(IV Cont. Gent., cap. X, XI; De Pot., q. 2, a. 1; Opusc. II, Contra Graecos, Armemos, etc., cap. III; Compend. Theologiae, cap. XL, XLIII; ad Coloss., cap. 1, lect IV).
O segundo discute-se assim. — Parece que a processão, em Deus, não pode chamar-se geração.
— Pois, a geração é a passagem do não ser para o ser e se opõe à corrupção, sendo a matéria o sujeito de uma e outra. Ora, nada disto convém a Deus. Logo, não pode haver nele geração.
Demais. — Como se disse [1], em Deus há processão ao modo inteligível. Ora, em nós, tal processão não se chama geração. Logo, nem em Deus.
Demais. — Todo gerado, recebendo o ser do gerador, o ser de qualquer gerado é recebido. Mas nenhum ser recebido é por si subsistente. Ora, como o ser divino é por si subsistente, segundo antes se provou [2], segue-se que o ser de nenhum gerado é divino. Logo, em Deus não há geração.
Mas, em contrário, a Escritura (Sl 2, 7): Eu te gerei hoje.
A processão do Verbo, em Deus, chama-se geração. O que se evidencia considerando-se que em duplo sentido usamos do vocábulo geração. Num sentido, é comum a todos os seres susceptíveis de geração e de corrupção; e assim, a geração nada mais é que a mudança do não-ser para o ser. Noutro sentido, refere-se propriamente aos seres vivos; e assim, a geração significa a origem de um ser vivo do princípio vivente conjunto, ao que propriamente se chama natividade. Todavia, nem tudo que de tal maneira existe se diz gerado, senão propriamente o que procede por semelhança de natureza. Assim, o pêlo ou o cabelo não têm a natureza de ser gerado ou de filho, mas somente aquilo que procede por semelhança de natureza. Não, porém, qualquer semelhança. Assim, os vermes, gerados dos animais, não têm natureza de geração nem de filiação, embora tenham semelhança genérica. O que é necessário, pois, para haver em essência tal geração, é que ela proceda por semelhança, em a natureza da mesma espécie, como o homem procede do homem e o cavalo, do cavalo. Ora, nos seres vivos, que passam da potência para o ato, como o homem e os animais, incluem-se ambos os modos de geração. Se, porém houver algum ser vivo cuja vida não seja uma passagem da potência para o ato, a processão, se porventura existir em tal ser, exclui absolutamente a primeira espécie de geração, mas pode ter a própria dos seres vivos. — Por onde, a processão do Verbo, em Deus, é por natureza uma geração, pois procede a modo de actividade inteligível, que é uma operação vital, e de um princípio conjunto, como dissemos [3]; e pela razão de semelhança, pois a concepção do intelecto é semelhança da coisa inteligida, e é existente na mesma natureza, sendo em Deus idênticos o inteligir e o existir, como demonstramos [4]. Portanto, a processão do Verbo, em Deus, se chama geração e o próprio Verbo procedente se chama Filho.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Ela colhe, quanto à geração no primeiro sentido, enquanto implica a passagem da potência para o ato. E, nesse sentido, não existe em Deus, como o dissemos.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O inteligir em nós não é a substância mesma do intelecto. Por onde, o nosso verbo, procedente da actividade intelectual, não é da mesma natureza que o ser donde procede; e por isso não tem a natureza própria e completa da geração. Ao contrário, o inteligir divino é a substância mesma do ser divino que intelige, como vimos [5]. Por onde, o Verbo procede como subsistente na mesma natureza, e por isso propriamente se chama gerado e Filho. Daí o empregar a Escritura expressões próprias a significar a geração dos seres vivos, como a concepção e o parto, para exprimir a processão da divina Sapiência. Assim, da pessoa da divina Sapiência diz (Pr 8, 24): Ainda não havia os abismos e eu estava já concebida. Antes de haver outeiros era eu dada à luz. Porém, usamos do nome concepção, em relação ao nosso intelecto, por existir no verbo deste semelhança com a causa inteligida, embora não haja identidade de natureza.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Nem tudo o que é recebido o é num sujeito; do contrário não se poderia dizer que toda a sua substância a criatura a tenha recebido de Deus; pois, não há nenhum sujeito capaz de receber toda a sua substância. Por onde, o que é gerado, em Deus, recebe o ser do gerador; não que tal ser seja recebido em alguma matéria, o que repugna à subsistência do ser divino; mas se diz recebido enquanto, procedendo de outro, tem o ser divino, e não como tendo existência diversa da do ser divino. Pois a própria perfeição do ser divino contém o Verbo, por processão inteligível; e o principio do Verbo, bem como tudo o que lhe pertence à perfeição, como dissemos [6].
SÃO TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica,
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