Navegando pela minha cidade
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Em 1853 morre com quarenta anos de idade Frederico Ozanam. Aos vinte anos tinha fundado as Conferências de São Vicente de Paulo que contam hoje com 960.000 membros em 135 países dos cinco continentes.
“Doutor em Direito (1836) e depois em Letras (1839), Ozanam inicia uma brilhante carreira universitária que o levará, em 1844, a tornar-se titular da cátedra de Literatura Estrangeira na Universidade da Sorbonne e a viver sem reservas a sua profunda vocação ao magistério.
Em 1841 casa-se com a jovem Amélie Soulacroix. Frederico Ozanam é, portanto, um homem profundamente inserido no seu tempo. Marido e pai, professor e literato, leigo comprometido, vive as diferentes dimensões da sua existência, com a mesma paixão e generosidade: vai pessoalmente aos bairros pobres de Paris e de outras cidades, promove a expansão das Conferências Vicentinas no mundo” [1]
Recordo este extraordinário homem que não precisou de viver muito para muito fazer porque ainda na semana passada fui até ao Farrapeiro de São Vicente de Paulo da Rua Gonçalo Cristóvão. Há mais de quarenta anos que com uma certa regularidade por lá passo.
Passo por lá como passo por muitas feiras de velharias. Porque há algo nas coisas velhas e que ninguém quer que me fascina. Não o posso precisar, talvez seja a história oculta por trás do objecto usado e deitado fora; o design fora da moda em que já esteve; sinais de uso que se lhe impregnaram; o que remanesce da alegria de quem o comprou ou recebeu de presente; enfim as velharias têm uma aura que me fascina e que não consigo descrever porque o mistério cobre tudo, tal como o som de uma sirene ao longe durante a noite pode ser um grito de agonia no poço escuro do tempo.
Para além disto tudo o nome Farrapeiro é, em si próprio antigo, usado e pobre; parece até que mendiga. Segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa que foi o primeiro que me apareceu no Google, significa: Homem esfarrapado = Farrapão, Farroupilha, Maltrapilho; Negociante de trapos. = Adelo, Trapeiro.
E há também o sentido figurativo quando dizemos de alguém num estado de decadência física ou moral: está feito num farrapo. Ou de alguém que não se considera nada porque conhece a sua miséria diz: sou um trapo, um trapo sujo.
Todos estes pensamentos entraram comigo no Farrapeiro de São Vicente de Paulo quando desci aquela mistura de rampa e escadas ladeadas por fogões velhos, banheiras e tanques de lavar roupa em cimento e estantes metálicas da F. RAMADA.
Saí de lá com os livros Afundem o Bismark de C.S. Forrester; Crónicas Marcianas de Ray Bradbury; O homem que era 5ª feira de G. K. Chesterton; Palomar de Italo Calvino e uma escalfeta com a marca mogovex e a potência de 90 Watts a funcionar muito bem. Tudo isto ficou-me por menos de cinco euros.
E aquilo que muitos não querem ou já não lhes serve vai ajudando a Associação das Obras Sociais de S. Vicente de Paulo. É uma verdadeira reciclagem social em movimento; dialéctica existencial entre o ter e o ser.
É o eco da existência e da opção pelo ser de Frederico Ozanam.
Afonso Cabral
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