Conferência do Cardeal-Patriarca de Lisboa nas Jornadas Pastorais da CEP
«Sinais dos tempos» hoje, na sociedade e na Igreja em Portugal
Este é um ponto prévio para uma leitura actual dos “sinais dos tempos”: olhar o mundo com amor e com esperança. Podemos cair, facilmente de mais, na atitude de condenação da sociedade actual. Mas é possível amar o mundo sem concordar com o mundo. O anúncio cristão pode, por vezes, ser uma denúncia, embora deva ser, sobretudo, anúncio. Mas se começa pela denúncia, corre o risco de nunca ser anúncio.
Não se trata de um confronto ético entre um sistema laico e um sistema religioso, mas de uma questão de sentido, à qual se entrega a própria liberdade.[1]
“Viver na pluralidade de sistemas de valores e de quadros éticos, exige uma viagem ao centro de si mesmo e ao cerne do cristianismo para reforçar a qualidade do testemunho até à santidade, inventar caminhos de missão até à radicalidade do martírio” [2].
Frente à actual realidade da sociedade portuguesa, ouso ter um pressentimento: é preciso encontrar formas novas de intervenção da Igreja na sociedade. A Igreja faz parte integrante do todo da sociedade e dada a qualidade da sua mensagem e o número dos seus membros, não pode deixar de procurar formas sempre novas para contribuir para o bem da comunidade humana em que está integrada.
Estamos a cair na situação anacrónica que qualquer intervenção da Igreja, de modo particular da hierarquia, em dimensões fundamentais como o são uma sã antropologia ou a defesa de valores éticos é facilmente julgada como intervenção na esfera do estritamente político, esquecendo que o domínio político é todo o interesse pelo bem da “polis”. É preciso valorizar a Igreja como o conjunto dos fiéis, a comunidade crente, e não a identificar só com a hierarquia. Esta, por decisão própria e em defesa do carácter específico do seu ministério, abstém-se habitualmente de se imiscuir no âmbito do estritamente político. Mas os cristãos leigos não são a isso obrigados e devem ser porta-vozes, no seio da sociedade, dos autênticos valores cristãos. Aliás, pressinto que virá dos leigos a energia para esta renovação da intervenção da Igreja na sociedade. O Santo Padre, dirigindo-se aos Bispos, sublinha a importância decisiva de um “laicado maduro”: “Os tempos que vivemos exigem um novo vigor missionário dos cristãos chamados a formar um laicado maduro, identificado com a Igreja, solidário com a complexa transformação do mundo. Há necessidade de verdadeiras testemunhas de Jesus Cristo, sobretudo nos meios humanos, onde o silêncio da fé é mais amplo e profundo: políticos, intelectuais, profissionais da comunicação que professam e promovem uma proposta mono-cultural com menosprezo pela dimensão religiosa e contemplativa da vida. Em tais âmbitos, não faltam crentes envergonhados que dão as mãos ao secularismo, construtor de barreiras à inspiração cristã”[3].
A intervenção profética da Igreja na sociedade contemporânea tem de privilegiar a proclamação de uma correcta antropologia, levando à descoberta do mistério do homem, de que decorre a defesa ética dos princípios da convivência humana, em ordem à construção duma sociedade fraterna. Este desafio antropológico esteve fortemente presente na palavra do Papa entre nós. Referindo-se à contribuição da Igreja no “ordenamento justo da sociedade”, explicita: “Situada na história, a Igreja está aberta a colaborar com quem não marginaliza a essencial consideração do sentido humano da vida”[4]. Esta sã antropologia tem de integrar a dimensão transcendente da vida humana, “integrar a fé e a racionalidade moderna numa única visão antropológica, que completa o ser humano e torna, desse modo, comunicáveis as culturas humanas”[5].
Fátima, 16 de Junho de 2010
†JOSÉ, Cardeal-Patriarca
(fonte: Ecclesia)
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