09/11/2011

Novíssimos - Juízo Particular 5

Julgamento de Aníbal – entregador de pisas.  [i]


Tinham-lhe entregue duas caixas com pisas.
Colocou-as na caixa da motocicleta, conferiu a morada e o troco para vinte euros que o cliente pedira que levasse, colocou o capacete e arrancou.

Aníbal não tinha "carta de condução" de moto e, por enquanto, ninguém na pizaria dera por isso.
Em quase um mês de trabalho todos estavam satisfeitos com o seu serviço. Os colegas chamavam-lhe o "mudo" porque raramente falava.
De facto ninguém sabia quem era, onde morava, se tinha família.
Família... não tinha, nem sequer um primo. Quando o pai o expulsara de casa depois de o ter atirado ao chão para evitar que continuasse a bater na mãe, nem sequer olhara para trás sentindo-se de alguma forma aliviado por se afastar de uma vida de infernal de maus tratos e toda a sorte de violências que as frequentes bebedeiras do pai massacravam a família.

À boleia chegara à grande cidade, sem um vintém, com a roupa que tinha no corpo e um rancor que lhe avassalava o coração.
Fizera de tudo, sempre trabalhos de escassa importancia a troco de dinheiro que mal chegava para comer sem conseguir amealhar o suficiente para alugar um quarto. Dormia onde calhava, num banco de jardim quando não fazia muito frio ou nos abrigos para pessoas como ele que a assistência pública tinha espalhados pela cidade.

Este emprego na pizaria surgira como uma dádiva dos céus e numa bolsa pendurada por dentro das calças guardava algum - pouco - dinheiro que conseguira juntar. Talvez que, a continuar assim, pudesse arranjar morada e comprar alguma roupa. A que usava estava a desfazer-se.

A motocicleta seguia velozmente ziguezagueando pelo trânsito.
Chegado ao início do beco onde se situava a morada estranhou o ambiente. As casas tinham aspecto desabitado e em degradação visível.
Lentamente continuou à procura do número da porta que anotara.

Era a última casa do beco e o seu aspecto não era diferente das outras. Parou e antes que desligasse a motocicleta saltaram da porta três indivíduos que logo o rodearam. Um deles, exibindo uma nota de vinte euros, perguntou:

"Trouxeste o troco?"

Acenou que sim com a cabeça ainda coberta com o capacete e... sem qualquer aviso o sujeito espetou-lhe uma faca no peito.

Face ao Juiz a alma de Aníbal permanecia calada como estivera nos últimos tempos da sua vida.

O Ser brilhante e diáfano tinha acabado de relatar a sua vida.

O Juiz argumentou:

"Uma triste vida, ou uma vida triste. Não consta que tenha entrado uma única vez numa Igreja, rezado uma oração ou, sequer, feito bem a alguém. Mesmo considerando o ambiente em que decorreu a sua vida, desde a infância, o Aníbal...

Uma voz de uma serenidade extraordinária interrompeu:

"O Anjo do Aníbal não mencionou algo muito importante: quando o Aníbal caiu da motocicleta, já moribundo da facada no peito, conseguiu com a mão direita segurar um Rosário que um seu colega tinha o costume de enrolar à volta do guiador da motocicleta.
O Aníbal expirou com o Terço do meu Rosário nas mãos."

O Juiz disse então:

"Como em Caná da Galileia fiz o que me pediu, faça-se agora como a Minha Mãe desejar".


[i] Levanta-se a questão da vida para além da morte. É uma das grandes interrogações que alguma vez durante a sua vida o homem se coloca.
É natural porque o ser humano é dotado de espírito, alma, que tem preocupações mais para além do imediatamente sensível.
Para os cristãos a segurança da Fé fá-los compreender que está destinado à eternidade, ou seja, embora o corpo pereça e acabe a vida terrena, a sua alma não morrerá jamais e, naturalmente, tende a voltar para o seu Criador, Deus.
Sim... a lógica propõe o que a fé garante, porque não se concebe o Criador abandonar a criatura a um desaparecimento puro e simples.
O restante do problema é o que se refere ao "destino" da alma e que é "marcado" na conclusão do juízo a que é sujeita pelo próprio Criador, logo que, após a separação do corpo, se apresenta perante Si.
No imaginário livro da vida, ao contrário do que que é mais comum, não existem colunas de "deve" e "haver" onde é feita uma espécie de contabilidade, não! O que existe é uma lista completa dos bens recebidos em vida, os dons, graças, auxílios, inspirações e meios com que o Senhor foi dotando cada um de forma especial e única.
Cada ser humano recebe um "pacote" específico, para si em exclusivo.
Deus Nosso Senhor não dispensa os Seus benefícios adrede ou de uma forma sistemática ou mecânica. Cada ser humano é objecto de atenção exclusiva e única por parte do Criador que lhe concede os Seus dons e benefícios conforme a Sua Soberana Vontade determina.
Esta misteriosa magnitude de Deus tem uma razão de ser.
O homem não é capaz por si mesmo de evoluir, de melhorar sem que um estímulo o leve a tal.
Este estímulo surge exactamente no estreitamento das suas relações com Deus.
Quanto mais se relaciona mais recebe e, quanto mais se recebe mais se deseja intimar com Deus.
Por isso no Evangelho consta «àquele que tem, lhe será dado; e ao que não tem, ainda aquilo mesmo que julga ter, lhe será tirado» Lc 8, 16-18.

Para chegar a Deus, o caminho seguro, é Maria Sua e nossa Mãe! 

Sancta Maria iter para tutum! (Santa Maria, prepara-me um caminho seguro)

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