» [4]. O que espanta é que, considerando o teu Poder Omnipotente, se possa pensar que, o homem que tem este Poder, tem um coração manso e humilde.
Manso porque não sabe o que é rebelar-se contra a vida, contra os outros; porque só sabe acatar a Vontade divina em todas as coisas e em todas as circunstâncias, deixando-se guiar pelas inspirações que o Espírito Santo lhe envia a cada momento.
Manso, porque se “encolhe” gratuitamente para que não sobressaia senão a Vontade do Pai, numa atitude de submissão e entrega totais e perfeitas.
Manso, porque acata como o melhor, tudo aquilo que lhe é sugerido pelo Senhor da Vida.
Manso, finalmente, porque os seus únicos sentimentos são o amor pelos outros com total desprendimento de Si mesmo.
Coração humilde porque voluntariamente, se reduz a uma dimensão humana quando a sua essência é divina.
Humilde quando se comprime na tristeza que lhe causa a animosidade dos homens.
Humilde porque é esmagado e amarfanhado pelas Suas mãos chagadas para se oferecer aos homens, a todos os homens.
O Coração de Jesus!
Quantas vezes me ocorre aquela conhecidíssima jaculatória “Jesus, fazer que tenha um coração igual ao Vosso” e, na verdade, o que quero e devo dizer será: «Jesus, toma o meu coração e faz dele o que Te aprouver que, eu, não sei o que hei-de fazer com ele» [5].
[6]…/
[1] joão Paulo II, Angelus, 23.06.1985.
[2] ama, Visita ao SSS, Porto, 2008.
[3] Sagrado Coração, fonte inesgotável da misericórdia!
Palavras de Bento XVI antes de rezar a oração mariana do Angelus.
Queridos irmãos e irmãs:
Este domingo, décimo segundo do tempo comum, está como «rodeado» por solenidades litúrgicas significativas. Na sexta-feira passada, celebramos o Sagrado Coração de Jesus, celebração que une acertadamente a devoção popular à profundidade teológica. Era uma tradição, e em alguns países continua sendo, a consagração ao Sagrado Coração por parte das famílias, que tinham uma imagem sua em sua casa.
As raízes desta devoção fundem-se no mistério da Encarnação: precisamente através do Coração de Jesus se manifestou de maneira sublime o Amor de Deus pela humanidade. Por este motivo, o autêntico culto ao Sagrado Coração mantém toda sua validez e atrai especialmente as almas sedentas da misericórdia de Deus, que nele encontram a fonte inesgotável da qual podem tirar a água da Vida, capaz de regar os desertos da alma e de fazer que volte a florescer a esperança.
A solenidade do Sagrado Coração de Jesus é também a Jornada Mundial de Oração pela Santificação dos Sacerdotes: aproveito a oportunidade para convidar todos vós, queridos irmãos e irmãs, a rezarem sempre pelos sacerdotes, para que possam ser testemunhas do amor de Cristo.
Ontem a liturgia nos permitiu celebrar a Natividade de São João Batista, o único santo de quem se comemora o nascimento, pois marcou o início do cumprimento das promessas divinas: Jesus é esse «profeta», identificado com Elias, que estava destinado a preceder imediatamente o Messias para preparar o povo de Israel para sua vinda (cf. Mateus 11, 14; 17 10-13). A sua festa recorda-nos que toda a nossa vida sempre está subordinada a Cristo e que chega à sua realização acolhendo a Ele, Palavra, Luz e Esposo, de quem nós somos vozes, lâmpadas e amigos (cf. João 1, 1.23; 1,7-8; 3,29). «É preciso que ele cresça e que eu diminua» (João 3, 30): esta expressão do Baptista constitui um programa para todo cristão.
Deixar que o «eu» de Cristo tome o lugar de nosso «eu» foi de maneira exemplar o anseio dos apóstolos Pedro e Paulo, que a Igreja venerará com solenidade no próximo dia 29 de Junho. São Paulo escreveu de si mesmo: «não sou eu quem vive, mas é Cristo que vive em mim» (Gálatas, 2, 20). Antes deles e antes de qualquer outro santo, quem viveu esta realidade foi Maria Santíssima, que conservou as palavras de seu Filho Jesus em seu coração. Ontem contemplamos esse seu Coração imaculado, Coração de Mãe, que continua velando com terna solicitude sobre todos nós. Que sua intercessão nos permita ser sempre fiéis à vocação cristã. (Bento XVI, Angelus, Roma, 25 de Junho de 2006.)
O Sagrado Coração de Jesus
Na próxima sexta-feira, celebraremos a festa do Coração amantíssimo de Jesus. Chamá-lo de “amantíssimo” é até uma redundância, porque, em se tratando de Jesus, o Coração é, evidentemente, pleno de amor, de misericórdia e de bondade. Estas inesgotáveis riquezas, conforme a expressão de São Paulo (cf. Ef 3,8), como que transbordam, jorram sobre toda a humanidade. Este é o tema da nossa reflexão.
Ao considerarmos o Coração de Cristo, não estamos a referir-nos ao órgão físico, embora ele o tenha também, enquanto integrante de sua natureza humana. A propósito, considero melhores as imagens que não retratam esse Coração saliente sobre o peito, mas só o insinuam, através do lado perfurado pela lança. Aqui, tomamos o coração como centro explicativo da pessoa. Quando se diz que uma pessoa “tem bom coração”, isto traduz a essência do que ela é. Portanto, aprofundar o conhecimento sobre o Coração de Jesus significa adentrar a sua própria “personalidade”.
É interessante notar que essa devoção nasce no momento em que o Coração de Jesus é trespassado, no alto do Calvário, segundo nos narra o evangelista São João (cf. Jo 19,34-35). Mais tarde, chega às primitivas comunidades, é aprofundada pelos antigos Santos Padres e estende-se ao longo da Idade Média. Quando os Cruzados foram à Terra Santa, onde tiveram maior contacto com a humanidade de Cristo e com os detalhes de sua vida, aproximaram-se mais directamente ao seu Coração. Sobre Ele nos deixaram reflexões lindas e profundas, tanto teológicas, quanto exegéticas e espirituais.
Nos séculos posteriores, foram surgindo Congregações, Associações e Movimentos inspirados, exactamente, no mistério central do amor de Cristo, que é o Seu Coração. Além disso, centenas e centenas de obras sociais pautaram as suas iniciativas, segundo o modelo da misericórdia que emana desse Coração.
Diversas passagens da Sagrada Escritura revelam os tesouros do amor divino. Ainda no Antigo Testamento, o profeta Isaías nos fala das fontes que jorram e saciam qualquer sede: “Vós tirareis com alegria água das fontes da salvação” (Is 12,3). O tema da sede é muito profundo na Bíblia, um tema que realmente nos leva a reflectir sobre o dom do amor de Deus e a sede que esse amor faz sentir no nosso íntimo, pois esse dom manifesta-se em plenitude através do Coração de Cristo. Ele mesmo convida: “Se alguém tem sede, venha a mim e beba” (Jo 7,37)... e promete, conforme palavras Suas à samaritana: “Aquele que bebe desta água terá sede novamente; mas quem beber da água que eu Lhe der, nunca mais terá sede. Pois a água que eu Lhe der tornar-se-á nele uma fonte de água, jorrando para a vida eterna” (Jo 4,13-14).
Sede de quê? Todos temos sede do infinito. Nada é capaz de nos saciar nesta vida. “Até os dias mais bonitos, têm o seu ocaso”, dizia Santa Teresinha. Tudo o que se relaciona à realidade material, por mais belo que seja, tem o seu termo, o seu esgotamento... e o seu custo. Por isso, a sede não pára. É uma sede de valores perenes, que possam alimentar a paz e a alegria verdadeiras, dentro e fora de nós. Todos ansiamos por isso e, muitas vezes, não encontramos saciedade.
Frequentemente, estamos cercados por tanta tristeza, que ela parece, até, contagiar-nos. Corremos o risco de ficar abatidos e transtornados pela tristeza dos outros, quando nos reconhecemos carentes das palavras e da força para consolá-los. Entretanto, sempre podemos, e devemos, conduzi-los a olharem para o Coração trespassado do Senhor. Esta é a fonte da qual podemos aurir tudo o que supra as nossas carências e socorra as nossas misérias.
O texto fundamental, para compreendermos como o Coração de Jesus cuida de nós, é a passagem do Evangelho de São Mateus: “Vinde a mim todos os que estais cansados sob o peso do vosso fardo, e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para vossas almas” (Mt 11,28-29). O Cristo apresenta-se como Mestre em várias oportunidades, mas aqui Ele ensina a partir da Sua própria realidade interior, que se evidencia como modelo perfeito para nós: “Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração”. Quer dizer, o Seu Coração, a Sua identidade, a Sua personalidade sensível sintoniza, numa profunda empatia, com todos os que sofrem, os que se encontram em situação lastimável de desânimo e de cansaço, em perspectiva de derrota diante dos desafios da vida.
“O Meu Coração é manso e humilde”, isto é, coloca-se ao rés-do-chão, nivelando-se a nós. Por isso, aquele que se aproxima de Cristo Jesus, com confiança, vai colher desse encontro a mansidão, a doçura, a ternura que brotam do Seu Coração, transpondo-as para a própria vida e a vida dos outros. Ficará mais aliviado, porque não se pode chegar perto de Cristo sem experimentar a libertação dos jugos que sobrecarregam e escravizam. Sentirá a leveza, o descanso, a serenidade, que são características do próprio Mestre divino.
Por bondade infinita, Jesus aplica-nos os efeitos vivificantes do amor que brota do Seu Coração. Muitas vezes, porém, nem conseguimos saber o que é bondade, porque bondade não se define, mas experimenta-se, desde uma saudação, um aperto de mão, até às coisas maiores que a pessoa possa dar. As crianças são tão bondosas, tão cheias de carinho!... Eu pergunto-me: Por que, frequentemente, se perde isso, pela vida afora?
Quando falamos do amor verdadeiro, será que ele se resume na frase: “Ah, Senhor, eu amo-te”? Então, vem a grande pergunta: Mas o que é, afinal, o amor que damos, ou pensamos dar? Será o não pensar em si mesmo? “Amar é dar tudo de si”, dizia Santa Teresinha, “e dar-se completamente ao outro”, na doação até dolorosa, como aquela que Cristo fez durante toda a sua vida.
Trespassado por um gesto absurdo do Centurião Longino, seu lado é atravessado com uma lança, e do pobre Coração, já desfalecido, ainda jorram um pouco de água e um pouco de sangue, que são os símbolos da doação última ou, como diziam os Santos Padres, são símbolos dos Sacramentos e da própria Igreja nascente. Somente São João relata esse facto, mostrando-nos Jesus morto, por amor e de amor (cf. Jo 19,34-37). Olhemos, portanto, para a chaga aberta do Cristo no alto da cruz – a imagem mais perfeita do amor que brota do Seu Coração. Olhemos e não deixemos, jamais, de fazê-lo. Tomando as palavras do profeta Zacarias, São João diz: “Olharão para Aquele que trespassaram” (Jo 19,37 e Zc 12,10). Lá se manifesta a plenitude do amor: o Pai, que dá o próprio Filho, e este, que obedece à vontade do Pai, em mútua doação amorosa, derramada sobre a humanidade: o dom do Espírito Santo.
O Coração não é apenas um símbolo; é epifania da infinita misericórdia de Deus, gesto profético que se cumpre, irrompendo na realidade humana. Esse Coração foi despedaçado, para colocar tudo o que possuía à nossa disposição. Dele brotou a nossa Salvação. Temos que olhar para Ele. O amor verdadeiro - essa sede que não conseguimos estancar, a não ser ao contacto do próprio Coração de Cristo - foi, certamente, a experiência que viveram os mártires e os grandes santos: morreram de amor, num martírio de amor, como tanto o desejava Santa Teresinha de Lisieux.
Lembro-me, ainda hoje, do sermão que o Arcebispo de Aparecida, D. Geraldo Morais Penido, fez quando a minha mãe foi sepultada. Ele convidou-me a olhar para aquele corpo sofrido da Mãezinha, que chegara à idade de 90 anos, apesar de décadas de sofrimento, devido, particularmente, a um cancro. E disse-me: “Olhe para a sua mãe e veja o Coração de Cristo, pois este é o único gesto que irá consolá-lo”. Tenho procurado honrar esse Coração, através da doação da minha vida, e reconheço que somente o faço pelas graças especiais de que tenho sido cumulado. Vendo em minha mãe o Cristo crucificado, compreendi que seu sofrimento se transformara em abertura, em fonte inesgotável de felicidade eterna.
No Coração de Cristo, e a Ele associado o Coração Imaculado de Maria, revela-se o mistério de toda a obra da Salvação (cf. Cl 1,26): a Eucaristia e os demais Sacramentos, o Sacerdócio e a própria Igreja nascem desse gesto de doação do seu supremo amor. (Cardeal Eusébio Oscar Scheid, Arcebispo do Rio de Janeiro, 20.06.2006)
[3] Ao reverendíssimo padre
PETER-HANS KOLVENBACH, S.I.
As palavras do profeta Isaías, «tirareis água com alegria das fontes da salvação» (Isaías 12, 3), que dão início à encíclica com a qual Pio XII recordava o primeiro centenário da extensão a toda a Igreja da festa do Sagrado Coração de Jesus, não perderam nada de seu significado hoje, cinquenta anos depois. Ao promover o culto ao Coração de Jesus, a encíclica «Haurietis aquas» exortava aos crentes a abrir-se ao mistério de Deus e de seu amor, deixando-se transformar por ele. Cinquenta anos depois, continua em pé a tarefa sempre actual dos cristãos de continuar aprofundando em sua relação com o Coração de Jesus para reavivar em si mesmos a fé no amor salvífico de Deus, acolhendo-o cada vez melhor em sua própria vida.
O lado trespassado do Redentor é o manancial ao qual nos convida a acudir a encíclica «Haurietis aquas»: devemos recorrer a este manancial para alcançar o verdadeiro conhecimento de Jesus Cristo e experimentar mais profundamente seu amor. Deste modo, poderemos compreender melhor o que significa conhecer» em Jesus Cristo o amor de Deus, experimentá-lo, mantendo o olhar nele, até viver completamente da experiência do Seu amor, para poder testemunhá-lo depois aos outros. De facto, retomando uma expressão de meu venerado predecessor, João Paulo II, «junto ao Coração de Cristo, o coração humano aprende a conhecer o autêntico e único sentido da vida e do seu próprio destino, a compreender o valor de uma vida autenticamente cristã, a permanecer afastado de certas perversões do coração, a unir o amor filial a Deus ao amor ao próximo. Deste modo – e esta é a verdadeira reparação exigida pelo Coração do Salvador – sobre as ruínas acumuladas pelo ódio e a violência poderá edificar-se a civilização do Coração de Cristo» («Insegnamenti», vol. IX/2, 1986, p. 843).
Conhecer o amor de Deus em Jesus Cristo
Na encíclica «Deus caritas est» citei a afirmação da primeira carta de São João: «Nós conhecemos o amor que Deus nos tem e cremos nele» para sublinhar que na origem da vida cristã está o encontro com uma Pessoa (cf. n. 1). Dado que Deus se manifestou da maneira mais profunda através da encarnação de Seu Filho, fazendo-se «visível» n’Ele; na relação com Cristo, podemos reconhecer quem é verdadeiramente Deus (cf. encíclica «Haurietis aquas», 29,41; encíclica «Deus caritas est», 12-15). Mais ainda, dado que o amor de Deus encontrou a sua expressão mais profunda na entrega que Cristo fez da Sua vida por nós na Cruz, ao contemplar o Seu sofrimento e morte podemos reconhecer de maneira cada vez mais clara o amor sem limites de Deus por nós: «tanto amou Deus ao mundo, que lhe deu Seu Filho único, para que todo o que crer nele não pereça, mas que tenha vida eterna» (João 3, 16).
Por outro lado, esse mistério do amor de Deus por nós não constitui só o conteúdo do culto e da devoção ao Coração de Jesus: é, ao mesmo tempo, o conteúdo de toda verdadeira espiritualidade e devoção cristãs. Portanto, é importante sublinhar que o fundamento dessa devoção é tão antigo como o próprio cristianismo. De facto, só se pode ser cristão dirigindo o olhar à Cruz de nosso Redentor, «a quem trespassaram» (João 19, 37; cf. Zacarias 12, 10). A encíclica «Haurietis aquas» lembra que a ferida do lado e as dos pregos foram para numeráveis almas os sinais de um amor que transformou cada vez mais incisivamente sua vida (cf. número 52). Reconhecer o amor de Deus no Crucificado converteu-se para elas numa experiência interior que as levou a confessar, junto a Tomé: «Meu Senhor e meu Deus!» (João 20, 28), permitindo-lhes alcançar uma fé mais profunda no acolhimento sem reservas do amor de Deus (cf. encíclica «Haurietis aquas», 49). Experimentar o amor de Deus dirigindo o olhar ao Coração de Jesus Cristo
O significado mais profundo desse culto ao amor de Deus só se manifesta quando se considera mais atentamente sua contribuição não só ao conhecimento, mas também, e sobretudo, à experiência pessoal desse amor na entrega confiada a seu serviço (cf. encíclica «Haurietis aquas», 62). Obviamente, experiência e conhecimento não podem separar-se: um faz referência ao outro. Também é necessário sublinhar que um autêntico conhecimento do amor de Deus só é possível no contexto de uma atitude de oração humilde e de disponibilidade generosa. Partindo dessa atitude interior, o olhar posto no lado trespassado da lança transforma-se em silenciosa adoração. O olhar no lado trespassado do Senhor, do qual saem «sangue e água» (cf. Gv 19, 34), ajuda-nos a reconhecer a multidão de dons de graça que daí procedem (cf. encíclica «Haurietis aquas», 34-41) e nos abre a todas as demais formas de devoção cristã que estão compreendidas no culto ao Coração de Jesus.
A fé, compreendida como fruto do amor de Deus experimentado, é uma graça, um dom de Deus. Mas o homem poderá experimentar a fé como uma graça só na medida em que ele a aceita dentro de si como um dom, e procura vivê-lo. O culto do amor de Deus, ao qual convidava aos fiéis a encíclica «Haurietis aquas» (cf. ibidem, 72), deve ajudar-nos a recordar incessantemente que Ele carregou com este sofrimento voluntariamente «por nós», «por mim». Quando praticamos este culto, não só reconhecemos com gratidão o amor de Deus, mas continuamos abrindo-nos a esse amor, de maneira que a nossa vida vai ficando cada vez mais modelada por ele. Deus, que derramou o Seu amor «em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado» (cf. Romanos 5, 5), convida-nos incansavelmente a acolher o Seu amor. O convite a entregar-se totalmente ao amor salvífico de Cristo (cf. ibidem, n. 4) tem como primeiro objectivo a relação com Deus. Por esse motivo, esse culto totalmente orientado ao amor de Deus que Se sacrifica por nós tem uma importância insubstituível para a nossa fé e para a nossa vida no amor.
Viver e testemunhar o amor experimentado
Quem aceita o amor de Deus interiormente fica plasmado por ele. O amor de Deus experimentado é vivido pelo homem como uma «chamada» a que tem que responder. O olhar dirigido ao Senhor, que «tomou nossas fraquezas e carregou nossas enfermidades» (Mateus 8, 17), ajuda-nos a prestar mais atenção no sofrimento e na necessidade dos demais. A contemplação, na adoração, do lado trespassado da lança sensibiliza-nos frente à vontade salvífica de Deus. Torna-nos capazes de confiar em seu amor salvífico e misericordioso e, ao mesmo tempo, reforça-nos no desejo de participar na Sua obra de salvação, convertendo-nos em seus instrumentos. Os dons recebidos do lado aberto, do qual saíram «sangue e água» (cf. João 19, 34), fazem que a nossa vida se converta também para os outros em manancial do qual emanam «rios de água viva» (João 7, 34 - cf. encíclica «Deus caritas est», 7). A experiência do amor surgida do culto do lado trespassado do Redentor tutela-nos ante o risco de nos prendermos em nós mesmos e torna-nos mais disponíveis para uma vida para os outros. «Nisto conhecemos o que é o amor: em que Ele deu Sua vida por nós. Também nós devemos dar a vida pelos irmãos» (I João 3, 16 - cf. encíclica «Haurietis aquas», 38).
A resposta ao mandamento do amor torna-se possível só com a experiência de que este amor já nos foi dado antes por Deus (cf. encíclica «Deus caritas est», 14). O culto do amor que se torna visível no mistério da Cruz, representado em toda a celebração eucarística, constitui, portanto, o fundamento para que possamos converter-nos em instrumentos nas mãos de Cristo: só assim podemos ser arautos críveis do Seu amor. Esta abertura à vontade de Deus, contudo, deve renovar-se em todo momento: «O amor nunca se dá por “concluído” e completado» (cf. encíclica «Deus caritas est», 17). A contemplação do «lado trespassado pela lança», na qual resplandece a vontade infinita de salvação por parte de Deus, não pode ser considerada portanto como uma forma passageira de culto ou de devoção: a adoração do amor de Deus, que encontrou no símbolo do «coração trespassado» sua expressão histórico-devocional, continua sendo imprescindível para uma relação viva com Deus (cf. encíclica «Haurietis aquas», 62).
Com o desejo de que o quinquagésimo aniversário sirva para estimular em tantos corações uma resposta cada vez mais fervorosa ao amor do Coração de Cristo, envio-lhe, reverendíssimo padre, e a todos os religiosos da Companhia de Jesus, sempre sumamente activos na promoção dessa devoção fundamental, uma especial bênção apostólica. (Bento XVI, carta ao padre Peter-Hans Kolvenbach, prepósito geral da Companhia de Jesus, por ocasião do quinquagésimo aniversário da encíclica «Haurietis aquas», com a qual se promovia o culto ao Coração de Jesus, Roma 23 de Maio de 2006.)
[4] Cf. Mt 11, 29.
[5] ama, Orações diárias, 2008)
[6] Escrito por AMA em 2010, visto por autoridade eclesiástica.
Agrad. Dr. V. Costa Lima, pelo aconselhamento e sugestões
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