Tem-se qualificado assim por conter os cinco extensos discursos de Nosso Senhor, a que aludimos. Através deles podemos perceber as palavras de Jesus e assistir à Sua pregação. Não se deve esquecer, porém, que, visto que a Bíblia foi escrita sob a inspiração do Espírito Santo e tem Deus como autor principal, toda ela - e não apenas estes discursos - é verdadeiramente palavra de Deus, e «tudo o que o hagiógrafo (isto é, o autor humano) afirma, enuncia ou insinua, deve reter-se como afirmado, enunciado, ou insinuado pelo Espírito Santo»[1].
Estes cinco discursos são: o da montanha (caps. 5-7); o de missão (cap. 10); o das parábolas (cap. 13); o «eclesiástico» (cap. 18); e o escatológico (caps. 24-25).
Há outros discursos de menor extensão, como o das invectivas contra os fariseus e escribas (23,13-36) e os de algumas controvérsias com os fariseus (12,25-45).
Embora os quatro Evangelhos tivessem sido escritos para todos os homens de todos os tempos, lugares e condições, Deus quis que cada um destes escritos tivesse tido, além disso, uns destinatários imediatos. Neste sentido, é claro que o primeiro Evangelho foi escrito num meio e para uns cristãos procedentes do judaísmo, ainda que, sem dúvida, seja evidente também que transcende tais circunstâncias concretas. Por isso São Mateus procura, com peculiar esmero, mostrar como na Pessoa e na obra de Cristo se cumpre todo o AT: em momentos especialmente relevantes da história de Jesus, o Evangelista faz notar expressamente que «assim se cumpriu o que tinha dito Deus por meio do profeta» ou alguma outra frase semelhante. Tal característica, muito acentuada, do primeiro Evangelho, fez que se lhe chamasse «o Evangelho do cumprimento»[2]. Esta compreensão do AT à luz do Novo não é exclusiva do Evangelho segundo São Mateus, pois é a doutrina comum que Jesus ensinou a todos os Seus discípulos e que o Espírito Santo lhes continuou a ensinar: é a ciência do «entendimento das Escrituras»[3]. Mas indubitavelmente tal «inteligência das Escrituras» do AT era de particular relevância para a evangelização dos judeus e para a sua posterior catequese.
Em harmonia com o que se disse do« Evangelho do cumprimento», explica-se aqui como o começo da pregação pública de Nosso Senhor e o resplendor da luz messiânica[4], que tinha sido profetizada por Isaías[5]. Do mesmo modo, as primeiras curas de Jesus[6] 6 são apresentadas como cumprimento dos oráculos dos Profetas, em especial de Isaías[7].
Sobretudo o primeiro Evangelho contém ensinamentos e factos que iluminam, na sua profundidade e dramatismo, o mistério da reprovação de Jesus, o Messias prometido ao longo do AT, por parte dos dirigentes judaicos, que arrastaram atrás de si boa parte do povo. O Evangelista, guiado pela luz da inspiração divina, vai respondendo de diversas maneiras a esse mistério: umas vezes, ao relatar os episódios da repulsa de escribas, fariseus e príncipes dos sacerdotes em relação a Jesus, ou os sofrimentos da Sua Paixão, faz ver como esses acontecimentos da vida de Cristo não são uma frustração do plano divino, mas estavam previstos e anunciados pelos Profetas do AT, e são o seu cumprimento[8]. Outras vezes explica como ao rejeitar o Messias Israel não quebrou a linha de comportamento anterior, mas completou a história das suas infidelidades diante do amor e da generosidade de Deus[9].
Em qualquer dos casos, o Evangelho mostra a dor de Cristo pelo amor não correspondido e o castigo que ameaça Israel se não se emenda[10].
São Mateus fala 51 vezes do Reino; São Marcos 14, e São Lucas 39. Mas enquanto estes últimos usam a frase «o Reino de Deus», Mateus, excepto cinco vezes, utiliza «o Reino dos Céus». Esta era certamente a expressão habitual de Jesus, a julgar pelo costume judaico daqueles tempos de não pronunciar por respeito o nome de Deus, substituindo-o por expressões equivalentes como «os Céus». O Reino de Deus instaura-se com a chegada de Cristo (cfr nota a Mt 3,2); Jesus explica, especialmente nas parábolas, as características do Reino (cfr nota a Mt 13,3). Estes aspectos são postos em realce pelo primeiro Evangelho, chamado por isso «o Evangelho do Reino».
A Divindade de Cristo é afirmada de diversas maneiras no Evangelho de São Mateus. Desde a concepção de Jesus por obra do Espírito Santo (Mt 1,20), até à fórmula trinitária do Baptismo no final (Mt 28,19), o nosso Evangelho afirma e insiste em que Jesus, o Cristo, é o Filho de Deus. São umerosos os passos que mencionam as relações entre o Pai e o Filho: Jesus é o Filho do Pai, o Pai é Deus e o Filho é igual ao Pai.
Alguns textos põem também no mesmo nível o Pai, o Filho e o Espírito Santo (o mais célebre é o mencionado em Mt 28,19). Isso quer dizer que a revelação da Santíssima Trindade, que foi feita expressamente por Jesus Cristo, é afirmada no Evangelho de São Mateus em relação com a revelação de Jesus como Filho do Pai, e Deus como Ele.
A razão estriba em várias observações: uma é que já o próprio nome de Igreja aparece três vezes[11]; outra é que a Igreja, sem ser nomeada expressamente assim, é percebida por detrás da narração: insinuada de diversas formas em bom número de parábolas; anunciada a sua fundação e explicitamente expressada na promessa do Primado a Pedro[12]; incipiente de algum modo no discurso do cap. 18; vista em figura em alguns episódios, p. ex., o da tempestade acalmada[13]; insinuada como o novo e verdadeiro Israel na parábola dos vinhateiros homicidas[14]; fundamentada a sua missão de instrumento universal de salvação no mandato missionário da parte final do Evangelho. Em resumo, a Igreja está a palpitar ao longo do texto evangélico, e sempre presente na mente e no coração do Evangelista, que é como dizer na mente e no coração de Jesus Cristo.
Os Padres mais antigos citam-no constantemente. Os Padres do fim da idade antiga comentam-no amplamente (p. ex., noventa longas homilias de São João Crisóstomo) e o mesmo acontece com os grandes doutores da Idade Média (p. ex., São Tomás de Aquino) e com os escritores eclesiásticos posteriores. (BSAFTUN)
[1] Cf Dei Verbum, 11.
[3] Cfr p. ex. Lc 24,32.45; Act 8,35.
[4] CfrMt4,13-17.
[5] Cfr Is 8,23-9,1.
[6] Cfr Mt 8,16-17.
[7] Cfr Is 53,4-5.
[8] Cfr Mt 12,17; 13,35; 26,54.56; 27,9; ete. 9 Cfr p. ex. Mt 21,28-44; 23,9-33.
[9] Cf p. ex Mt 21,28-44; 23,9-33.
[10] Cfr Mt 23,37-39.
[11] Cfr Mt 16,18; 18,17 duas vezes. 12 Cfr Mt 17-19.
[12] Cf Mt 17-19
[13] Cfr Mt 8,23-27.
[14] Cfr 21,33-45.
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