07/12/2011

Tratado De Deo Trino 32

Questão 34: Do Verbo.

Em seguida, devemos tratar da Pessoa do Filho. Ora, atribuem-se três nomes ao Filho, a saber, Filho, Verbo e Imagem. Mas, a natureza do Filho fica tratada dependentemente da do Pai. Portanto, resta tratarmos do Verbo e da Imagem. Sobre o Verbo discutem-se três artigos:
  
Art. 1 – Se o Verbo, em Deus, é nome de pessoa.
Art. 2 - Se Verbo é o nome próprio do Filho.
Art. 3 – Se o nome de Verbo importa relação com a criatura.

Art. 1 – Se o Verbo, em Deus, é nome de pessoa.

(Ia. IIae., q. 93, a. 1. ad. 2; I Sent., dist. XXVII, q. 2, a. 2, qa. 1; De Pot., q. 9, a. 9, ad 7; De Verit., q. 4, a. 2; a. 4, ad 4).

O primeiro discute-se assim. – Parece que o Verbo, em Deus, não é nome de pessoa.

1. – Pois, os nomes pessoais em Deus se predicam em sentido próprio, como Pai e Filho. Ora, em Deus, o Verbo se predica metaforica­mente, como diz Orígenes [i]. Logo, o Verbo, em Deus, não é nome de pessoa.

2. Demais. – Segundo Agostinho, o verbo é o conhecimento com amor [ii]. E segundo Anselmo, para o Sumo Espírito – dizer – nada mais é do que a intuição cogitativa [iii]. Ora, o conhecimento, a cogitação e a intuição se predicam essencialmente, em Deus. Logo, o Verbo, em Deus, não significa nome de pessoa.

3. Demais. – Da natureza do Verbo é o ser dito. Ora, segundo Anselmo [iv], assim como o Pai o Filho e o Espírito Santo são inteligentes, assim também são dicentes. E, semelhantemente, cada um deles é dito. Logo, o nome de Verbo se predica, em Deus, essencial e não pessoalmente.

4. Demais. – Nenhuma pessoa divina é feita. Ora, o Verbo de Deus é feito. Pois, diz a Escritura (Sl 128, 8): O fogo, o granizo, a neve, a geada, o espírito das tempestades, que executam a sua palavra. Logo, em Deus, o verbo não é nome de pessoa.

Mas, em contrário, diz Agostinho: Assim como o Filho se refere ao Pai, assim o Verbo, ao ser ao qual pertence [v]. Ora, Filho é nome de pessoa porque se predica relativamente. Logo, também o Verbo.

O nome de Verbo, em Deus, em acepção própria, é nome de pessoa e de nenhum modo de essência. Para evidenciá-lo devemos saber, que o verbo, em nós, de tríplice modo se usa, em acepção própria; e, de um quarto modo, imprópria ou figuradamente. Ora, mais manifesta e comummente em nós se chama verbo o que é proferido pela palavra e que procede do interior, quanto a duas características que aparecem no verbo exterior, a saber, a palavra em si mesma e a sua significação. Ora, a palavra significa o conceito do intelecto, segundo o Filósofo [vi]; e como ainda diz o mesmo, ela procede da imaginação [vii]; ao passo que a palavra não significativa não se pode chamar de verbo. Pois, o verbo se chama palavra exterior por significar o conceito interior da mente. Assim, chama-se verbo, primária e principalmente, o conceito in­terior da mente; secundariamente, a palavra mesma significativa deste conceito; e em terceiro lugar, a imaginação mesma da palavra. E a esta tríplice modalidade do verbo se refere Damasceno, dizendo: Verbo se chama o movimento natural do intelecto, segundo o qual este se move, intelige e cogita, e é uma como luz e esplendor – quanto ao primeiro modo; em seguida, verbo é o que se não profere por palavra, mas se pronuncia no coração – quanto ao terceiro; e enfim, o verbo é anjo, i. e, o núncio, da inteligência – quanto ao segundo [viii]. – Porém, de um quarto modo e figuradamente, chama-se verbo o que significado ou feito pela palavra; e neste sentido costumamos dizer: Este é o verbo que te disse, ou, que o rei mandou, aludindo-se a algum facto significado pela palavra de quem simplesmente a enuncia ou manda.

Porém, em Deus propriamente se usa do vocábulo verbo para significar o conceito do intelecto. Por isso, diz Agostinho: Quem puder inteligir o verbo não somente antes da palavra soar, mas ainda ,antes de serem apreendidas pela cogitação as imagens dos seus sons, já pode ver alguma semelhança daquele Verbo, do qual foi dito: No princípio era o Verbo [ix]. Mas, o conceito mental procede, por natureza, de outro, i. e, do conhecimento de quem o concebe. E, por isso, o Verbo, enquanto propriamente predicado de Deus, significa uma realidade procedente de outra; e isso pertence à essência dos nomes pessoais, em Deus, porque as pessoas divinas se distinguem pela origem, como se disse [x]. Donde, necessariamente vem, que o nome de Verbo predicado propriamente de Deus, não é tomado em acepção essencial, mas somente pessoal.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Os arianos, dos quais Orígenes é a fonte [xi]1, ensinaram que o Filho é outro que não o Pai por diversidade de substância. Mas, como o Filho se chama Verbo de Deus, esforçaram-se por negar que seja esse um nome próprio dele; para não serem forçados a confessar, admitindo a ideia de Verbo procedente, que o Filho de Deus não é extra-substancial ao Pai, pois o verbo procede interiormente de quem o profere; de modo que lhe é imanente. – Mas é forçoso, desde que se admita o verbo de Deus, em sentido metafórico, admitir-se o verbo divino em sentido próprio. Pois nada, senão em virtude da manifestação, pode se chamar metaforicamente verbo, porque ou manifesta, como verbo, ou é pelo verbo manifestado. Ora, se for deste último modo, é necessário admitir-se o verbo pelo qual se manifeste. E se se chamar verbo, porque manifesta exteriormente, essas manifestações exteriores não se chamam verbos senão como significativas do conceito interior da mente, que manifestamos também por sinais exteriores. E assim, embota por vezes, em Deus, o verbo se predique metaforicamente, todavia é necessário nele admitirmos o Verbo propriamente dito, em sentido pessoal.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Nada do que concerne ao intelecto se predica pessoalmente de Deus, senão o Verbo; porque só este significa o que emana de outro; pois, o verbo é a concepção formada pelo intelecto. Ora, o intelecto, enquanto actualizado pela espécie inteligível é considerado de modo absoluto. E semelhantemente, o inteligir, que está para o intelecto em acto como a essência, para o ser em acto; pois, inteligir não significa acção que saia do intelecto, mas é imanente no ser que intelige. Portanto, quando dizemos que o Verbo é conhecimento, este conhecimento não significa o acto do intelecto conhecente, ou qualquer hábito dele, mas, aquilo que o intelecto concebe, quando conhece. Por isso diz Agostinho [xii], que o Verbo é a sabedoria gerada, e que nada mais é senão a própria concepção do sábio a qual, de igual modo, também se pode chamar conhecimento gerado. E do mesmo modo podemos entender que, dizer, em Deus, é cogitar intuitivamente, i. e, enquanto que essa cogitação intuitiva divina leva à concepção do Verbo de Deus. Porém esse vocábulo – cogitação – não convém propriamente ao Verbo divino. Pois, diz Agostinho: Ao chamado Verbo não se pode denominar cogitação; para que se não creia haver em Deus algo de mutável que, depois de ter recebido a forma do verbo, possa vir a perdê-la sujeito a uma como informe transformação. Pois, a cogitação consiste propriamente em indagar a verdade, o que não pode ter lugar em Deus. Pois, quando o intelecto já atingiu a forma da verdade, não cogita, mas contempla perfeitamente. Por onde, Anselmo impropriamente toma a cogitação pela contemplação.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Assim como, propriamente falando, o Verbo se predica de Deus, pessoal e não essencialmente, assim também o dizer. Por onde, não sendo o Verbo comum ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, também não é verdade seja o Pai o Filho e o Espírito Santo um só dicente. Por isso Agostinho ensina: Em Deus não se entende como um só o que diz, por aquele Verbo coeterno [xiii]. Mas, ser dito convém a qualquer das Pessoas, pois, é dito não só o Verbo, mas ainda as coisas por este inteligidas ou significadas. Assim, pois, a uma só das Pessoas divinas convém o ser dita, do modo pelo qual o verbo é dito; porém, a cada uma delas convém ser dita do modo pelo qual o é, pelo verbo, a coisa inteligida. Assim, o Pai concebe o Verbo inteligindo-se a si, ao Filho, ao Espírito Santo e a tudo o mais que a sua ciência contém; de maneira que toda a Trindade e mesmo toda criatura sejam ditas pelo Verbo, do mesmo modo que o intelecto humano diz, pelo verbo, ser pedra o que concebe como pedra. Porém, Anselmo toma impropriamente dizer por inteligir, que, contudo, diferem. Pois, inteligir só importa relação entre o inteligente e o objecto inteligido, na qual se não compreende nenhuma ideia de origem, mas só uma certa informação do nosso intelecto, como actualizado pela forma da coisa inteligida. Em Deus, porém, importa omnímoda identidade, em quem se identifica absolutamente o inteligente com o inteligido, como já vimos [xiv]. Ao passo que dizer importa principalmente relação com o verbo concebido, pois dizer nada é senão proferir o verbo. E, mediante o verbo, importa relação com o objecto inteligido, o qual pelo proferido se manifesta a quem intelige. Assim, só a Pessoa que profere o Verbo é, em Deus, dicente, embora cada uma das Pessoas singularmente seja inteligente e inteligida e, por conseguinte, dita pelo Verbo.

RESPOSTA À QUARTA. – Verbo, no lugar citado se toma em sentido figurado, enquanto o significado ou o efeito de verbo se chamam verbo. Assim, dizemos que as criaturas executam o verbo de Deus, por executarem algum efeito ao qual foram ordenados pelo Verbo concebido da divina sabedoria. Do mesmo modo dizemos, que alguém cumpre o verbo do Rei, quando executa a obra a qual é levada por esse verbo.

SÃO TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica,



[i] Super Ioanem, c. 1.
[ii] De Trin., lib. IX, c. 10.
[iii] Monol., c. 63, al. 60.
[iv] Monol., c. 62, 63, al. 60.
[v] VII de Trin., c. 2.
[vi] I Periherm., c. 1.
[vii] De Anima, lib. II, c. 8.
[viii] De Fide Orth., I, cap. 13.
[ix] De Trin., XV, c. 10.
[x] Q. 27; q. 32, a. 3.
[xi] Cfr. Q. 32, a. 1., ad. 1.
[xii] De Trin., l. VII, c. 2.
[xiii] VII de Trin., c. 1.
[xiv] Q. 14, a. 2, 4.

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